Jarvis e Solange abençoam o primeiro dia de NOS Primavera Sound
Depois da depressão, o sol voltou ao Parque da Cidade para receber o primeiro dia de NOS Primavera Sound. Se Jarvis Cocker e Solange foram os vencedores da noite (dois deles com concertos abençoados, e bem, pela chuva), Men I Trust, Danny Brown e Stereolab também fizeram delícias.
A depressão Miguel ameaçou estragar a início do certame, mas à hora (atrasada) da abertura de portas o sol começou a espreitar, a chuva parou e o vento acalmou. Entra Dino D’Santiago no vale de relva do Parque da Cidade e cedo o seu Mundo Nôbu começa a dar frutos. O público não era muito, é verdade, mas a festa não deixou de se fazer ao mais alto nível, especialmente quando já no fim Dino desce ao público para dançar junto dele, em Nôs Funaná. Se este início aqueceu logo os ânimos, o que se seguiu no mesmo palco Super Bock acabou por ser uma forma de acalmar as almas. Os canadianos Men I Trust trouxeram o seu indie electro-pop descontraído e a recepção foi bem quentinha. A voz de Emma tem tanto de aveludada como de inocente, e as belas melodias à guitarra embalam todos com facilidade. Uma estreia feliz.
Perante um recinto sempre inconfundível (o aproveitamento do espaço magnífico que o Parque da Cidade oferece ao festival continua a ser muito bem feito), repleto de relva e árvores no vale que dá casa ao palco principal do NOS Primavera Sound, a hora de jantar foi acompanhada pelos já históricos Built To Spill. O indie rock clássico do velhos rapazes de Idaho foi igual a si próprio, bem entregue mas a não puxar mais do que um ligeiro bate pé na plateia. Já outro histórico estava prestes a fazer bem mais que isso no cimento do palco SEAT. Jarvis Cocker apresentou o novo projecto JARV IS perante um público que já não punha a vista em cima do esguio frontman de Sheffield há oito anos. Sempre muito comunicativo, o ex-Pulp trouxe canções novas (Children Of The Echo e Must I Evolve? as mais marcantes) e temas dos seus trabalhos a solo com uma eloquência única. Conta-nos a sua interpretação da evolução das espécies, lembra-se das caras que estavam em Paredes de Coura em 2011, distribui chocolates pelo público, pede desculpa pelo comportamento dos adeptos ingleses pelo Norte nestes dias (enquanto a Inglaterra era eliminada da Liga das Nações, em Guimarães) e faz do concerto um acontecimento que mais ninguém entenderia se não tivesse lá estado. Até que anuncia uma canção. His’n’Hers, o único tema dos Pulp a figurar na setlist do britânico. A música começa e a chuva, que parecia ter dado tréguas ao festival desde essa tarde, cai em força e sem piedade. Muitos fogem, é certo, mas são também muitos os que ficam para fazer a festa e cantar. Jarvis desce do palco em solidariedade com quem ficou à chuva e assim faz até chegar o final, depois de um discurso bonito sobre a canção que fechou. Cunts Are Still Running The World, é certo, mas com a força de espírito de ídolos como Jarvis, não será por muito mais tempo.
Do outro lado do recinto, Danny Brown recebia de volta versos gritados pela plateia e provocava mosh na frente do palco NOS. Nome cada vez maior no hip hop, o rapper americano estava algo deslocado neste primeiro dia de NOS Primavera Sound, mas não deixou de ser recebido por uma ampla e curiosa plateia. Nome já bem mais conhecido é o de Stereolab, que este ano regressaram aos palcos depois de uma década longe deles. No palco SEAT a expectativa era muita, e foram muitos os que escolheram ir bater pé ao som daquele pop que é jazzy mas também é rock, de instrumentais que contam histórias por entre sopros, guitarras e teclas. Ainda bem que voltaram, naquele momento e naquele lugar não iríamos querer dançar mais nada.
E depois chegou Solange. A mulher que nos deu um maravilhoso A Seat At The Table e conseguiu superá-lo com a magestria do novo When I Get Home. A mulher com uma voz indescritível, de uma sensibilidade musical única no R&B dos nossos dias. Muito se ansiou pelo momento em que Solange Knowles subiu ao palco, composto com uma escadaria e plataforma superior (onde, cá em baixo, se encaixava a bateria), onde vários dançarinos nos deixaram ainda mais boquiabertos do que já estávamos só com a prestação de Solange. O espectáculo é pensado ao pormenor, os posicionamentos dos músicos (além da bateria havia sopros, guitarra, baixo, teclas e um coro de duas vozes) são coreografados e a emoção de cada tema esmiuçada até ao tutano. Solange realça que quer celebrar a blackness (todos os membros da banda e dançarinos são negros), conta uma história sobre o campo de igreja a que ia em criança, de como fugiu “do espírito” (que diz ser o que nós entendermos dele) durante muitos anos e que neste último disco finalmente o enfrentou e aceitou, diz que a plateia do Porto é das mais acolhedoras e das que menos vive através do telemóvel. Desce ao público para cantar nos olhos da fila da frente e distribui sorrisos sempre que pode. A música de Solange é cuidada, pega no R&B e acrescenta a electrónica, cresce ao pop ocasionalmente sem nunca exagerar. F.U.B.U e Almeda foram destaques de um alinhamento coeso, que só tremeu mesmo no final. Quando a texana regressa para o encore, a chuva regressa também e de forma muito intensa, ensopando todos os que, mais uma vez, se recusaram a largar o lugar. É assim que Solange oferece um final alongado, meio improvisado, como agradecimento à plateia fiel que aguentou aquela breve mas demasiado intensa queda de chuva (que chegou a ser granizo). Things I Imagined e Don’t Touch My Hair foram cantadas por todos, num final arrebatador.
A noite terminou com Yaeji num animado palco BITS. Para o segundo dia de NOS Primavera Sound, sobem hoje ao Palco da Cidade James Blake, Interpol, Courtney Barnett, J Balvin e muitos outros.
N.R.: Por opção da artista não foi possível captar imagens no concerto de Solange