11 Jul 2024 a 13 Jul 2024

NOS Alive 1º dia: Permanece aqui algo antagónico…

NOS Alive 1º dia: Permanece aqui algo antagónico...

O festival que colocou Oeiras na rota dos grandes da Europa está de volta! Já conta com 16 edições e 18 cartazes diferentes. Estes alinhamentos, por serem cada vez mais diversificados, acabam por misturar um público bastante heterogéneo. E isto, tem tanto de positivo como de contraproducente…

Há 2 anos começávamos este festival agradecendo às divindades musicais o fim de um hiato festivaleiro. No ano seguinte, estávamos de regresso à normalidade, e já nos pesava na alma um misto de emoções antagónicas que agora voltamos a contrastar (e até mais intensamente). De um lado, vibramos ao som de bandas como Conjunto Corona e The Smashing Pumpkins. Do outro, com Benjamin Clementine, Black Pumas e Parcels, a imersão total não foi possível, apesar do talento indiscutível destes artistas. A culpa? É essencialmente de um agente: o público. Mesmo assim, tivemos momentos auspiciosos, que merecem de igual forma ser comemorados.

Na primeira tarde do NOS Alive, assistimos logo a Unknown Mortal Orchestra, num palco Heineken semi-composto e bastante vibrante com a atuação. Ainda no dia anterior deram um concerto em nome próprio no Hard Club e todos os nossos amigos melómanos juram a pés juntos que foi divinal! Nas palavras do promotor de eventos, Gonçalo Morgado: “A gente ama uma orquestra que não é uma orquestra!“, o Alive também! Contudo, a qualidade do som aqui deixou algo a desejar, estando os restantes instrumentos constantemente sobrepostos à voz. Algo que acabou por nos cortar um bocadinho a experiência, mesmo assim não foi impeditivo de cantarmos em conjunto icónicos hits como Multi-Love, Hunnybee ou Can’t Keep Checking My Phone.

De seguida, e sob um sol escaldante, Nothing But Thieves deram início às apresentações no palco principal. Estes britânicos são perfeitos para o estilo comercial da rádio patrocinadora oficial aqui. E apesar de em streaming darem uma vibe de industry plants, a verdade é que não o são. O sucesso para as massas é resultado do talento, trabalho árduo e performances contagiantes. Porém, não lhe pudemos dedicar muito tempo porque fomos até ao WTF Clubbing experienciar um dos momentos que fez valer totalmente este dia.

Conjunto Corona: bem-vindos ao “sul”

Todo o bom nortenho sabe que de Coimbra para baixo só há mais um ponto de referência na bússola da vida (e todo o Lisboeta tem total direito a ranger o maxilar com esta afirmação). Porém, há sempre algo muito mágico, verdadeiro e cru que só as nossas gentes do norte conseguem trazer. E os Conjunto Corona não são exceção, muito pelo contrário: são mesmo a regra!

A atuar pela primeira vez no Passeio Marítimo de Algés, antes do concerto tivemos o privilégio de partilhar uma cândida conversa com os mesmos e refletimos nestes 10 anos de carreira. O quão icónicos e originais são os lançamentos físicos do seu trabalho? Aquele Lo-Fi Hipster Trip (2015) com um MP3 dentro de uma caixa de papel como se fosse um medicamento, continua a ser das ideias mais criativas e originais de lançamentos de álbuns em TODA a história da música portuguesa! Agora, as saquetas de chá na compra física de ESTILVS MISTICVS (2023) foram igualmente hilariantes. Este último álbum aborda as temáticas do misticismo e “bruxaria” que são tão inerentes ao nosso país, principalmente a Norte. Talvez quem ainda tem avós, como nós, que se põem a tirar “o mal de inveja” com uma reza e um punhado se sal, perceba melhor o que aqui afirmamos…

Notando-se uma já típica maturação de assuntos de older millennials, conquistam agora, também um público Gen Z, e ainda lhes ensinam sobre caricatas personagens da tugalândia como a Pomba Gira e o Bruxo de Fafe 😂 Mas engana-se quem pensa que esta banda não passa de refrões cómicos do trivial português e beats com uma costela em Cypress Hill ou A Tribe Called Quest. Ao longo desta década sempre foi notório nas letras de LOGOS uma inteligência emocional e capacidade de observação do singelo quotidiano, que vai muito além fazer uma simples piada musical. Este, é claramente uma pessoa que lê imenso e possui um cérebro que deve ser um turbilhão de anotações neuro-divergentes! E claro, a nível de beats com David Bruno, há uma panóplia de influências que vai desde o east ao west coast rap, e em qualquer álbum passam pelo rapcore. Não obstante, o horrorcore é muito mais notório neste último disco do que antes. Não é só a temática do ocultismo que aqui ganha destaque, mas a própria morte.

O que não morre é a sua energia inesgotável em palco. Sempre acompanhados do mítico Homem do Robe, que continua um fiel servo de hidromel ao público. Fizeram as delícias de um WTF Clubbing praticamente cheio e entusiástico de início ao fim. Percorreram temas de toda a carreira, e obviamente, exaltações a Isaltino Morais e Gondomar não falharam, como sempre. Se bem que neste recinto tão a “sul”, é caricaturesco ver toda uma plateia gritar de forma fervorosa “GONDOMAR! GONDOMAR!”. Influências à parte, têm sem dúvida algo que os torna únicos e super especiais, pelo menos no panorama musical português. E na próxima segunda-feira terão mais novidades, que para já estão guardadas nos segredos dos deuses…fiquem atentos!

Um pedido de desculpas a Benjamin Clementine

Dear Benjamin, we’re deeply sorry for the NOS Alive audience! Este homem que nutre um carinho tão especial pelo nosso país (até já chegou a atuar cá 14 vezes num ano) NÃO MERECIA o fraco público a que teve direito no palco NOS. É, indiscutivelmente, uma das figuras da música contemporânea e literatura musical, mais importantes do século XXI. Já nos encontramos variadas vezes e o amor que lhe temos é algo divinal. Até costumamos dizer: “Deus no céu, Benjamin Clementine na terra!”.

A qualidade do seu som passou de forma exímia naquele palco. O que não foi nada ilustre, foi ver e ouvir uma plateia a 1/4 da sua lotação, e metade deste ‘quarto’ em conversas paralelas durante quase toda a atuação. O mais ridículo deste apontamento, é termos estado “à civil” em setembro no Sagres Campo Pequeno, onde em nome próprio praticamente esgotou o espaço. E o que mais trazemos na memória desse dia, é toda uma plateia ultra-mega atenta à sua perfomance. Tanto, que nem telemóveis tiraram do bolso… Aqui, no NOS Alive vimos tudo menos um público atento e respeitador do espaço que frequenta. Nem adianta culpar a heterogeneidade do cartaz, até porque as conversas de café em plenas atuações, já não estão só confinadas aos Alives e Rock in Rios deste país. É mesmo falta de educação social e cultural. Mesmo assim, Benjamin nunca se deu por vencido e puxou ao máximo pelas poucas almas atentas, conseguindo uma cantoria mais uníssona em Condolence, que já lhe é super típico obter.

A Black Pumas e Parcels também pedimos perdão

Se o ano passado fizemos uma façanha que até hoje nos corrói a alma e optamos por abandonar Men I Trust, ontem voltamos a repetir a mesma (sendo desolador ter de reconhecer isto). A verdade, é que o palco Heineken nem sempre consegue suportar a enchente que o assola a certas horas e/ou com certos artistas. E para quem anda nesta vida de piscinas entre palcos, é de todo impossível reservar lugar dentro do mesmo antes das atuações começarem. Tornou-se, portanto, tarefa árdua e impossível furar a multidão tenda adentro. Multidão essa, que parecia estar genuinamente a vibrar tanto com o poderio soul, gospel, e R&B de Black Pumas, como a repetente passagem dos tão aclamados Parcels por Oeiras. É certo afirmar que quem consegiu estar dentro do forno musical do Heineken tive uma experiência bem mais aprazível que a nossa. Porque tal como em Benjamin Clementine no NOS, quem decidiu colar-se a todas as entradas deste palco secundário, também estava mais interessado em berrar as novidades da sua vida aos amigos, do que efetivamente prestar atenção a pessoas a trabalhar em cima de um estrado. Este tipo de atitude é desconcertante, e não é porque se tem tornado regra que não pode ser educada e combatida. Recomendamos a leitura do nosso meio parceiro a todos os que queiram entender mais o cerne desta questão.

The Smashing Pumpkins triunfais e Arcade Fire a justificar o seu slot de headliners

Por último, voltamos as atenções novamente para o palco principal. Antes da sofrência em Parcels, aprazeu-nos, sem dúvida, reecontrar The Smashing Pumpkins. O seu frontman, é dos poucos artistas onde a nossa hipocrisia nos permite separar a arte do artista, (in)felizmente. Já sabemos que Billy Corgan não é uma personalidade fácil. Mas é impossível para qualquer apreciador de rock que se preze, não conseguir reconhecer a mestria de um repertório que conta com mais de 30 anos. O que nos ostenta com James Ihan e companhia, é uma invejável carreira, e nada mais nada menos, do que alguns dos melhores álbuns da história. Exemplos como Siamese Dream (1993) e Mellon Collie and the Infinite Sadness (1995) ficarão para sempre bem cotados na crítica, e no ínfimo da nossa alma. Contudo, não se ficam apenas pelo saudosismo do passado e continuam até aos dias de hoje a dar-nos música, como Spellbinding do último disco ATUM: A Rock Opera in Three Acts (2023), que em gravação nem dávamos dois tostões pela mesma, já ao vivo tem uma magnitude e alcance muito maior.

O medo de voltarmos a ter a nossa experiência catártica condicionada por falatórios alheios foi tal, que desta vez ficámo-nos pela frontline lateral esquerda, para nos termos a certeza que ao nosso redor iríamos encontrar verdadeiros fãs. E assim foi! Dando nota máxima a quem nos rodeou e à própria atuação e qualidade técnica de som. 10/10 FINALMENTE!

Outros que pareceram levar cotação máxima pelos seus fãs, foram os cabeças de cartaz Arcade Fire, que também não são estranhos a estas margens do rio Tejo. Os canadianos que começaram carreira no indie rock e abrangem agora os mais variados géneros, deixaram uma vez mais, toda a massa humana que claramente veio cá só para os ver, encantada! Vasco Palmeirim da Rádio Comercial, chegou mesmo a comentar que terá entrado para o top 3 das melhores atuações de sempre deste festival. E certamente para quem não se importa de ouvir música feita às vezes por mais de uma dezena de pessoas, mas que consegue soar como se fossem 4 apenas a tocar, certamente concordará.

Nota: The Smashing Pumpkins não permitiram captação de imagens.

Ainda temos mais dois dias de edição para te contar! Vê a programação completa aqui: https://musicfest.pt/festival-edicao/nos-alive-2024/, relembramos que podes usar o teu telemóvel para marcar com uma ⭐️ os concertos que não queres perder!

Ana Duarte  

Consultora Musical na Fonograna e fundadora da webzine CONTRABANDA. Estudou Music Business na Arda Academy e Línguas, Literaturas e Culturas na Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Tinha uns pais melómanos que a introduziram a concertos/festivais, ainda tinha ela dentes de leite. 3 décadas depois, aproveita para escrever umas coisas no ponto de vista de espetador melómano (quando a vida de consultora musical lhe permite).


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Mais sobre: Arcade Fire, Benjamin Clementine, Black Pumas, Conjunto Corona, Nothing But Thieves, Parcels, The Smashing Pumpkins, Unknown Mortal Orchestra


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