“Os dias de cão acabaram” – O último dia do SBSR
O Super Bock Super Rock terminou e nós já estamos com saudades. De volta à cidade, o festival encontrou uma nova casa e mostrou estar muito feliz com a vista para o rio. Ao longo de três dias passaram pelo recinto no Parque das Nações 56.000 pessoas e bandas que nos proporcionaram momentos únicos e inesquecíveis.
Palco EDP
Com a área do palco EDP ainda muito vazia, a primeira atuação do dia esteve no comando dos Captain Boy, o alter-ego de Pedro Ribeiro. Através de guitarras, baixos, piano de sopro, pandeireta e bateria, as suas sonoridades transportam-nos para um ambiente intimista como se estivéssemos a bordo de um barco imaginário capitaneado por ele. Teve o lançamento do seu EP de estreia em Maio e veio mostrar a sua guitarra e timbre rouco, visivelmente cansado, mas de uma entrega que só um comandante de uma embarcação sabe ter. O público gostou e a banda mostrou-se pronta a zarpar por esses mares fora.
Na véspera de apresentarem o seu novo EP, os Modernos foram a primeira banda portuguesa a ser anunciada para o vigésimo aniversário do Super Bock Super Rock. Conhecidos também por serem parte integrante dos Capitão Fausto, Tomás Wallenstein (guitarra e voz), Manuel Palha (baixo) e Salvador Seabra (bateria), constituem igualmente este projeto que ganhou corpo no decorrer de 2014 através do EP #1 com 4 temas cheios de rock puro e duro. Os modernos são pouco modernos e por vezes as músicas tornam-se cansativas. Em trio rebentam com um som cru, muito visceral e desafetado que ao vivo parecia incendiar o Palco EDP. A qualidade sonora também deixou um tanto a desejar e melhorias no som do palco EDP precisam-se. Com modernidade.
Márcia deu cartas ontem à tarde no palco EDP para uma pequena multidão espalhada e sentada no recinto. Márcia é um dos mais vibrantes, seguros e elogiados nomes da música portuguesa dos nossos dias. Depois de Dá (2010) e de Casulo (2013), a autora e intérprete está de volta com um extraordinário conjunto de onze canções chamado Quarto Crescente. O registo é de uma beleza infalível, imenso de palavras que se arrumam em melodias pensadas e tratadas ao pormenor, variado de ritmos. O single «A Insatisfação» foi seguramente um dos pontos altos do concerto de ontem, mas não foi tudo. Depois de ter cantado «Cabra Cega», perguntou ao público se estaria pronto para o que aí viria, e sobe ao palco o grande e ilustre Samuel Úria para acompanhar Márcia na canção «Menina». Também tivemos direito a uma estreia cantada ao vivo – «A urgência», mas a grande surpresa da tarde foi quando o artista Criolo sobe ao palco para cantar «Linha de Ferro». O público aplaudiu tanto que os dois terminaram mesmo este momento abraços e felizes. Apesar do novo álbum estar mais crescido e maduro, são os temas «Pra Quem Quer» e a «Pele que há em mim» que mais puxam pelo público, bastante conhecedor das suas letras. Como disse a Márcia, «mais bonito que vocês só o Tejo». Ela também o é, e muito.
Os Palma Violets são hoje, a par de nomes como os Arctic Monkeys, uma das bandas inglesas de rock independente mais aclamadas. Com um disco apenas, 180 (2013), os Palma Violets conquistaram o mundo e o palco EDP com as suas canções diretas, de eletricidade aguçada, mas com traços pop que lhes garantem um carácter melódico invulgar. A banda de Sam Fryer (voz/guitarra), Chilli Jesson (voz/baixo), Pete Mayhew (teclas) e Will Doyle (bateria) trouxeram já na bagagem o novíssimo Danger in the Club para um concerto vibrante e cheio de velocidade dançável.
A música psicadélica tem, nos últimos anos, conquistado vida nova e robusta, e bandas como os Unknown Mortal Orchestra devem, por merecimento, receber os créditos por esta ressurreição. O coletivo veio de Portland e é liderado por Ruban Nielson (composições, voz e guitarra), contando ainda com o baixo de Jake Portrait e a bateria de Riley Geare. Depois de dois discos retumbantes de elogios, estão de volta com Multi-Love, em que a explosão das cores e a velocidade dos teclados eleva em ritmo e energia o som dos UMO.
Para terminar a noite no palco EDP, uma das bandas do momento que soa fresca, intemporal e feliz. A Banda do Mar nasce do amor e da amizade de 3 reconhecidos músicos: Marcelo Camello, Mallu Magalhães e Fred Ferreira. O casal, brasileiro, tem carreira a solo admirada por milhões: Mallu é génio precoce e fenómeno indie, Marcelo tem ainda passado sabido e amado pela história com os Los Hermanos. Fred, nascido no lado de cá do Atlântico, é um talentoso percussionista, tendo, entre outras colaborações, feito parte dos Buraka Som Sistema e Orelha Negra. O trio lançou no ano passado o disco de estreia homónimo, trabalho que embora tenha resultado fluído e produto de uma grande cumplicidade, a música pop–rock com MPB dentro da Banda do Mar desfilou com estrondo num concerto com casa cheia. Ontem à noite, as milhares de pessoas que se juntaram, cantaram e vibraram com as músicas deste trio maravilha, ergueram os seus leds da EDP e cantaram em alto e bom som o mítico tema «Anna Julia», dos Los Hermanos.
Palco Antena 3
Os Thunder & Co são uma banda de música de dança a atirar para o emocional cujo som é caracterizado pelas batidas balançantes envoltas em acordes tristonhos e ambientes tensos. Pelo menos é o que tem saído da fábrica de trovões em Lisboa, propriedade de Rodrigo Gomes e Sebastião Teixeira, oferecendo-nos um concerto próximo do universo electro–indie muito dançável. Estes dois amigos casam os gostos, discutem, negoceiam e, juntamente com o seu fiel produtor, Duarte Ornelas, chegam ao som dos Thunder & Co. A banda estreou-se em Março de 2014 com um EP homónimo e com o single «O.N.O.» e Nociceptor é o nome do álbum de estreia deste grupo “disco-lamechas” cujo single é a música «Apples». Para ajudar a contextualizar a sonoridade deste longa duração, é preciso dar atenção ao nome do mesmo. Os nociceptores são os recetores sensoriais do corpo que nos dão a perceção da dor. Estas canções são doridas e carregadas de insegurança. Thunder & Co serviu para dançar até abrir o apetite para jantar.
«É, difícil negar-te. Quando me convidas… Frente a frente, Bate que bate…» Como prato principal, nada como assistir a uma das bandas que mais nos faz dançar até não poder mais. O que começou com e como Alex D’Alva Teixeira e viu nascer o E.P. «Não é um projeto» produzido por Ben Monteiro, tornou-se em algo maior. A colaboração dos dois artistas que inicialmente daria fruto a um longa duração em nome próprio, tornou-se um reflexo da relação que partilham e rapidamente isso se fez sentir não só na produção mas na escrita das canções que agora compõem #batequebate e sentiram necessidade de as albergar sob o nome coletivo D’ΛLVΛ. Juntos deram o primeiro sinal sonoro com o tema «Homologação», ponto de partida para uma viagem electro-pop que resultou no LP de originais #batequebate. A década que os separa quanto à idade é atravessada pelo fio condutor do gosto inquestionável por música Pop, e no seu extremo o Punk Rock e Hardcore e tudo pelo meio. Muito Michael Jackson, um tanto de Prince e Spice Girls, q.b. de Madonna e Glória Estefan, formam a base das referências Pop do duo na composição, neste disco que por muito cliché que soe é de facto uma viagem desde os anos 80, pelos 90 até aos dias de hoje. #batequebate vive da mescla de referências, de ritmos, de texturas, de samples, de géneros e acima de tudo de culturas, entre si Alex D’Alva Teixeira nascido em Angola e Ben Monteiro em Portugal, tendo em comum o universo multicultural da grande Lisboa. Seria de facto impossível esperar outro resultado! A Pop que os D’ΛLVΛ oferecem e mostram em concerto pode ser apelidada de “fresca”, apesar de ambos não terem inventado nada de novo, apenas trabalhado com a seriedade que as canções merecem, e divertindo-se bastante durante o processo, para chegar a um resultado totalmente descomprometido mas honesto, e no mínimo eclético, esperando que as suas canções sejam ouvidas pelo que são, e não sob qualquer tipo de filtro ou preconceito, pois foi assim que foram criadas: “livres leves e soltas”. E foi assim que atuaram ontem no palco Antena 3 para um público que gosta de cantar e dançar ao sabor do Verão.
E para sobremesa, esperámos impacientemente por «Better Not Stop, Better Not Stop, Moving Better Not Stop». O portuense André Tentugal é um homem de muitos ofícios. Apaixonado pelo cinema e pela componente visual que a música pode ter, é autor dos vídeos das suas canções e de muitos outros de artistas conhecidos, como os Salto e Capicua. Com os We Trust explodiu o tema «Time (Better Not Stop)», seguido do disco de estreia These New Countries. Volta aos originais 4 anos depois e a pop, que é a sua marca, permanece irresistível. O disco novo chama-se Everyday Heroes e ecoou ontem à noite no Palco Antena 3, bastante composto por um público ansioso para cantar «Better Not Stop».
Palco Super Bock Super Rock
FRANZ FERDINAND & SPARKS uniram forças e subiram ao palco principal ontem à noite. Juntos, num concerto imperdível: a união destas duas bandas emblemáticas quase lotaram o Meo Arena. A notícia caiu que nem uma bomba dado o cariz inusitado da mesma, ainda assim não saberíamos se iria ser tão bom como são os Franz Ferninand e os Sparks em separado. As colaborações entre bandas não costumam resultar e acabam por servir apenas para justificar os bilhetes para digressões em momentos menos criativos. Mas foi, foi maravilhoso! Os escoceses Franz Ferdinand espantam o universo indie–rock desde 2004, adquirindo um estatuto que os eleva ao reconhecimento global. Com quatro discos lançados, fazem belíssimas canções ritmadas onde os riffs de guitarras se assumem como protagonistas. Temas como «Take me Out», «Do You Wanna» ou «No You Girls» são referências do panorama rock do últimos anos sendo cantadas a bom som quando tocadas. Os irmãos Sparks, que moram no lado de lá do oceano, são uma espécie de ícones que atravessaram o tempo imaculadamente, reinventando-se a cada década, oferecendo discos que tanto habitam o universo psicadélico, a new wave ou a pop. Ron e Russell Mael são peculiares na estética, provocando e marcando a diferença há muitos anos. Ao que parece, e de acordo com os relatos conhecidos, as vozes de Alex Kapranos e Russel Mael casam-se bem, mesmo que abrangendo timbres e jeitos distintos. O som, imagina-se combinando a pop com rock dançável dos Franz Ferdinand e as aventuras sintetizadas e muitas vezes operáticas dos Sparks. Há força, há pujança, há determinação em todos os temas, e tudo nesta união é pensado ao pormenor, desde as roupas, às danças, as performances, até à interação com o público – Ron Mael, com o seu enigmático bigode, toca piano muito quieto e estático, corre de um lado para o outro no palco e regressa ao seu lugar depois de ajeitar na perfeição a gravata. Like a boss! Bob Hardy, mais roqueiro, corre e percorre o público com o seu baixo, causando grande furor junto dos fãs. Num concerto único e mágico, tivemos direito aos grandes sucessos dos Franz Ferdinand «Michael», «Take Me Out» e «Walk Away» as fabulosas canções dos Sparks «This Town Ain’t Big Enough For The Both of Us» e «When Will I Get To Sing “My Way».
Para terminar a noite no palco principal, o realizar de um sonho meu. A banda de Florence Welch é um nome já conhecido por milhares e milhares de fãs em Portugal (e arredores), e promete uma familiaridade imediata com os presentes, amigos e conhecidos. Florence and the Machine são para mim aquela relação que terminou mesmo antes de começar, depois de terem cancelado o concerto em 2012 no NOS Alive. Mas quem ama acredita e espera sem desesperar, por isso digo que ontem realizei um sonho há muito desejado. Como fundo de palco, um enorme ecrã cintilava milhares de quadradinhos a imitar um céu estrelado. Florence surge vestida de branco esvoaçante e descalça como um anjo caído na noite apareceu e «What The Water Gave», « Check It Out» e «Let Me Down» foram o arranque acertado para um dos melhores concertos da minha vida, deixando-me automaticamente afónica de tanto gritar e até mesmo lacrimejar. A cada canção, uma explosão de sentimentos e emoção. As músicas dos Florence and the Machine são poderosas, vivas de cor e multifacetadas – remexendo em géneros como o soul, o rock e o pop eletrónico dançável. A sintonia é perfeita: dos cabelos fogosos de Florence que se afinam com os tons encarnados dos 20 anos do Super Bock Super Rock, à voz calorosa e irradiante que abençoou a nova casa do Festival. Sumptuosa de registo, a voz e o jeito interpretativo de Florence Welch são os protagonistas de todas as canções dos LPs até agora editados: Lungs (2009), Ceremonials (2011) e How Big, How Blue, How Beautiful , lançado este ano. Os Florence and the Machine são imbatíveis ao vivo, servindo de mote para a celebração de 20 anos do primeiro festival de Verão nacional. E Florence também o celebrou. Ao longo de todo o concerto correu descalça de um lado para o outro do palco, desceu até ao público três vezes provocando o choro dos fãs, os toques nervosos à diva, as coroas de flores que a própria entregou a quem lhe tocava. Depois, agarrou na bandeira portuguesa e levou-a para o palco. Florence tem uma beleza sem igual, parece uma boneca de caixa de música, um anjo com toques teatrais, quebra o corpo ao ritmo da bateria, ensaia coreografias quase em transe, vibra com as canções como se as apresentasse ao público pela primeira vez na vida. Florence não para e mantém a voz, é muito difícil cantar (e gritar) assim, num tom muito característico que foi bem amplificado pelo coro de cinco vozes femininas. Florence tem um brilho encantador que é reforçado pelo cabelo ruivo e pelos gestos insinuantes de quem está num transe que tem mesmo de ser partilhado. «You Got The Love» e «Dog Days Are Over» serviram para terminar esta viagem entre o céu e o inferno, mesmo antes de nos ser servido um Encore no qual a artista despiu o seu manto de anjo virgem e correu apenas de sutiã e bandeira portuguesa na mão perante a sua mais fiel legião de fãs. Foi bonita, flor, foi maravilhoso!
Palco Carlsberg
Para terminar a noite do último dia do festival, a fazer companhia a Criolo, o Palco Calsberg recebeu os frenéticos e cativantes Throes + The Shine. Com eles a dança é obrigatória porque é impossível não nos rendermos ao som rock misturado com kuduro e outros universos musicais tropicais. Têm dois discos no reportório, Rockuduro e Mambos de Outro Tipo. Este grupo de afrodance não só nos obrigou a dançar sem parar, como a tirar fotografias e a primeira fila de fãs teve mesmo direito a uma garrafa de whisky.
Logo de seguida, o produtor e dono da editora Kazukuta Records, Djeff Afrozila. Nasceu para fazer dançar e, com enorme reconhecimento, fá-lo através das suas incríveis produções cheias dos sons de África e de outros que ressoam contemporaneidade. Ficou assim fechada a programação do palco Carlsberg e de três dias de concertos memoráveis.