Com que então o rock está morto? – 2.º dia de Paredes de Coura 2022
É hilariante quando dizem que o rock morreu. Os tempos de rock stars inconsequentes a destruir quartos de hotel e sucumbirem de overdose aos 27 é que já lá vão. Hoje em dia, este género musical é mais profissionalizado, mas está tão desfalecido que foi o grande protagonista do segundo dia. Os destaques vão para: Gator, the Alligator, IDLES e Viagra Boys.
Regressámos depois de uma abertura inteiramente portuguesa e do aconchego na alma, que foi ver este anfiteatro natural novamente cheio (talvez até demasiado). Este segundo dia arrancou logo em grande: com o sol a raiar e Gator, the Alligator no palco Vodafone FM. E não é por acaso que estes meninos do rock psicadélico atuaram a 17 de Agosto e não sofreram a maldição dos 30 minutos da véspera. Estes artistas são para colocar no mapa internacional (que devido ao seu género musical é tão difícil de furar se não forem australianos). O sentimento que ficou pós-concerto foi:
Não houve King Gizzard, mas houve Gator, the Alligator!
Para além de trabalhos anteriores, como Life is Boring (2018) e Mythical Super Bubble (2020), testaram uma canção não-intitulada da sua última demo (para um possível novo álbum). Se o restante disco soar como esta, avizinha-se aí o seu melhor trabalho até à data, bastante superior, instrumentalmente, a tudo a que já nos habituaram. Quase no fim, contaram a presença do guitarrista Marco Duarte que tem colaborado com David Bruno e Duarte Oliveira dos El Señor no êxito Yayaya. Os barcelenses foram os responsáveis pelo primeiro de muitos moshs e crowdsurfs do dia. Até o vocalista Tiago Martins e baixista Ricardo Tomé deambularam pelas mãos da multidão.
Com um recinto pouco composto, encontrámos MEMA., a autora e compositora de Perdi o Norte, canção com que concorreu ao Festival da Canção 2021, seguida do cantautor americano Alex G.
Mais tarde, BADBADNOTGOOD, cujo nome podia ser utilizado para classificar a performance de Mema, tal como a dos próprios canadianos. 5 anos após a sua vinda a este festival, o reencontro não foi tão feliz como outrora. Principalmente, pelo saxofone estar sobreposto a todos os outros instrumentos (de forma até incómoda). Mesmo aliados à produção em tempo real de fitas de filme transmitidas para o ecrã (que conferiram ao concerto um tom muito mais artístico), a energia contagiante a que nos habituaram não estava lá.
Voltando ao palco secundário, lá estavam Porridge Radio, um grupo de indie rock maioritariamente feminino. Nas palavras de Rui Cunha, da CONTRABANDA:
A vocalista dos Porridge Radio, dançou e desprendeu-se das angústias e fragilidades que, em grande medida, marcam as suas letras. Com o avançar de músicas como Give/Take, do seu segundo disco Every Bad, ou Back To The Radio, a intensidade ia crescendo, até Margolin se libertar por completo em gritos e passagens pujantes de guitarras. É disto que a arte dos Porridge Radio vive, daí ser tão fácil criar laços empáticos com o que cantam.
Depois da calma, vem a tempestade
Os IDLES já não são os meninos inconformados que encontrámos na sua primeira tour mundial, em 2018 na sala 2 do Hard Club. Os britânicos do punk rock cresceram tanto, que já nem fazem o seu próprio soundcheck. Eram um dos concertos mais aguardados da 28.ª edição do Vodafone Paredes de Coura: e não desiludiram. O contentamento em relação a esta atuação tem sido geral, até porque, para muitos, era a primeira vez que estavam a ver e ouvir a banda ao vivo, apesar de terem estado tão recentemente em Lisboa.
A plateia vibrou totalmente com êxitos dos seus dois melhores álbuns – Brutalism (2017) e Joy As An Act Of Resistance (2018) – e mostrou-se mais amena nos últimos dois trabalhos discográficos: Ultra Mono (2020), que não podia ter um nome mais adequado, e Crawler (2021), que nos fez rastejar de desilusão por ser tão pouco catártico. Mesmo assim, conseguiram aquele sentido de Unity, porque são bem tão conhecidos, e que se enquadra perfeitamente em Coura. E com tantos saltos, moshs, gritos, palmas à mistura e palavras de ternura de Joe Talbot, para muitos, foi quase o fim do mundo em cuecas.
Depois da tempestade, vem a calma seguida de um tufão
Para desacelerar o ritmo cardíaco, íamos receber Beach House de braços abertos, mas eles não abriram os braços para nós. A banda de Victoria Legrand e Alex Scally (repetente neste festival), é composta de criaturas de vontades peculiares. Vieram para quebrar a energia, mudar de ideias 3 vezes quanto às regras para fotografia e exigir que fosse desligada a iluminação da sala de imprensa durante a sua atuação. Mesmo assim, estão perdoados pela bipolaridade, devido a um concerto ultra melodioso. E é inevitável realçar que foram donos da melhor qualidade de som a ecoar no anfiteatro natural neste dia.
Por falar em qualidade os Viagra Boys, no palco After Hours, foram excecionais. Não que estivéssemos à espera de outra coisa, obviamente. Os suecos dos mil sub-géneros do punk (post, dance, art, garage e até cowpunk) foram dos artistas mais celebrados do dia, sobrepondo-se bastante aos The Murder Capital que atuaram mesmo palco. Mas o desconforto de um palco secundário a abarrotar fez-se notar, e tem sido recorrente nesta edição. O festival não pode crescer muito mais ao nível da lotação, pois está a tornar-se insuportável ficar tipo sardinha-enlatada. Tínhamos saudades do calor humano musical, mas não tantas.