Rosalía brilha mas não ofusca (e ainda bem) – o segundo dia de Primavera Sound Porto 2023

Rosalía brilha mas não ofusca (e ainda bem) - o segundo dia de Primavera Sound Porto 2023

Agora sim, Primavera em força. Maggie Rogers e Rosalía ganharam uma noite que voltou a ter muita chuva. Estreia auspícia de Fred Again… e todos os arco-íris para Arlo Parks.

À hora prevista para a abertura de portas chovia torrencialmente no Parque da Cidade. Na fila que já se formava ao longo da rua reinava a incerteza sobre a realização do festival ou eventualmente adiamento do início dos concertos. Mas claro que vinte minutos depois os céus abriram e a chuva deu tréguas, permitindo a abertura do recinto e o arranque do segundo dia de festival. Bem esperávamos que hoje fosse melhor.

Ainda se passavam panos pelas bancas de publicidade e se varria o excesso de água no chão das tendas de cerveja quando os portugueses Fumo Ninja e Quadra subiram aos palcos Porto e Vodafone respectivamente. Já quem estreou o novo palco Plenitude foram os norte-americanos Surf Curse, enquanto os neozelandeses The Beths abriam as hostes no palco Super Bock. Agora sim, Primavera em pleno funcionamento.

Já depois das guitarradas de Shellac e The Murder Capital terem entretido o tímido público que lentamente foi perdendo o medo e entrando festival adentro, Arlo Parks subiu ao palco principal do festival perante uma plateia já considerável. A apresentar o recentíssimo “My Soft Machine”, a jovem londrina passeou a sua pop leve e doce palco fora por entre convincentes sorrisos. Foram os temas do disco de estreia, no entanto, que mais puxaram pelo público, com coros em ‘Hurt’, ‘Black Dog’, ‘Too Good’ e ‘Eugene’ a embelezarem um concerto abençoado ainda pela chuva e por um arco-íris.

Chuva? Sim, a protagonista da noite anterior voltou a dar um ar de sua graça e a tornar a lama quase seca novamente em esgorregadiça. Mas não fez mal, porque no anfiteatro natural do Parque da Cidade, Maggie Rogers estava prestes a dar um dos concertos da noite. À boleia de “Surrender”, lançado em 2022, a norte-americana que junta influências country a rock and roll puro e duro com melodias viciantes e uma poderosa voz estreou-se de forma triunfante em Portugal. As fortíssimas ‘Overdrive’ e ‘Want Want’ abriram caminho e a plateia cada vez maior que se formava na colina do palco Vodafone rapidamente se rendeu. Tanto que, quando a chuva voltou a cair em força, ninguém arredou pé. Se temas como ‘Be Cool’ e ‘Love You For a Long Time’ mostraram o lado may groovy de Maggie, o trio final de ‘Anywhere With You’, ‘Light On’ e ‘That’s Where I Am’ ofereceu um final triunfante e a certeza de que este terá sido uma das actuações mais marcantes de todo o Primavera Sound Porto 2023.

Ainda debaixo de muita chuva e já ali ao lado no palco Super Bock, os Japanese Breakfast atraíram todas as atenções e os devotos da frente acompanharam a carismática Michelle Zauner em cada palavra. Com o bem-sucedido “Jubilee”, de 2021, como pretexto principal da visita, ‘Paprika’, ‘Be Sweet’, ‘Savage Good Boy’ ou ‘Posing In Bondage’ foram recebidas com entusiasmo.

Com a meteorologia a não dar tréguas, o povo dispersava agora entre a procura de abrigo por entre árvores ou tendas de restauração, a electrónica de Fred Again… e o noise rock de Gilla Band. Mas com o avançar da hora abria portas também o palco BITS, único do festival que se situa entre paredes e, mais importante nesta hora, debaixo de um tecto. É GIZZA quem está a oferecer ritmos dançantes mas é na zona junto à entrada e casas-de-banho que o acampamento se forma. São dezenas e dezenas de pessoas sentadas no chão, usando a estrutura decorativa como estendal para as suas roupas encharcadas. Em dia com previsão de percipitação forte ainda não é claro porque não foram autorizados guarda-chuvas no recinto. Os pequenos passavam na revista, os maiores eram recambiados para o bengaleiro (4€ por item), sem que qualquer informação relativa à sua autorização ou proíbição constasse na lista de objectos permitidos ou proíbidos para entrar no recinto. É também aqui que ouvimos relatos de como na noite anterior, perante o dilúvio sentido, os seguranças e a organização demoraram a autorizar a entrada naquele espaço, uma vez que o palco BITS, como referimos, só entraria em funcionamento no dia seguinte. O maior espaço de abrigo do recinto esteve então fechado enquanto a depressão Óscar causava rios e lagos pelo recinto, e só após muita pressão popular, contam-nos, é que deixaram as pessoas entrar. Difícil de entender.

Quem se juntava na frente do palco Vodafone, no entanto, não queria saber das condições meteorológicas. O produtor britânico Fred Again… estreava-se em solo nacional e foram muitos os que o quiseram ir receber da melhor forma. Com projecções nos écrãs dos convidados a cantar os temas e até com mensagens para o público escritas em inglês e português, Fred não se limita a passar música. Vai criando as camadas sonoras em palco, à nossa frente, e – ao contrário de muitos DJs – passa mais tempo a carregar em botões do que atrás do computador. Os seus crescendos viciantes e melodias inventivas levaram o público presente ao êxtase e queremos acreditar que Fred Again… voltará uma e outra vez a palcos nacionais.

“Quando a chuva passar / Quando o tempo abrir / Abra a janela e veja / Eu sou o sol”

Era o que Rosalía poderia ter cantado ao entrar em cena no palco Porto, já depois da meia-noite e meia. É que a chuva passou mesmo, o tempo abriu e ali estava ela, rainha da noite. Mas claro que a Motomami-mor não cita Ivete Sangalo, afinal todo este espectáculo está pensado ao mais ínfimo pormenor e é também isso que o torna tão marcante. Também, porque a estrela principal continua a ser a voz da jovem de Barcelona que mistura cada vez mais o flamenco com outros géneros: mais pop aqui, mais reggaeton ali, mais electrónica acolá. Tal como na sua primeira passagem em Portugal, neste mesmo festival em 2019, é a voz poderosamente delicada de Rosalía que continua o centro de tudo. Mas agora há cenografia cuidada, muitos mais momentos só de dança e um uso excepcional dos ecrãs disponíveis. Tudo coreografado ao milisegundo, ventoinha na frente e público em uníssono – Rosalía já é estrela pop como as maiores.

Enquanto a maioria do público ia direito à saída do recinto, depois de Rosalía se ter despedido, Mora começou mais uma festa latina no palco Vodafone e os Jockstrap trouxeram o seu electropop britânico ao palco Plenitude (só depois de entrarem em cena ao som do tema da série Succession e terem causado algum choque emocional a alguns dos presentes). O segundo dia de Primavera Sound Porto 2023 saía assim de cena mais esperançoso do na noite anterior. A festa continuará amanhã – e espera-se seca!

Nota: Rosalía não se deixou fotografar pela imprensa.

Teresa Colaço  

Tem pouco mais de metro e meio e especial queda para a nova música portuguesa. Não gostava de cogumelos mas agora até os tolera. Continua sem gostar de feijão verde.


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