Linda Martini e Gisela João – Um copo com rock, fado e uma pedra de gelo

Linda Martini e Gisela João - Um copo com rock, fado e uma pedra de gelo

Ontem à noite, os Linda Martini subiram ao palco do Lux Frágil para uma noite que há muito havia esgotado. Além de terem convidado a fadista Gisela João, estrearam na página do Facebook o vídeo de «Febril (Tanto Mar)». A canção faz parte do último álbum Turbo Lento, lançado no ano passado, e contém um sample de «Tanto Mar» de Chico Buarque.

Os Linda Martini dispensam apresentações. São uma grande referência e um mais que incontornável ponto da história do rock português. Começaram como quinteto em 2003. Pouco mais de dez anos depois são apenas quatro, mas André Henriques, Cláudia Guerreiro, Hélio Morais e Pedro Geraldes chegam ao terceiro álbum de originais com mais garra, maturidade e conhecimento.

Turbo lento é a tão aguardada continuação e confirmação de uma carreira pautada pela qualidade. Se o álbum Olhos de Mongol (2006) foi uma estreia fantástica e Casa Cheia (2010) explorou os cantos da criatividade, uma das novidades do mais recente disco é a maior extensão das letras, dizem. Ouvir os Linda Martini é sentida uma vontade imensa de viver, saborear a garra de lutar, o sangue a ferver. A vontade de ir, o prazer de chegar. O som está mais adulto e trabalhado. Tem mais rock e é mais bonito. Os gritos de revolta soam a esperança, as guitarras desalinhadas dialogam entre si com a cumplicidade dos amantes, o baixo sublinha a intensidade da música e a bateria descarrega toda uma garra própria de quem ama o que faz.

Se na rua a chuva não dava tréguas, lá dentro o pública aguardava impacientemente e, assim que abriram o acesso ao piso inferior do Lux, encheu. De repente. Com a sala lotada, os Linda Martini subiram ao palco e abriram o concerto com «Ninguém tropeça nos dias», um instrumental crescente que nos amarra à sonoridade deliciosamente preparada e que iniciou um dos alinhamentos mais bem pensados e conseguidos. O registo cuidado e tranquilo das cordas anunciam a urgência que se aproxima enquanto a batida frenética da bateria traça a ansiedade do som que suplica e deseja explodir. O ritmo continua com o frenesim lírico de «Sapatos Bravos», uma canção que leva o público a suspirar, saltar e gritar.

O baterista Hélio Morais aproveitou a pausa para agradecer a presença dos fãs e o convite do Pedro Ramos, radiolista da Rádio radar, que organizou mais uma vez o tão mítico evento Black Balloon. «Ratos» fez o seu papel de single conhecido numa audiência febril, de absorção imediata que serve de ponte com o álbum anterior e continuou até encontrar a ebulição na canção seguinte. «Isto é para quem tem aulas amanhã», brinca a vocalista Cláudia Guerreiro voltando um pouco atrás com a música «Juventude Sónica», onde gritam todos que são putos e não têm aulas amanhã. Seguiu-se a estonteante «Febril (Tanto Mar)». A música tem agora um vídeo feito pelo Pedro Geraldes e a namorada Ana Matos, gravado num passeio pela serra que serviu de presente para a banda. É um manifesto desconcertante que o sample de «Tanto Mar» de Chico Buarque ajuda a tornar mais intenso. A canção é desconcertante, faz- nos largar a raiva e a ansiedade dos dias com a violência do instrumental e dos refrões. No palco fala-se da vida, da sociedade e da política. No público grita-se «tenho o sangue a ferver», berra-se da ressaca de movimentos e intenções. Canta-se, sente-se, vive-se. Os LindaMartiniarrastam centenas de fãs aos seus concertos e pedem dinâmica, vida e agitação. «Não sei se já repararam mas isto é um concerto de rock», explica o baterista, como quem diz que o mosh e o crowd-surfing fazem mais do que sentido nos seus concertos. E é precisamente essa energia acumulada que se liberta de seguida com as canções «Juárez», uma mistura de punk gritado que liberta o stress, «Partir para ficar» com dedicatória a José Mário Branco e ainda «Panteão» dedicada a Tó Trips.

Mas não só de rock furioso se fez a noite. O fado de Gisela João marcou presença, não fosse esta fadista do Norte uma das novas sensações da música nacional, com a sua entrega avassaladora aos sentimentos que as palavras contêm. A maravilhosa e suave canção «Volta», composição escolhida como o segundo single do álbum e que mostra uma faceta mais tranquila, serviu de entrada a Gisela João que mostrou que o seu vozeirão de fadista passa facilmente também por rockeiro. «As putas dançam slows», «Pirâmica» e «A corda do elefante sem corda» confirmaram queesta reunião dos rockeiros Linda Martini com a fadista Gisela João acaba por não ser assim tão estranha. Numa altura em que ambos assinam dois dos discos melhor recebidos do ano passado – Turbo Lento e Gisela João. Despediu-se com a surpresa da noite, fazendo-se passar por António Variações com a canção «Adeus que me vou embora».

Depois da sua saída houve ainda espaço para duas canções, «Amor combate» e «Cem metros sereia», onde os Linda Martini provaram mais uma vez porque continuam monstruosos na hora de misturar as melodias dissonantes e que Turbo Lento é mais e melhor porque entra, mexe e desarruma as ideias. Para encerrar a noite com muitos balões pretos, houve o famoso confronto entre Dj ́s – Pedro Ramos, Hélio Morais e Joaquim Albergaria. Hoje à noite o encontro repete-se. Sem balões pretos, mas com casa cheia.

Foto: José Maria Barcia

Mafalda Saraiva  

Eu sei lá resumir-me numa frase. Mas escrevo muitas no meu blog.


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1 Comentário

  1. Nuno Rebelo diz:

    Não conheço nada bem os Linda Martini. Na verdade talvez seja chegado o momento de confessar que padecerei de algum tipo de preconceito em relação a alguma da música que por cá se faz. Com muita injustiça para algumas bandas, imensa para outras e pelo que cada vez mais vou vendo (“ouvindo” será o correto). É claramente o caso dos Linda.

    Do concerto infelizmente nada posso dizer.. Podia ter ido sem poder ou não podia ir podendo… quer isto dizer, não fui, mas adiante… Não tendo ido resta ler de quem foi, quem sentiu e sobretudo de quem sabe transmitir o que por lá se sentiu e se não toda pelo menos uma grande parte da emoção fica aqui bem plasmada no artigo da Mafalda. Das palavras ecoam os sons das músicas mas também a reverberação da caixa de som do público entusiasta.

    Se o artigo aplaca alguma da pena do não ter ido, desperta e em contradição ainda mais a vontade de o ter feito.

    Estarei atento aos próximos atos dos Linda Martini.

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