Back with a bang – o primeiro dia de NOS Primavera Sound 2022
And just like that, cá estamos nós outra vez. Depois de dois anos e três edições anunciadas, finalmente chegou o regresso do NOS Primavera Sound e, com ele, a época de grandes festivais de verão. Entre o entusiasmo e nervosismos esperados, uma surpreendente revelação: será que ainda sabemos como isto se faz?
O recinto está um pouco alterado, mas o Parque da Cidade continua a ser uma casa de excelência para o festival. Mesmo o visível aumento da presença publicitária no NOS Primavera Sound é integrado por entre a vegetação e o seu efeito por vezes sufocante fica, neste caso, bem mais limitado.
Pedro Mafama foi o primeiro a subir ao palco principal do certame. Sempre coberto de uma boa dose de autotune, Mafama viaja entre a tradição e o presente numa fórmula que culmina no seu disco de estreia Por Este Rio Abaixo. O fato rosa de inspiração toureira fez-nos sonhar com um dia em que estes trajes já só sejam utilizados para estes inocentes eventos, e Mafama merece o carinho que o recebe quando revela que fez parte do público no NOS Primavera Sound e que estar hoje ali em palco era, obviamente, especial.
No cimento do palco Cupra, os DIIV abriram as hostes com Under the Sun. Prestes a celebrar dez anos desde o lançamento do seu disco de estreia Oshin, o grupo de Zachary Cole Smith ofereceu à plateia os temas Earthboy, Sometime e Doused desse mesmo disco. O público nacional dá-se bem com o rock sonhador dos nova-iorquinos e o grupo até fez questão de realçar o quão felizes já foram em Portugal.
O final da tarde chegou com algum vento e trouxe as multidões ao recinto. Se Stella Donnelly embalou e enamorou a colina verde que enfrenta o palco principal do certame, Kim Gordon subiu ao palco Binance (sim, as cryptomoedas chegaram aos festivais de verão… boa sorte!) de calção preto, camisa branca e grandes óculos escuros. A mulher que foi dona do baixo dos Sonic Youth veio apresentar No Home Record, lançado em 2019, e trouxe rock cru e experimentalismo qb a uma plateia espantada com a genica de uma mulher de 69 anos. Mas se isso espanta os mais jovens da plateia do NOS Primavera Sound então o que dizer de Sky Ferreira? Depois de um surpreendente disco de estreia em 2014 (impossível não cantarolar Boys ou Everything is Embarrasing), a cantora desapareceu até este ano. Surge com novos temas a prometer novo disco, mas infelizmente a passagem pelo palco Super Bock trouxe só mais do mesmo: um atraso de 20 minutos (numa actuação que não poderia ultrapassar os 50) e uma performance desinteressada e forçada. Os fãs estavam lá para cantar cada palavra e a banda fez os possíveis para garantir que as backing tracks soassem orgânicas mas, infelizmente, Sky não estava bem ali. Uma pena.
Sempre pronto para entregar corpo e alma está o homem que se segue. Nick Cave e os seus Bad Seeds não sabem o que é não dar um grande concerto neste bonito parque. À terceira passagem pelo NOS Primavera Sound, o australiano trouxe um turbilhão de emoções incapazes de deixar qualquer um indiferente: da raiva à ternura, da profunda tristeza à histeria, Nick Cave não só passa por tudo como nos leva com ele. Atirou microfones, pontapeou o suporte das suas partituras, deu as mãos às primeiras filas, abraçou Warren Ellis (capitão dos Bad Seeds). Começou com o statement: Get Ready For Love, passou pela euforia de From Her to Eternity, Jubilee Street, Tupelo ou Red Right Hand e pelo sentimentalismo de O Children, I Need You, Waiting For You, The Ship Song e, claro Into My Arms. Foi aliás com o pedido para ser acompanhado pela voz do público naquela que será talvez a sua mais popular canção que iniciou o encore, fechado depois pela efusiva Vortex e o hipnotismo de Ghosteen Speaks. Será sempre um mistério como aquele homem esguio já com 64 anos consegue transcrever tanta emoção para as suas músicas e letras e depois encarná-las na perfeição em palco. Nick Cave não sabe o que é subir ao palco e dar só um bocadinho, entreter só porque sim. Por muito bem oleado que esteja o espectáculo (os Bad Seeds são muito mais do que uma banda de acompanhamento), há sempre a sensação que estamos a ver algo irrepetível.
Ainda o Parque da Cidade digeria o final do concerto de Nick Cave & The Bad Seeds, já o britânico Mura Masa punha os corpos a mexer ali ao lado, no palco Super Bock. Na outra ponta do recinto, os Cigarettes After Sex embalavam o público do palco Cupra.
Entrámos na madrugada ao som da belíssima voz de Caroline Polachek. A ex-Chairlift levou um vulcão ao palco Binance e deu um espéctaculo repleto de teatralidade. A pop explorativa da americana deliciou a pequena mas efusiva plateia, que teve direito a duas novas canções em Sunset e Smoke. Mas foram os temas de Pang, de 2019, que foram recebidos com mais entusiasmo, com Hit Me Where It Hurts, Caroline Shut Up e a última So Hot You’re Hurting My Feelings a terem mais impacto. Enquanto isto, uma imensa multidão vibrava ao som de Tame Impala no palco principal. Com um notável espéctaculo visual, Kevin Parker debitou todo o seu psicadelismo e o público agradeceu. O uso dos ecrãs foi particularmente interessante: o OVNI circular pendurado no centro do palco distribuia luz e cor e a música, essa, saía das colunas com um som imaculado. Kevin Parker e o seu projecto montaram um show irrepreensível e sabem entregá-lo, dando ao público a viagem que ambicionam com espaço para melodias cantadas a plenos pulmões e confettis a voar. Perante tamanha produção e amável recepção, ousamos dizer que Tame Impala já merece ser mais do que (só mais) um nome a encabeçar cartazes de festivais neste país.
O primeiro dia do regresso do NOS Primavera Sound acabou já madrugada a dentro. Hoje (10 de Junho) o Parque da Cidade recebe Beck, Pavement, Rina Sawayama, Jehnny Beth e muitos outros.