Ben Harper no Coliseu dos Recreios: quando menos é mais

Ben Harper no Coliseu dos Recreios: quando menos é mais

Dois anos depois de se ter reunido com a sua banda de sempre, Ben Harper esteve na quinta-feira à noite no Coliseu de Lisboa mas a solo.

Ben Harper esteve nesta quinta-feira, dia 17, no Coliseu dos Recreios, em Lisboa, para um concerto lotadíssimo onde se apresentou, a solo, numa atuação completamente acústica. Homem e guitarra foram a única presença em palco, excetuando uma breve passagem pelo piano já na segunda metade do concerto.

A atuação a solo contradiz, de certa forma, a decisão de, há dois anos, se ter reunido com a banda que sempre o acompanhou e com quem não estava há sete anos: os Innocent Criminals.

O músico norte-americano, vencedor de três prémios Grammy e autor de 14 álbuns de estúdio de diferentes estilos musicais, que vão desde o blues à folk acústica, passando pelo rock, a soul, as baladas pop e até o funk e o reggae, apostou em Lisboa numa seleção muitíssimo intimista e profunda. Em palco, só o seu chapéu se conseguia ver nas filas traseiras. 100% despojado de efeitos visuais e luminosos, tudo o que se viu foi um foco de luz sobre ele que intercalava com outros focos, mais pequenos e espalhados, geralmente em tons de azul.

Muito pouco conversador, Harper manifestou, contudo, o seu apreço por estar em Portugal em cada uma das suas curtas e simples intervenções.

Com uma entrada em palco totalmente instrumental, como escolheu fazer, já em encore, foi com Lifeline, o tema que fecha o álbum com o mesmo nome, de 2007, que o músico mergulhou totalmente a plateia numa espécie de por-do-sol musical onde tudo é tranquilo, bom e faz sentido. A chamada lap side guitar (uma Weissenborn, no seu caso) tem uma sonoridade que acompanha docemente cada palavra da poesia que é esta canção. Walk Away manteve o embalo.

Ainda no mesmo instrumento, ouvimos Call It What It Is que, mais uma vez, aparece no álbum homónimo, este já mais recente, de 2016. A canção provoca um estado geral de consternação dado o recente cenário que se vive globalmente, depois de o presidente americano, Donald Trump, ter afirmado que não vai condenar as ações racistas de neonazis e simpatizantes do Ku Klux Klan, ao culpar “ambos os lados” pela violência mortal em Charlottesville, na Virginia, no passado fim de semana. Em todo o álbum, Ben Harper discorre sobre a tensão racial que se vive nos Estados Unidos. Quase premonitório, vale a pena dizer. Este foi um dos momentos mais aplaudidos no concerto. Um aplauso unânime já que, noutras alturas, enquanto uns batiam palmas, outros emitiam um igualmente sonoro “chiu!” por entenderem que não era a pausa certa para tal manifestação.

Em Masterpiece, de 2011, Harper consegue levar todo o público num único abraço; como se na sua guitarra e nas suas soberbas composições coubesse “toda a gente e mais que houvesse”. São letras de humildade de coração – a qualidade que hoje em dia tantos notamos estar a rarear e que, na voz do americano, parece tão fácil de se conseguir. A sua voz é profunda e quase podia dispensar o microfone (como acabou por fazer na despedida).

Com o concerto a mais de meio, vemo-lo passar para o piano, mais um raro e intenso momento “a dois” para Born To Love You, uma canção mais folk, de 2014, que o norte-americano chegou a interpretar em palco com a mãe. Por cá, não houve quaisquer participações especiais e o único movimento em palco era das fugazes aparições de alguém que o auxiliava a trocar de guitarras. Todas estas características que aqui se descrevem são-lhe inatas. Aos 12 anos o Harper menino já tocava e, dez anos depois, assinou o seu primeiro contrato discográfico com a Virgin Records.

When It’s Good é outra das absolutamente aviltantes. Embora quase consiga “dourar” a dor, é impossível ficar indiferente ao buraco emocional que este homem consegue lembrar em nós. Antes de nos deixar, ainda temos tempo de ouvir With My Own Two Hands, do álbum “Diamonds on the Inside”, de 2003, uma das poucas canções que lá conseguiu o consenso de ser cantada pelos fãs e deu direito a alguns braços no ar e uma chuva de aplausos.

Com luzes vermelhas a incendiar a sua silhueta, o concerto encaminha-se para a pausa pré-encore com Amen Omen.

E assim, na mesma escuridão com que chegou, também partiu, deixando apenas a certeza que não deverá deixar passar muito tempo sem dar notícias.

Daniela Azevedo  

Jornalista, curiosa sobre os media sociais, viciada em música, gosta da adrenalina do desporto motorizado. Amiga dos animais e apreciadora de dias de sol. Acha que a vida é melhor quando há discos de vinil e carros refrigerados a ar por perto.


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