9 Ago 2018 a 12 Ago 2018

Furacão Selma, Slow J brilhante e um Salvador (infelizmente) abafado – o primeiro dia de Bons Sons 2018

Furacão Selma, Slow J brilhante e um Salvador (infelizmente) abafado - o primeiro dia de Bons Sons 2018

Cem Soldos voltou a abrir as suas portas à música portuguesa esta quinta-feira. A expectativa era grande para Salvador Sobral, mas foram Selma Uamusse e Slow J quem mais entusiasmo gerou no público presente.

Caneca de alumínio preparada, borrifador a jeito, um agasalho para a noite e temos tudo o que é preciso para rumar à aldeia de Cem Soldos. Ali perto de Tomar, a casa do festival Bons Sons é a estrela maior de todo o certame, e é quando entramos na aldeia que nos começamos a aperceber do quão diferente é este festival. Miúdos que brincam nos Jogos do Hélder (construções de madeira espalhadas pela aldeia durante a tarde que despertam curiosidade – e rivalidade – em qualquer festivaleiro), senhoras da aldeia sentadas à sombra, cães a passear pelas ruas e muito público a assistir aos concertos que vão acontecendo aqui e ali. O público do festival é também ele especial, muito variado quer em idades e origens (há rastas ao lado de brilhantes na cara ao lado de pais de família ao lado de sapatos à vela e camisolas do rugby – entendem o que quero dizer?), forma uma plateia tradicionalmente muito aberta a conhecer coisas novas e altamente receptiva a todos os artistas que se apresentam. No entanto, um dos concertos mais aguardados de todo o festival acabou por sair prejudicado precisamente pelo público presente.

Salvador Sobral não tem culpa de se ter tornado um fenómeno na música (e, infelizmente, na imprensa também) do nosso país, muito menos de ter despertado um tipo de seguidor que se preocupa mais em vocalizar a sua admiração pelo (incrível) artista que tem à sua frente do que em calar-se e ouvir respeitosamente a beleza da sensibilidade da sua voz, as mãos mágicas de Júlio Resende ao piano e a secção rítmica prodigiosa de André Rosinha (contra-baixo) e Bruno Pedroso (bateria). Num início de noite bem fresca na aldeia (subiu ao palco Lopes-Graça, no largo principal, às 21h45), o autor de Excuse Me tentou afincadamente vencer a camada de burburinho que foi surgindo na plateia mas só o conseguiu mesmo com Amar Pelos Dois, que não dá para filmar e conversar ao mesmo tempo. Ponto negativo para a plateia, menção de honra para um rapaz cujo trabalho merecia muito mais respeito e atenção séria do que interesse superficial e exploração em nome do like, da visualização ou do share. Bastava pousar o telemóvel, calar a amiga e ouvir a linda Presságio, a nova Mano a Mano (segunda canção mais bem recebida do concerto), aquela versão arrepiante de A Case Of You e a surpreendente animada visita a Anda Estragar-me os Planos (tema de Francisca Cortesão – de Minta & The Brook Trout – e Afonso Cabral – de You Can’t Win, Charlie Brown, interpretado por Joana Barra Vaz na edição deste ano do Festival da Canção). Salvador e a sua banda deram um belo concerto, só foi pena o público o ter estragado.

Coisa que felizmente era impossível fazer ao concerto de Selma Uamusse. O furacão moçambicano começou tímido mas rapidamente entrou em simbiose com o público do Lopes-Graça, que encheu para tirar os sapatos, dançar e deixar-se emocionar pela voz, força e mensagem da cantora. Houve crianças a mostrar dotes de dança em palco, cânticos de trabalho e invasão de palco a acompanhar aquele que acabou por ser o grande concerto da noite. A par, talvez, do concerto que Slow J ofereceu no palco Zeca Afonso. O novo espaço – que pelo que entendemos ainda divide as opiniões dos habituais do festival – fica mais perto do centro da aldeia em comparação ao seu equivalente em anos anteriores (palco Eira) mas continua a acolher alguns dos concertos mais procurados do festival. Exemplo disso foi o concerto de João Batista Coelho, mais conhecido por Slow J. Com o espaço muitíssimo bem preenchido, o autor de The Art Of Slowing Down trouxe o seu hip hop que desacelera, acompanhado impecavelmente por Fred Ferreira (bateria) e Francis Dale (teclas e guitarra), o rapper de Setúbal tanto canta como toca guitarra ou debita algumas das letras mais marcantes do hip hop nacional (quem não se arrepia com a Às Vezes que atire a primeira pedra). Com o público na mão, a acabar frases e acompanhar palavra a palavra, não deixou de mostrar a sua felicidade por ser recebido tão bem num festival de que, admitiu, nunca tinha ouvido falar.

As Vozes de Manhouce, a electrónica de Lince, o indie dos Jerónimo, a pose dos Lemon Lovers – nesta aldeia há espaço para tudo

Começou cedo, o dia na aldeia. Pelas 14h já soava a amalgama instrumental dos Palankalama na igreja onde, uma hora depois, Isabel Silvestre e o coro Vozes de Manhouce foram apresentar um leque variado de cancioneiro tradicional português. Antes, durante a manhã, houve actividades para crianças, com direito a passeios de burro de Miranda e tudo (estão num curral que todos podem – e devem – visitar, que o animal está em vias de extinção e lá pode-se apoiar financeiramente a AEPGA, associação que se dedica à protecção desta adorável espécie). Mas o povo começou a chegar em maior número já à tarde, quando no palco Giacometti (que voltou a não ser um coreto mas sim uma espécie de mini palco), a electrónica sonhadora envolta na doce voz de Lince (que já havia tocado por estas bandas, quando da presença dos saudosos We Trust em Cem Soldos) ecoou aldeia fora. O teatro de Tia Graça animou o ambiente no palco Amália (à porta da igreja) e, mais tarde, a próxima banda revelação de Leiria aqueceu os ânimos no Giacometti. Os Jerónimo, três irmãos espalhados por projectos musicais da cidade do Lis (ou, a cidade da Omnichord Records), têm bate pé e toque indie bem apurado típico de quem sabe fazer refrães que não nos saem dos ouvido tão cedo.

A estrear o novo palco Zeca Afonso estiveram os Lemon Lovers, grupo muito bem sucedido por terras europeias mas que passa estranhamente despercebido em território nacional. Há ali temas bem construídos, um indie rock cuidado com direito a pose e voz no ponto. Talvez demasiado no ponto, até (impossível não nos lembrar-mos de Alex Turner ao ouvi-la). O muito público que se juntou para os ouvir recebeu-os bem, pelo que pode estar aqui uma das primeiras surpresas desta edição do Bons Sons.

A noite fechou com um DJ Set de Xinobi no palco Aguardela. Hoje, o segundo dia de festival recebe Sara Tavares, João Afonso, Mazgani, Mirror People e muito mais.

Teresa Colaço  

Tem pouco mais de metro e meio e especial queda para a nova música portuguesa. Não gostava de cogumelos mas agora até os tolera. Continua sem gostar de feijão verde.


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Mais sobre: Isabel Silvestre, Jerónimo, Lince, Palankalama, Salvador Sobral, Selma Uamusse, Slow J, The Lemon Lovers, Vozes de Manhouce, Xinobi


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