Viagem panorâmica no regresso dos Linda Martini ao Coliseu dos Recreios
Lisboa, 31 de janeiro. Um pouco depois da hora marcada, o Coliseu recebe com um aplauso os Linda Martini. Em fundo, a batida sempre certeira das baquetas de Hélio Morais enquadram o baixo de Cláudia Guerreiro, as guitarras de Pedro Geraldes e André Henriques e a voz deste último, levando-nos até ao Semi Tédio dos Prazeres. Ao fundo, o rosto da bela italiana que emprestou o nome ao colectivo e ao seu último trabalho.
Prestes a atingir a maioridade, a banda respondeu enfim à eterna pergunta sobre quem é, afinal, Linda Martini. Publicado em 2018, o álbum homónimo tem na capa a foto, tornada retrato a óleo, da estudante de Erasmus que por cá andou em inícios do século. Nada mais natural, que fosse também essa a imagem principal nos palcos desta digressão.
Mas se Linda Martini, o álbum, deu mote ao espectáculo, o alinhamento deste foi uma entusiástica viagem pelos dezassete anos de carreira do quarteto, onde se incluíram temas originais dos diferentes álbuns e EPs editados até à data e ainda uma cover de Frágil de Jorge Palma.
Saídos do Semi Tédio, incluído no mais recente álbum, entramos em Casa Ocupada com Nós os Outros e a Mulher-a-dias, que jamais faltaria a uma festa dos Linda Martini. Seguiram-se três temas de Turbo Lento: Febril (Tanto Mar), festejado duplamente pelos também admiradores de Chico Buarque, Volta e Panteão.
A emoção de voltarem ao Coliseu em nome próprio a fazia sentir-se nos rostos de todos e nas palavras de André Henriques. Quando se marca um Coliseu pela segunda vez – confidencia – perguntamo-nos se ainda haverá alguém para nos ouvir. A resposta não podia ser mais clara que a reacção das muitas centenas de admiradores aos primeiros acordes de Juventude Sónica, indubitavelmente um dos momentos altos da noite.
O entusiasmo mantém-se com Caretano e Boca de Sal, o tema orelhudo do último álbum e eis que, caso a versatilidade coerente da banda nos estivesse a passar desapercebida, As Putas Dançam Slows para nos embalarem num intimista quase fado destes autores, compositores e interpretes que, sem deixarem a sua matriz, se têm vindo a reinventar, mantendo-se nas preferências de fãs de longa data e recebendo a aclamação sucessiva da crítica e imprensa da especialidade.
A viagem segue ao som de Frágil, com o ritmo a crescer com Ratos e Gravidade. E continuamos por entre álbuns com Partir Para Ficar, Queluz menos luz e Amor Combate, este último soando a hino entoado a par com o público.
Aproveitando o momento de perfeita sintonia somos veementemente convidados, também nós, a combater do lado do amor, recusando os discursos de ódio, evitando partilhá-los. E por falar em amor, fala-se em família. O concerto é dedicado ao público (ora pois) e às famílias dos músicos.
Outros momentos de cumplicidade e à vontade vão pontuando o serão. Cláudia Guerreiro envia o beijo prometido ao filho. O produtor Santi Garcia é chamado à sala, (Re)Encontramos o Unicórnio de Sta. Engrácia e após a tremenda interpretação de Belarmino vs pela baixista da banda, concluímos que até se fez uma bela casa! Por fim, descobrimos os Putos Bons que partilham da celebração num crescendo que só poderia culminar em Se Me Agiganto, o último dos temas do homónimo a ser tocado e que marca a primeira saída do palco.
O regresso dá-se ao som de Dá-me a Tua Melhor Faca e O Dia em que a Música Morreu. A energia parece não ter-se esgotado nos vinte e dois temas tocados anteriormente. Dir-se-ia mesmo haver uma reserva escondida nos bastidores para proporcionar mais uns prolongados minutos de deleite ao público. Nesta noite a Sereia media seguramente bem mais que Cem Metros.
À saída, um público visivelmente agradado com a actuação da banda e o repertório, escolhido pelos próprios fãs, parecia apostado em não ter de esperar mais quatro anos para rever os Linda Martini no grande salão de festas da capital.