Reportagem no Super Bock em Stock 2021
O único dos grandes festivais a realizar-se em dois anos de pandemia foi tão comedido como os tempos que vivemos.
Regressámos à Avenida da Liberdade para mais uma edição de Super Bock em Stock, o festival que já teve vários nomes mas que nunca mudou de conceito: duas noites a subir e descer a artéria da capital por entre concertos espalhados pela zona.
No primeiro dia de certame, o reggae com sabor a cachupa aqueceu e de que maneira a sala da Casa do Alentejo e os ânimos já estavam bem altos. Continuaram com um Tivoli repleto para ouvir a voz dos Capitão Fausto a solo ao piano. Tomás Wallenstein trouxe versões da banda de Alvalade, mas também muitas versões de amigos e não só, com destaque para o bonito momento que foi ‘Cantar Alentejano’, de José Afonso. Já no Coliseu as coisas começaram a animar com a paciência e experiência de Mundo Segundo e Sam The Kid, que souberam gerir uma plateia que começou pequena e tímida e foi crescendo em tamanho e entusiasmo. Do outro lado da Avenida, na estação do Rossio, a pop animada de Filipe Karlsson convidava à dança e foram vários os refrães entoados pela muito bem composta audiência.
Talvez o concerto mais ansiado de todo o festival (depois do infeliz cancelamento de Black Country, New Road), os Django Django subiram ao palco do Coliseu dos Recreios perante uma plateia que tinha saudades. Saudades dos britânicos, que não pisavam território nacional desde 2015, e saudades de dançar e cantar o indie pop que os ingleses tão bem produzem e que o público nacional tanto adora. Afinal, para muitos, este Super Bock em Stock terá sido a primeira vez que voltaram a estar numa plateia em pé a dançar e cantar com música ao vivo desde Março de 2020. Foi talvez o mais próximo da antiga normalidade que muitos se sentiram, mesmo que a obrigatoriedade do uso da máscara dentro das salas não fosse respeitada por todos. Com “Glowing in The Dark” ainda fresco, o foco foi obviamente para o último disco – com destaque para a abertura com ‘Spirals’, ‘Waking Up’ (infelizmente sem Charlotte Gainsbourg) e a faixa-título. Mas também houve espaço para fan favourites como ‘Default’ ou ‘Tic Tac Toe’. Os Django Django podem já não ter a jovialidade de outros tempos, mas a sua fórmula continua a ter sucesso e acima de tudo continuam a saber tratar-nos bem. Basta entrar em palco com uma camisola da selecção nacional e já está metade do trabalho feito.
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O itinerário do dia terminava na estação do Rossio com outros ingleses, bem mais jovens e energéticos. Infelizmente, as falhas da organização – ou a ferrugem acumulada de um ano sem festival – começaram a notar-se de maior forma aqui. Com a entrada na zona do palco a ser feita por uma pequena porta, a fila agiganta-se na zona de bilheteira da estação e quando o público consegue finalmente passar essa porta, dá por si afunilado entre a zona de frente de palco repleta de gente à sua esquerda e um longo bar de cerveja à sua direita, impossibilitando a circulação e tornando toda aquela zona num caos. É pena, porque os Sports Team, por muito betos de Cambridge que sejam, mereciam mais animação e à vontade de quem estava deste lado da barricada. Talvez nem estivessem muito interessados no que acontecia à sua volta (faz parte da aparência da banda isso de parecer não se interessar por nada sem ser qual a pior combinação de roupa possível para levar ao palco – um blazer branco com umas calças de fato treino azuis, porque não?), mas fizeram questão de pedir ao público da frente que entoasse uma canção portuguesa (foi ‘A Casinha’…). Tanta condicionante não impediu, no entanto, os Sports Team de darem um bom concerto recheado de riffs e refrães convidativos, mas é impossível não se ficar desiludido quando a frase de ‘Fishing’ em que falam na portuguese coast é entregue com tanto desinteresse. Tudo muito bem, mas sejamos honestos, o melhor momento foi quando trouxeram a ‘Angels’, de Robbie Williams’, para se despedirem do público.
Se um dia de festival de música já nos era estranho depois de tanto tempo sem um, o que dizer de um segundo dia? Reuniram-se as energias possíveis para regressar à Avenida num dia em que o que mais gritava no cartaz era a ausência de um dos seus nomes mais pesados.
Demos início ao percurso novamente na Casa do Alentejo, desta vez com a incrível Bia Ferreira. De língua mordaz, a brasileira debita poesia feminista, anti-racista e sempre incrivelmente acutilante com o seu violão em mãos. Um concerto de Bia Ferreira nunca é só um concerto mas sim um momento de reflexão e manifestação, e este não foi excepção. Do calor da sala da Casa do Alentejo subimos ao Tivoli para receber o calor dos Bateu Matou que rapidamente ignoraram os lugares sentados e fizeram a maior festa possível no palco do histórico teatro. Héber Marques, dos HMB, Blaya e Scúru Fitchádu foram alguns dos convidados especiais que o trio levou ao palco e que ajudaram a que o concerto fosse por muitos considerado um dos mais especiais de todo o festival.
Mais abaixo, na Rua das Portas de Santo Antão, era Benny Sings quem coordenava a festa no palco do Coliseu dos Recreios. Com uma r&b arrojada e uma excelente banda a acompanhá-lo, ninguém conseguiu resistir a bater o pé e acompanhar o músico holandês. Mesmo ali ao lado, na garagem da EPAL, era a voz de veludo e as doces melodias de Catarina Falcão, aka Monday, que enchiam as medidas ao tímido público presente. E enquanto os dinamarqueses Iceage debitavam rock and roll sem perdão no palco do Coliseu, na mesma garagem transformada em sala de concertos, Jónatas Pires e a sua banda também apresentavam rock and roll mas com sotaque português.
A fechar a noite, rumámos de novo ao caos da estação do Rossio para ver uma das mais promissoras bandas do Reino Unido. A dupla de raparigas da Isle of Wight só tem duas músicas disponíveis, mas tanto ‘Chaise Longue’ como ‘Wet Dream’ são excelentes canções e todas as outras que apresentam ao vivo tendem a seguir o mesmo caminho. O público mostrou gostar de tudo o que ouviu, e a surpresa com que Rhian e Hester receberam a satisfação nacional não deixou de ser comovente. Vão regressar, e quando o fizerem, já serão enormes.
Apesar das máscaras (pouco cumpridas) e de alguma falta de hábito a isto de voltarmos a estar todos fechados numa sala colados uns aos outros a cantar a mesma melodia, o regresso do Super Bock em Stock – ainda que de cartaz e espírito algo apagado – não deixou de valer a pena. Numa fase em que se volta a falar em restrições e apertos, dois dias a brincar a 2019 não souberam nada mal.