2º dia de NOS Alive – um dos maiores crowdsurfs das últimas edições

2º dia de NOS Alive – um dos maiores crowdsurfs das últimas edições

Se no dia anterior os artistas internacionais não impressionaram para além do esperado, são agora o principal destaque deste segundo dia de NOS Alive. Sinceramente, nem sabemos o que salientar mais: se a magnitude em palco de girl in red, o poderio de Lizzo, a energia pouco usual de Arctic Monkeys ou a presença coreográfica de Lil Nas X.

É catártico poder afirmar que o segundo dia da 15ª edição do festival de Algés, ficará marcado por emoções bem menos contrastantes que o seu predecessor. 7 de julho de 2023 foi finalmente uma lufada consensual de excelentes concertos! E levamos daqui uma das melhores memórias dos últimos tempos num concerto inesperadamente celebrado…

Linda Martini e Idles: um combate à inconformidade

Há 15 anos que vivemos experiências musicais com Linda Martini. Tudo começou na 1ª edição de Banhos Velhos e dezenas de concertos se seguiram ao longo dos tempos. Da última vez, destacamos a performance de Cláudia Guerreiro e a sua necessária representatividade feminina no rock nacional. E até pedimos a contratação permanente de Rui Carvalho (aka Filho da Mãe). Preces ouvidas, e é mais do que oficial: o marido da baixista já é parte vital desta banda!

Ao longo destas duas décadas de atividade, quando pensamos em Linda, é impossível não os associar a grandes êxitos de início de carreira. Discos e EP’s como Marsupial (2008), Olhos de Mongol (2006) e Casa Ocupada (2010) continuam a ser os trabalhos que mais os afirmam no panorama do rock português moderno. Mas quando achávamos que não nos podiam surpreender mais, eis que surge no passado ano, o álbum ERRÔR. Sendo de destacar a comunicação do mesmo, feita ao pormenor, pela visão, lente e mão de Ana Viotti. O lançamento de E Não Sobrou Ninguém (inspirado no célebre poema de Martin Niemoller), não podia ser mais adequado no espaço e tempo da sua mensagem. E ao fim da tarde, no palco principal do NOS Alive ecoou bem mais alto do que os hits: Amor Combate (2006), O amor é não haver polícia (2006) ou até a explosiva Cem Metros Sereia (2010) com que terminaram a sua atuação. Vermos Hélio Morais e companhia a refletir sobre eventos recentes, preconceitos e discriminação, é sem dúvida, o caminho a seguir para esta terceira década de carreira que aí se avizinha.

E por falar em dar voz a injustiças… Ainda no palco NOS, logo a seguir, tivemos IDLES. A banda britânica que aqui atuou em 2019, não conseguiu nem metade da euforia catártica do público. Mesmo assim, saímos daqui mais satisfeitos com este concerto do que o ano passado, num semelhante festival a Norte. Apesar do sol ainda raiar à hora da sua atuação, o som e energia estiveram relativamente superiores à última vez que os vimos e ouvimos. Porém, pouco conseguimos identificar de purgativo, face à primeira vez que partilhamos contacto com estes não-afirmados punk rockers. Há qualquer coisa que se perde na mensagem destes senhores quando saem de pequenos palcos (pelo menos nos portugueses). Mas a base de inconformidade, da banda que começou a carreira a dar voz ao descontentamento do colarinho azul, ainda lá está. Pelo menos, quando põem um recinto inteiro a gritar: -“Fuck the King!”.

Não esperávamos nem metade do que aconteceu no Palco Heineken

City and Colour que tínhamos deixado perdido em 2008 (no fim dos tempos áureos de emo kids), encheram-nos o coração de saudosismo de adolescente ao fim da tarde no Heineken. No entanto, foi girl in red que nos arrebatou neste palco (à semelhança do que uma certa Phoebe Bridgers já tinha conseguido) e  por isso, é mais do que merecido ser um dos destaques de toda esta edição!

girl in red (tudo em minúsculo) é o nome artístico de Marie Ulven, uma cantora e compositora norueguesa. O seu estilo musical é muitas vezes descrito como um pop dreamy com influências do bedroom pop e indie rock. As suas letras são pessoais e honestas, abordando questões como amor não correspondido, sexualidade, saúde mental e a experiência de se ser adolescente. E apesar de já incluir vários lançamentos aclamados e uma série de hits que cativaram fãs em todo o mundo, não tínhamos noção que encontraríamos bem mais de metade de um palco secundário super queer a cantar TODAS as músicas da artista. As dezenas de leques e bandeiras LGBTQIA+ denunciavam bem quem é o seu público alvo. E saímos daqui de coração cheio por termos a certeza que existe uma camada de gente em Portugal, que tal como nós, lhe prestou atenção desde o início da sua carreira.

O seu primeiro EP, intitulado Chapter 1, foi lançado em 2018 e apresentou faixas como Wanna Be Your Girlfriend e We Fell in Love in October. Estas canções ganharam popularidade de forma rápida e estabeleceram girl in red como uma artista em ascensão na cena indie. Em 2019, lançou o EP Chapter 2, que apresentava músicas como bad idea! e watch you sleep, que ao vivo tiveram o dobro da dimensão e poder. Mais uma vez, as letras francas e emotivas da norueguesa ressoaram com o público duma maneira mais rock ‘n’ roll do que indie pop até.

Já o seu primeiro álbum de estúdio, If I Could Make It Go Quiet, foi lançado em 2021. E os singles como Serotonin, Rue e You Stupid Bitch também foram ultra celebrados. Aliás, depois de arrancar logo a perfomance com You Stupid Bitch teve a audiência na mão até ao fim.E foi dona de um marco, que já não víamos em festivais mais comerciais há anos, muito menos no NOS Alive. Entre canções, pediu à plateia se conseguiam fazer o maior crowdsurf que o palco secundário já viu: e assim foi levemente carregada até à cabine de som, sem grandes problemas. QUE RAINHA!

Atenções novamente focadas no Palco Principal (NOS)

Já que estamos numa de exaltar rainhas musicais, Lizzo não nos passou nada ao lado. Chegou, cantou, encantou e ganhou um dos destaques do dia! A cantora, rapper e flautista norte-americana não brilha só pela sua música energética, mensagens de empoderamento e até uma cover de Yellow dos Coldplay a meio, mas sim, sobretudo pelo seu poder vocal e carisma. Toda a banda, bailarinos e mudanças de look são meros artifícios face ao alcance vocal desta mulher. Com uma mistura contagiante de soul, hip-hop, R&B e pop, a sua presença em palco é cativante desde o primeiro segundo. Além das letras como Juice, Soulmate, Tempo e Good as Hell que celebrarem a positividade corporal, Lizzo conquistou o coração do público e transmitiu uma mensagem de amor próprio e inclusão. A sua apresentação no festival e estreia em, Portugal, só veio reforçar o seu status como uma das artistas mais inspiradoras da época atual. Está mais do que na hora de não lhe entregar um horário ingrato, ao qual profissionalmente chamamos de “a hora da multidão ir jantar“, pois a multidão não foi. E ali ficou, encantada com a primeira e única mulher negra a pisar o palanque este ano, numa abordagem oposta à edição anterior.

De seguida, foi a vez de atuarem Arctic Monkeys, os grandes responsáveis desta data esgotada. São facilmente uma das bandas britânicas mais exportáveis da atualidade. Mas nem sempre assim foi, principalmente depois do flop de Humbug (2009), que contou com a produção de Josh Homme, que por coincidência tivemos o prazer de re(ver) no dia seguinte. Mas Suck It and See (2011) e principalmente AM (2013) acordaram toda uma legião de fãs que ficam um ano inteiro sem ir a concertos, mas facilmente pagam para ver a banda de Alex Turner, hoje em dia. Apesar de, esperarmos um Alex com atitude de rockstar intocável a que nos habituou desde 2008 (e até a nossa Teresa Colaço comprovou aqui em 2018), tal não aconteceu. Pelo contrário, o vocalista mesmo com a típica pinta de galã magricela, foi muito mais interativo com a audiência, mais móvel nos quadris e com uma energia que lhe faltava live há anos! Assim como toda a banda não tocou meio tom abaixo como costuma fazer em atuações ao vivo e estiveram todos em plena sintonia e simbiose rítmica com os fãs.

Infelizmente, aquando da confirmação de Lil Nas X para o NOS Alive’23, vimos caixas de comentários de vários orgãos de comunicação social, repletos da mais pura ignorância. Parece que a espécie heteronormativa branca poderá falecer se não destilar ódio e incompreensão nas redes sociais. Por isso, eles têm mesmo de comentar. Dessa forma, salva-se toda uma espécie de pessoal que se ofende com um artista queer, cuja música e provocação para o género e sub-géneros pop e rap que atinge, é bem melhor e mais vendível que tantas outras do mesmo mercado. Mas a verdade é que este artista norte-americano tem proliferado na carreira sobretudo à volta desta incompreensão. Não podemos ignorar que há conta disto recebeu vários prémios, incluindo: “2 American Music Awards, 5 Billboard Music Awards, 8 MTV Video Music Awards e 2 Grammy Awards. Em 2021, foi incluído na lista oficial da TIME Magazine das 100 pessoas mais influentes do mundo. E em 2022, tornou-se a pessoa mais jovem a ser honrada com o prémio Hal David Starlight no Songwriters Hall of Fame.”

É um dos pioneiros a explorar o mercado de rapper, cantor, compositor negro e homossexual que se apresenta extremamente sexualizado em palco, por opção própria (como só estávamos habituados a ver artistas femininas neste nível de imagem). Estamos mais do que habituados a ver mulheres pop neste tipo de vestes ousadas e com coreografias ultra-sensuais. Lil Nas X, mesmo sem banda e só com bailarinos queer em palco, vem pôr em causa todos aqueles conceitos de que um homem negro no rap pode ou não fazer. A coreografia entre dançarinos e artista é exímia, e temos um show pensado ao pormenor do início ao fim. No grande êxito que é Old Town Road, entra armado em Bianca Jagger no Studio 54, mas não nos traz um cavalo branco real, mas sim mecanizado. Enquanto sai de cena, para uma rápida troca de roupa, cada bailarino tem o seu momento de destaque com beats de Rihanna, a Nicki Minaj e até Beyoncé. Entre piruetas, death drops e voguing, cada um mostra individualmente a sua arte. E talvez seja por isso, que ainda em “início” de carreira, Lil Nas X não traga uma banda, há que ter em conta que neste show tem muitas bocas para alimentar.

O último dia, sábado 7 de julho, também se deixou marcar por diversos artistas LGBTQIA+ friendly, em breve contamos tudo e faremos o balanço do festival. Não te esqueças que podes ver a programação de eventos do género na nossa Agenda- CLICA AQUI – relembramos que podes usar o teu telemóvel para marcar com uma ⭐️ os concertos que não queres perder!

Ana Duarte  

Consultora Musical na Fonograna e fundadora da webzine CONTRABANDA. Estudou Music Business na Arda Academy e Línguas, Literaturas e Culturas na Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Tinha uns pais melómanos que a introduziram a concertos/festivais, ainda tinha ela dentes de leite. 3 décadas depois, aproveita para escrever umas coisas no ponto de vista de espetador melómano (quando a vida de consultora musical lhe permite).


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Mais sobre: Arctic Monkeys, City and Colour, Girl in Red, Idles, Lil Nas X, Linda Martini, Lizzo

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