Kendrick & muita Lama – o primeiro dia de Primavera Sound Porto 2023

Kendrick & muita Lama - o primeiro dia de Primavera Sound Porto 2023

No arranque da edição de aniversário do festival, a música teve de lutar por protagonismo quando a chuva começou a cair. Muita lama e alguma confusão, com The Comet Is Coming e Kendrick Lamar a tentar justificar a monumental molha.

Ainda a chuva não tinha começado a cair no Parque da Cidade e já a organização estava aos papéis com a fila que se formou avenida fora para entrar no recinto. Eram 17h, hora marcada para a abertura do certame, e os portões continuavam cerrados. A fila só crescia em tamanho, confusão e contestação. Uns vinte minutos mais tarde lá começaram a entrar os primeiros festivaleiros no Primavera Sound Porto 2023, apesar de alguma confusão ainda reinar na zona das entradas.

Não foi um início muito auspicioso mas esperava-se que com a música os ânimos se alegrassem. Aliás, a chuva que ameaçou todo o dia ainda não caía e havia que aproveitar o pouco sol que espreitava por entre as nuvens o máximo possível. Foi o que fizeram Beatriz Pessoa e Georgia, que abriram o palco principal (este ano renomeado Porto) e secundário (este ano renomeado Vodafone) respectivamente. O “Prazer Prazer” de Beatriz é notável em palco: a alegria que tem em cantar é contagiante. Acompanhada por uma bela banda e cheia de vontade de fazer cantar, Beatriz Pessoa cumpriu muito bem o papel de abertura de festas. Já a britânica Georgia não precisou de mais ninguém para fazer a festa no palco: rodeada por uma parafernália de instrumentos e máquinas, a londrina debitou o seu pop eléctrico para uma plateia muito bem composta.

É que neste primeiro dia de Primavera Sound o ambiente ainda é muito de aquecimento. Afinal, hoje só dois dos palcos estão em funcionamento e a programação é reduzida e alternada, ou seja, só há um artistas em palco de cada vez e a multidão só tem um local para convergir. A colina que dá casa ao ex-palco principal continua um sítio incrível para ver concertos e as nesga de sol que caiu sobre a relva do Parque da Cidade durante esta hora parece concordar com a opinião geral que se ouve pelo recinto: este continua a ser o melhor palco do festival, por muito que o queiram despromover em prol de mais bilhetes vendidos.

Quando a veterana Alison Goldfrapp subiu ao palco Porto já perto da hora de jantar o povo que se reunia era cada vez maior. A voz dos Goldfrapp estreou-se a solo e trouxe o seu disco pop bem afinado para tentar alegrar um dia que agora se tornava cada vez mais cinzento. Volume bem alto e ritmos que obrigam a bater o pé, pelos vistos, são uma boa receita para afugentar a chuva que ameaça.

De volta à colina e mantendo o tema feminino e britânico, Holly Humberstone tinha as atenções de uma encosta cheia de gente para impressionar. A jovem cantautora tem voz doce mas nota-se que em palco já tem muita rodagem, e entrega as suas histórias tornadas canções como se já todos as conhecessemos. E quando ouvimos ‘Vanilla’ já não voltamos a esquecê-la, com certeza.

Já de noite cerrada chegamos à zona do palco principal para presenciarmos a primeira verdadeira enchente desta edição. Esperava-se e ansiava-se por Baby Keem, o baby cousin de Kendrick Lamar estava claramente no papel de aperitivo antes do palco principal e, nesse aspecto, não desapontou. Os cânticos do público apontavam para aquilo que ficou claro assim que Keem apareceu em palco: vem aí êxtase. Até porque o jovem veio debitar rimas mais do que oferecer a sua voz aos refrães R&B que conhecemos do seu trabalho discográfico. Pouco falador, garantiu amar todos os que compareceram no seu concerto e afirmou que o Porto é uma “beautiful ass city”. Obrigada?

Foi nesta altura que a chuva deixou de ser ameaça para passar a dilúvio total. Quando começou não voltou a parar, criou novos rios e lagos no parque e tornou a noite bem mais complicada. Na colina do palco Vodafone a angústia da molha que todos apanhávamos foi atenuada pelo concerto soberbo dos incríveis The Comet Is Coming. O trio de bateria, teclas e saxofone não precisa de voz para animar uma plateia extensa, basta-lhe o seu jazz reinventado ou rock adaptado ou o que lhe queiram chamar. Não é preciso etiqueta para estes cometas, a música fala por si só.

Ensopados até ao tutano, os resistentes procuraram as poucas zonas perto do palco principal que não estavam alagadas para verem o grande cabeça de cartaz da noite. Esta nova zona do recinto tem alguma relva que rapidamente se tornou pouco mais que lama, enquanto a zona coberta de cimento deu lugar a grandes poças e pequenos rios. Navegar esta paisagem foi uma missão quase impossível com o decorrer da noite e a teimosia da chuva. Ainda que debaixo do dilúvio, uns minutos depois da hora marcada lá surgiu Kendrick Lamar. Sozinho em palco não precisou de dedicar muitas palavras ao público para ser recebido com absoluta adoração. Talvez o ícone maior do hip hop hoje em dia, Kendrick percorreu temas dos seus quatro discos e todos eles foram entoados pelo público devoto. Não foi explosivo ou surpreendente, mas também não desiludiu. Foi Kendrick, cumpriu, era só isso que lhe era exigido pelos mais fiéis. Esteve quase sempre sozinho em palco (o primo, claro, chegou perto do fim para partilhar ‘Family Ties’) e ajudado apenas por fumo e pequenos foguetes em palco, mas o impacto dos instrumentais foi ainda assim estranhamente abafado – será que a proximidade desde novo palco aos prédios residenciais obriga a uma redução de volume nos concertos mais tardios?

Ao final do primeiro dia da edição de aniversário do Primavera Sound Porto 2023 ficam muitas dúvidas do que se terá ou não aprendido desde a primeira edição em 2012 (marcada por fortes chuvas que chegaram a obrigada a cancelamentos de concertos). Pelo aumento do espaço e preço, esperava-se talvez uma melhor preparação para receber Óscar, a depressão que ameaça estragar a festa. Talvez a mudança radical de patrocinadores e apoios tenha tido algum impacto, mas a verdade é que, por muito que a música seja impecável, há muito a ficar aquém no Parque da Cidade. Amanhã será melhor, esperamos.

Nota: Baby Keem e Kendrick Lamar não se deixaram fotografar pela imprensa.

Teresa Colaço  

Tem pouco mais de metro e meio e especial queda para a nova música portuguesa. Não gostava de cogumelos mas agora até os tolera. Continua sem gostar de feijão verde.


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Mais sobre: Alison Goldfrapp, Baby Keem, Holly Humberstone, Kendrick Lamar, The Comet is Coming

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