Silence 4 – O silêncio que se fez ouvir

Silence 4 – O silêncio que se fez ouvir

«Estas músicas são vossas. Levem-nas, espalhem-nas. Cantem-nas.» Foi com estas palavras que David Fonseca se despediu do público no quarto e último espectáculo apelidado «Songbook 2014», que aconteceu ontem à noite no Meo Arena, em Lisboa.

Se a história começou em 1995 precisamente com o enorme desejo de David em criar uma banda, um ano depois juntam-se Sofia Lisboa, Rui Costa e Tozé Pedrosa e nasce então o quarteto Silence 4. Ensaiavam numa sala pequena, escura e húmida. As condições eram débeis, o som péssimo. Precisavam de ensaiar em silêncio para se fazerem ouvir. Foi assim que surgiu o nome do grupo, foi assim que nasceu uma das bandas de rock alternativo que mais sucesso fez nos anos 90. Eu tinha sete anos quando se formaram os Silence 4. Pertenço a uma geração hodierna, não cresci a vê-los, mas  de tanto ouvi-los por influência dos demais, sinto-os um pouco como meus. Não há uma única letra que não conheça, não existe uma única canção que não trauteie. Dizem que o amor não escolhe idades e o quarteto leiriense são a prova disso. Ontem juntaram-se 18 mil pessoas de todas as idades para ouvir uma última vez a banda de rock portuguesa que arriscou cantar em inglês.

De luzes apagadas, surgem em dois plasmas projecções de concertos antigos, reportagens quase perdidas, notícias, prémios e feitos que retratam mais de uma década de história compilada numa espécie de linha cronológica – «Songbook 2014» foi o fim dessa linha. Com um singelo «Boa noite Lisboa», os Silence 4 sobem a um palco ilustremente arranjado com cortinas de veludo vermelho. A Little Respect, original dos Erasure, foi a primeira canção da noite e talvez a mais conhecida, seguindo-se uma das músicas mais marcantes do primeiro álbum «Silence Becomes It», Old Letters. Entre Dying Young e Borrow, Sofia Lisboa recordou os tempos idos e o sucesso que surgiu inesperadamente, não estivéssemos a falar de uma banda que surgiu numa altura em que a internet era ainda uma miragem, e as editoras deram-lhes muitos nãos por cantarem em inglês. Surge um dos primeiros elementos que marcaram o palco ao longo de quase três horas de concerto, um peixe laranja dentro de um aquário. E como quem nada por gosto não cansa, cantam Don’t II, do segundo e último álbum «Only Pain Is Real». Surgem mais de uma dezena de cadeiras suspensas, quem sabe o número de anos que esperámos para assistir aquele momento, e Not Brave Enough surgiu com um arranjo de teclas por parte de Paulo Pereira que acompanhou os Silence 4 nessa pequena digressão, acrescentando algumas subtilezas electrónicas ao grupo. Cumprindo a missão de uma despedida «à grande e à portuguesa», Sérgio Godinho junta-se à festa, partilha o palco e canta uma das duas músicas portuguesa do primeiro álbum, Sextos Sentidos. Num rasgar de luzes, fez-se descer um Ford Cortina azul e, seguindo a lógica dos elementos cenográficos, esperava-se a mítica My Friends. Bem ao estilo do Fame americano, David Fonseca agarra num megafone, sobe para o carro, canta, grita, e o público mostrou mais uma vez que a banda nunca foi esquecida. Numa passagem repentina, ouve-se a balada To Give acompanhada por um piano e imagens de uma piscina projectadas num pano de fundo, respeitando o teledisco original.

Seguiram-se as canções Cry e Ceilings, mas foi a Angel Song que se entranhou na pele com a sua carga emocional. A reactivação dos Silence 4 destinou-se a celebrar os sucessos da carreira, mas sobretudo para assinalar a recuperação da saúde da cantora Sofia Lisboa, depois de lhe ter sido diagnosticada leucemia. Foi a própria Sofia que pensou neste pequeno projecto e foi nas palavras da própria que entendemos a importância desta música. Havia pedido ao David que fosse o público a cantar a sua parte, caso não pudesse estar presente, mas Lisboa recordou ainda todos os anjos que a protegeram e começou por cantar «I guess I was trying to keep me alive» e o público mostrou saber a letra. Canta-a e mistura a sua voz colectiva com a da cantora, «But once I was dead there was nothing to do beside». Num ambiente pesado de tremenda comoção, somos corrompidos pela delirante Empty Happy Song e a entrada do quarto e último elemento no palco, um enorme e vistoso farol, serviu de mote para a Where Are You? David Fonseca e Sofia Lisboa cantam frente a frente, olhos nos olhos a segunda música portuguesa, Eu Não Sei Dizer e, por fim, a Only Pain Is Real e Sleepwalking Convict, despedindo-se de um público que não queria despedidas.

Com o palco principal escuro, uma lua projectada no pano de fundo e um arranjo de cordas em loop, toda a nossa atenção virou-se de repente para o centro do Meo Arena. Um pequeno palco com o público em seu redor retratava as mesmas dimensões da sala onde a banda costumava ensaiar. Simples, sem objectos decorativos, apenas quatro cadeiras lado a lado e instrumentos. Não há isqueiros como em 2000, mas há luzes de telemóveis e um público emocionado. E comovida estava também a banda que havia pisado aquele palco pela primeira vez há 15 anos (encerraram a Expo 98). Sofia Lisboa dedicou a canção Invencible, dos Muse, à irmã. Emocionou-se, agradeceu por lhe ter salvo a vida com a doação da medula óssea e assistimos a um comovente abraço entre ambas.

Sofia Lisboa dos Silence 4 com a irmã

Com apenas dois álbuns gravados em estúdio, «Silence Becomes It» (1998) e «Only Pain is Real» (2000), David Fonseca explicou como foi difícil singrar em tempos passados e presenteou-nos com algumas raridades. A primeira foi Self Sufficient, «uma das 50 canções que tínhamos quando gravámos o primeiro disco», disse. Seguiu-se a canção que deu nome ao primeiro disco, Silence Becomes It e, por fim, com uma Arena completamente às escuras e milhares de luzes de telemóveis a imitar um universo estrelado, a despedida do resguardado e íntimo palco com Goodbye Tomorrow.

Enquanto o público questionava-se se seria o fim do espectáculo, a banda surge uma última vez no palco principal. Search Me Not e Breeders anunciavam o indesejado fim. Não descurando o princípio e objectivo que levaram a banda a reunir-se uma última vez, satisfazendo o país com quatro concertos muito bem pensados e trabalhados, chamaram ao palco uma equipa da Liga Portuguesa Contra o Cancro a quem ofereceram um cheque no valor de 30 mil euros, receita essa proveniente da venda dos bilhetes. Não havendo muito mais a dizer, a mostrar e a cantar, três reprises – BorrowMy Friends e Little Respect. Uma última entrada e saída, novamente a Angel Song que tanto acompanhou e apoiou Sofia Lisboa que viu este concerto como uma espécie de segunda oportunidade de uma segunda vida, visivelmente grata e emocionada.

Deste falso regresso faz parte a edição da caixa «Songbook 2014», que reúne os discos de estúdio «Silence Becomes It» e «Only Pain is Real», e ainda um CD com demos, remixes e gravações ao vivo. Um livro de música que resume três anos da vida de três rapazes de Leiria e de uma miúda com «voz de bateria», segundo o Rui Costa, a quem David Fonseca prometeu ligar um dia. E ligou, um ano depois de a ter ouvido a cantar num bar. Era uma entre tantas outras bandas nacionais a procurar algum reconhecimento, e juntos coleccionaram inúmeras negações de todas as editoras, grandes e pequenas. Ontem à noite despediram-se uma última vez. Não haverá mais Silence 4, mas o adeus foi cumprido e o silêncio fez-se ouvir.

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Todas as fotos desta noite memorável aqui.

Mafalda Saraiva  

Eu sei lá resumir-me numa frase. Mas escrevo muitas no meu blog.


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