7 Jun 2018 a 9 Jun 2018

Não há chuva que lave as lágrimas que Nick Cave provoca – o derradeiro dia de NOS Primavera Sound

Não há chuva que lave as lágrimas que Nick Cave provoca – o derradeiro dia de NOS Primavera Sound

A chuva não parou no último dia de NOS Primavera Sound. Ainda assim, foram muitos os que dançaram à chuva com Kelela, Public Service Broadcasting ou War On Drugs. Mas a noite foi de Nick Cave & The Bad Seeds, que ofereceu um espectáculo que tão cedo ninguém irá esquecer.

Depois de ter resistido nos dois primeiros dias de certame, ao terceiro e derradeiro dia de NOS Primavera Sound a chuva não deu tréguas a ninguém. O primeiro a enfrentá-la foi o português Luís Severo que conseguiu logo concentrar uma boa mancha humana junto ao palco SEAT para ouvir as suas doces canções. No mesmo palco e pouco depois, os australianos Rolling Blackouts Coastal Fever apresentaram o seu indie rock bem humorado, que fez forte contraste com o tempo que se fazia sentir.

Já perto das 19h, no palco Super Bock, outro raio de luz fez frente ao temporal que se fazia sentir. Era a sensualidade de Kelela: na dança, na voz e na emoção que mostrou sentir por ser recebida tão carinhosamente na sua estreia no Porto. A certa altura pede mesmo desculpa por não conseguir “cantar e chorar ao mesmo tempo”, visivelmente tocada pela reacção efusiva da plateia que se juntou para dançar temas como Frontline ou Rewind. Na pele de Kelela, este R&B contemporâneo tem pano para mangas e mal podemos esperar para o ver crescer para lá da belíssima estreia que foi Take Me Apart. Do outro lado do recinto, no cimento do palco SEAT e já na hora de jantar, entrou em cena o indie rock expansivo dos Public Service Broadcasting. O conceito de musicar eventos marcantes da história acompanhados por projecções e samples de antigas emissões televisivas e radiofónicas provou ser capaz de oferecer festa aos que enfrentaram a chuva, e a breve aparição de uma mini secção de sopros e de um astronauta (em Gargarin, claro) só elevam mais os ânimos. Bem que nos podiam fazer uma visita em nome próprio, que estas viagens musicais só teriam a ganhar numa sala fechada.

Não é fácil descrever o concerto que se seguiu. Nick Cave não pisava solo nacional há cinco anos, antes de Skeleton Tree, o magnífico último disco, e antes da tragédia que lhe antecedeu – a perda do filho de 15 anos. A expectativa era imensa, e o facto de o anfiteatro natural onde se situa o palco o principal do festival se encontrar completamente preenchido era prova disso mesmo. Em palco, o australiano comanda até a chuva (parou ao início, mas quando Cave comentou que ficaria bonita com certa canção, voltou em força). Essa canção era Into My Arms, momento belíssimo que sucedeu à entrada cerimonial, recebida em silêncio, como se que por uma plateia em choque com a presença de Nick Cave à sua frente. Depois veio o extâse: Do You Love Me? com refrão em coro, a loucura de From Her To Eternity e Loverman e a histórica Red Right Hand. Até que chegamos ao piano de Into My Arms e à serenidade arrepiante de Girl In Amber. Sempre por entre os fãs da frente, de mãos dadas, de olhos nos olhos. Sempre esguio, ora frenético ora sentimental, sempre no comando. Como quando sobe a uma plataforma colocada no meio da plateia e exige silêncio logo depois de exigir palmas, qual maestro de plateia, na maraviolhosa Weeping Song. Houve Tupelo e claro que a chuva intensificou, porque a realidade quer imitar as projecções de tempestade que passam nos ecrãs. Houve, claro, Jubilee Street e uma plateia ao rubro, a teatralidade frenética de Stagger Lee e, a fechar, a comunhão de Push The Sky Away, já com vários fãs a partilhar o palco com Nick Cave, para além da sua notável banda, os Bad Seeds. Será impossível esquecermo-nos deste concerto, como é impossível explicá-lo por palavras.

Era difícil voltar a enfrentar o mundo depois da descarga emocional que foi o concerto de Nick Cave & The Bad Seeds, mas a guitarra de Adam Granduciel chamava. Ele e os seus War On Drugs trouxeram o mais recente A Deeper Understanding e o seu rock and roll contemplativo ao palco SEAT, mas a cabeça continuava presa no abanão que Nick Cave lhe dera. Foi preciso os Mogwai entrarem em palco para tudo voltar ao sítio. Os veteranos do pós-rock imersivo e explosivo conseguiram agarrar muito público, mesmo tendo a conta a hora avançada (subiram ao palco NOS pouco antes da uma da manhã) e a chuva forte e fria que se fazia sentir no Parque da Cidade. Os mais auspiciosos ficariam ainda para a irreverência do venezuelano Arca, que subiu ao palco Pitchfork às 2h30 da madrugada.

A sétima edição do NOS Primavera Sound chegou então ao fim, tendo recebido cerca de 30 mil pessoas por dia, num ano que a organização descreve como uma marca entre um antes e um depois da história do festival. Uma história continua para o ano, nos dias 6, 7 e 8 de Junho.

NR: Por opção dos artistas não nos foi possível fotografar os concertos de Nick Cave, Nils Frahm e The War on Drugs

Teresa Colaço  

Tem pouco mais de metro e meio e especial queda para a nova música portuguesa. Não gostava de cogumelos mas agora até os tolera. Continua sem gostar de feijão verde.


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Mais sobre: Kelela, Luís Severo, Mogwai, Nick Cave, Public Service Broadcasting, Rolling Blackouts Coastal Fever, The War on Drugs


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