NOS Alive’23 – ressuscitamos ao 3º dia, conforme as escrituras

NOS Alive’23 – ressuscitamos ao 3º dia, conforme as escrituras

A decisão de voltar a reduzir o festival para três dias foi acertada, considerando a intensidade e energia vivenciadas durante o último dia. Caso contrário, os nossos músculos e articulações poderiam não resistir a uma programação mais extensa. Saltos, gritos e uma frenética movimentação entre os palcos foram necessários para absorver tudo o que esta 15ª edição proporcionou. Os destaques? São muitos! No entanto, nenhum se comparou em grandeza e sublimidade a Sam Smith…

Os grandes patrocinadores como a NOS e WTF, quiseram focar-se no sentimento de fazer os seus clientes sentirem-se como autênticos reis. Com uma campanha de 5 semanas, ofereceram bilhetes diários, e ainda 5 oportunidades de um grupo muito restrito usufruir do evento com uma experiência que incluiu, entre outros: alojamento em hotel, motorista para o recinto, acesso à zona de convidados NOS, etc. Até os Media sentem este calor e tratamento de realeza (e acreditem, estamos super gratos). Contudo, o público geral tem uma experiência bastante mais regrada, onde apesar de condições de higiene e restauração não faltarem, os acessos e circulação no Passeio Marítimo de Algés são por vezes uma manada caótica de gente. Nada que não faça parte dos “encantos” de um festival cosmopolita.

Palmas para a curadoria do WTF Clubbing Stage

Ao longo de 3 dias, atuaram neste evento cerca de 110 artistas. São um total de 7 palcos a funcionar diariamente. Torna-se, portanto, impossível cobrir todos, e dar-lhes a devida a atenção. Ao contrário de certas alegadas divindades, não somos omnipresentes. Mas as ‘piscinas’ que fizemos entre palcos, deram para irmos apreciando a curadoria do WTF Clubbing Stage. Por momentos, não sabíamos se estávamos em Oeiras, ou em Viana no Neopop. Que escolha poderosa de artistas de eletrónica para este último dia! Qualquer curador que põe no cardápio Boys Noize, tem todo o nosso respeito. E até a nossa nemesis Kelly Lee Owens, da qual nos queixamos outrora por falta de pujança techno, apareceu de set renovado e sem qualquer problema a apontar, desta vez.

Palco Heineken: um bonito reino queer

Se há termos que definem esta data, certamente a expressão: “Que curadoria gay de SONHO!” – devia fazer parte dos mesmos. Como se a presença de girl in red não tivesse sido arrebatadora no dia anterior, o que mais voltou a reinar no palco secundário foi a presença queer feminina (e não só)…

Ainda o sol raiava e surge-nos, King Princess, uma cantora, compositora e produtora norte-americana. Apesar de jovem e emergente, apresenta em palco uma atitude de ‘senhora do pedaço’, sem ser muito incomodativa. Afinal, o estatuto de artista assenta-lhe que nem uma luva, sobretudo, devido ao privilégio de ter um pai Produtor, onde era habitual deambularem por sua casa estrelas como Missy Elliot.

Ao longo da sua (ainda curta) carreira, King Princess lançou diversos singles que ecoar em Algés, como Talia, Pussy Is God e Cheap Queen, que demonstram sua habilidade em criar melodias cativantes e letras francas sobre amor, sexualidade e relacionamentos. O seu álbum de estreia, também intitulado Cheap Queen (2019) e recebeu elogios da crítica pela sua produção sofisticada e letras sinceras (talvez demasiado sinceras). A sua maioria, é mesmo gossip sobre ex-namoradas, nada mais. Ainda assim, é certo o crescimento que irá ter na indústria e esperamos que nessa altura nos dê letras com mais substância do que meras fofocas. Até porque apoio e fãs não lhe faltam, isso ficou mais do que provado neste concerto.

Uma artista mais consolidada a pisar o Heineiken foi: Angel Olsen. A estadunidense que só há um par de anos é que saiu do armário (como se no seu lirismo não fosse óbvio de detetar, principalmente no icónico My Woman de 2016), não é novata alguma em terras lusas. Mas desta vez, fez-se evidenciar de maneira mais calma e solene. Talvez porque a sonoridade do seu último disco, Big Time (2022) assim o peça. Combinando elementos do indie rock, folk e pop, o álbum mostra a evolução musical e criativa de Olsen. Já não é uma menina energética em palco, mas sim, uma bela senhora: consolidada, evocativa, e ainda carismática. Pouco depois de ter começado a atuação, brinca connosco e diz-nos que vai cantar algo novo, que tinha escrito na noite anterior e assim toca o hino que é Shut Up Kiss Me. Sacou risos de uma plateia inteira!

A maior enchente do palco secundário ficou a cargo de Tash Sultana. Diretamente da Austrália para o mundo, foi impossível ficar indiferente a mais uma passagem sua por Portugal. Mas há algo que esta pessoa não toque? As atuações de Tash são verdadeiras experiências musicais. Como multi-instrumentista e artista solo, destaca-se pela sua impressionante habilidade em tocar vários instrumentos. Tanto pega estrondosamente numa guitarra ou baixo, como deambula pelo teclado e bateria, criando camadas sonoras cativantes em tempo real. Porém, uma coisa é descrever isto, outra é vibrar com isto ao vivo. Variando entre o R&B, soul e reggae, além do seu alcance instrumental, a voz única de Sultana foi um elemento marcante na sua atuação. A sua voz poderosa e versátil captou a atenção de um público que já sabemos que é difícil, transmitindo a total emoção e profundidade das suas interpretações. Os artistas não-binários tiveram aqui um representação digna de palco principal…

Já a última artista a salientar deste poderoso quarteto curatorial LGBTQIA+ é Rina Sawayama. A britânica de origem japonesa já tinha dado que falar no Primavera Sound 2022. Agora, não podemos atestar com veemência toda a qualidade do concerto, porque já passava meia hora quando chegámos até ela (foi impossível abandonar Sam Smith). No entanto, o que vimos e ouvimos foi uma poderosíssima interpretação de pura pansexualidade, que deve ter posto em causa até aos meninas mais hetero da plateia.

Rina não só possui um excelente controle vocal, como toda a sua atenção é dividida de forma bastante teatral com as suas duas bailarinas. Entre mudanças de outfits mais masculinas, para algo mais BDSM e até cowgirl, mostra que é muito mais do que a mera autora de Comme Des Garçons (2020). A sua estrela ainda está em ascensão e mal podemos esperar por mais!

Pelo meio de todos os artistas anteriores mencionados, encontrámos no palco principal, ainda ao final da tarde, Machine Gun Kelly e já à noite, Queens of the Stone Age.

Temos de confessar que tendo em conta todas as polémicas de Machine Gun Kelly, e o seu tipo de público (que pouco aposta em conhecer mais e melhores conjunturas rock): estávamos bastante enviesados para dar uma de gatekeepers do rock. Mas tal não o podemos fazer. Apesar de ter sido uma encenação mediana, mas tipicamente de detalhe norte-americano: não nos aqueceu, nem arrefeceu. E cumpriu o propósito esperado de qualquer performance do género.

Outra apresentação americana que cumpriu o objetivo, foram Queens of the Stone Age. Nada novatos em terras lusas, já não punham cá os pés há uns aninhos. Mesmo assim, o tempo parece nem ter passado pelos mesmos. Josh Homme e companhia não perderam tempo, e começaram com No One Knows numa entrada a pés juntos. Na plateia ouvia-se fãs a vibrar, e hit atrás de hit, convenceram um mar de gente que nem estava ali propriamente para os ver…

Sam Smith: Pai, Filho, Maria, e Espírito Santo reencarnado

Se ao longo do título e desta review foram encontrando algumas referências religiosas, é porque Sam Smith assim nos inspirou, tanto no início como no fim do seu espectáculo. Aliás, até poderíamos dizer que vimos dois concertos divinais em apenas um!

Numa primeira parte, aparece-nos com looks completos, maduros e celestiais, onde tudo em si brilha. Contudo, esta pessoa não-binária, não se faz notar sozinha, mas sim com um o talentoso trio de cantores que levam a experiência de coro, a um outro nível! Começam com Stay With Me, na qual Sam pede ajuda ao público para completar o refrão, e nesse preciso momento, soubemos estar perante um concerto triunfal. Nenhum headliner tinha conseguido uma interação tão natural com a multidão e sem esforço aparente. Além disso, a figura estatuesca de Sam e a sua própria atitude a caminhar solenemente, deram-lhe um ar de total controle perante as massas. A pose, o olhar e o seu domínio vocal, confirmam de antemão a presença mais firme em palco que vimos nesta edição.

É importante levar em conta que, este artista pop tem estado lá para todos os seus amores e desamores dos seus fãs, seja “em casa, no carro ou em, todo o lado“. Dessa forma, é exatamente o tipo de artista que esta gente (pouco festivaleira além de Algés), precisa e vibra com. Tornando o seu concerto numa sequência emocionante de êxitos atrás de êxitos, de já 16 anos de carreira. Não falhando temas como: I’m Not the Only OneToo Good at GoodbyesLike I Can, e tantos outros que fizeram o público vibrar intensamente, com cada um deles.

Entre celebrações musicais e as mais rápidas mudanças de roupa da história da música (das quais até fez parte a camisola da Seleção Feminina de Futebol Portuguesa), entramos na segunda parte do concerto. Algo que pode ser descrito como bastante mais sensual, provocador e dançável. Além dos sucessos esperados, até nos deu Latch, uma cover de Disclosure, I Feel Love de Dona Summer, e Human Nature de Madonna. Aqui, aparece-nos de véu branco e coroa de espinhos, numa imagem a deambular entre Virgem Maria e Jesus Cristo, mas rapidamente lhe puxam o véu e BAM: fica uma Maria Madalena BDSM, ultra sexy e semi-nua. O coro passa para segundo plano, e aqui se fazem notar virtuosos dançarinos, que deixariam as avós mais comedidas deste país a rodopiar nos seus rosários. Terminou a atuação com Unholy, mas de sagrado este concerto teve tudo!

O NOS Alive regressa a 11, 12 e 13 de julho. Fiquem atentos às confirmações, e relembramos que podem ver a programação de eventos do género na nossa Agenda- CLICA AQUI – podem ainda usar o telemóvel para marcar com uma ⭐️ os concertos que não querem perder!

Ana Duarte  

Consultora Musical na Fonograna e fundadora da webzine CONTRABANDA. Estudou Music Business na Arda Academy e Línguas, Literaturas e Culturas na Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Tinha uns pais melómanos que a introduziram a concertos/festivais, ainda tinha ela dentes de leite. 3 décadas depois, aproveita para escrever umas coisas no ponto de vista de espetador melómano (quando a vida de consultora musical lhe permite).


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Mais sobre: Angel Olsen, Boys Noize, Kelly Lee Owens, King Princess, Machine Gun Kelly, Rina Sawayama, Sam Smith, Tash Sultana

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