Palma e Godinho: os comparsas de uma vida juntos e felizes em palco

Palma e Godinho: os comparsas de uma vida juntos e felizes em palco

Sérgio Godinho e Jorge Palma subiram, juntos, ao palco do Coliseu dos Recreios, em Lisboa, a 25 e 26 de fevereiro. O Porto recebe-os a 3 e 4 de março.

Dois grandes senhores da música portuguesa, duas noites de Coliseu dos Recreios, duas horas de concerto e 40 anos de amizade para celebrar. A mistura resultou num espetáculo que, a 25 e 26 de fevereiro, mergulhou o Coliseu de Lisboa na cultura de duas das mais fortes figuras do nosso panorama musical.

Sérgio Godinho trouxe na sua interpretação as influências dos também “companheiros de luta” Fausto e José Mário Branco. Jorge Palma carrega o peso do blues aligeirado pela sua risada e pelas suas private jokes que, queira-se ou não, acabam por nos fazer rir mesmo que não as percebamos inteiramente. O espetáculo mistura o repertório de Palma e Godinho e o desafio (para eles) traduz-se em grande gozo e exercício mental (para nós) a cada música, bem conhecida, que ouvimos, mas com o intérprete trocado.

‘Lá em Baixo’, de 1979, e ‘As Horas Extraordinárias’, ambas de Godinho, abriram o concerto, bastante simples no que concerne à decoração de palco, e muito focado nos dois homens-fortes que encheram a sala da capital. «Horas extraordinárias é o que vamos fazer aqui hoje; pelo menos umas duas horas extraordinárias vai ser», apresenta Godinho numa das primeiras vezes em que se dirige ao público.

A reação ainda contida por parte dos fãs, a maioria da geração dos dois artistas, tornou-se logo mais espontânea assim que as duas vozes se complementaram bem num popular e sempre introspetivo ‘Dá-me Lume’ e num intensíssimo ‘Nossa Senhora da Solidão’, um tema que tem sido “cobiçado” por outros artistas como Miguel Guedes, dos Blind Zero, que também o integrou no alinhamento do concerto que, há um ano, a banda do Porto trouxe ao Teatro da Trindade, em Lisboa. Ver Jorge Palma ao piano dá-nos aquela segurança de sabermos que os pilares fortes da nossa cultura musical continuam bem fixados ao solo. ‘Dá-me Lume’ foi um dos poucos momentos em que o palco ganhou vida extra ao ficar de vermelho-fogo com holofotes baixos e intermitentes a fazerem o resto do efeito.

Palma continua a ter aquela atitude de miúdo irreverente que olha com admiração para o seu “mestre” e a solenidade desses momentos fica bem patente no respeito mútuo que trespassa a cada letra de ‘Só’ e ‘O Lado Errado da Noite’, de 1985, a retratar um serão no qual Jorge Palma poderá ter sido o ombro amigo da “Amélia de coração desfeito”. O músico está muito bem, a tocar com uma destreza única as teclas do piano com que “brinca” maravilhosamente, e com uma prestação sem mácula.

Este concerto a duas vozes já vem a acontecer há algum tempo, depois de uma experiência no Meo Arena, integrado no festival Super Bock Super Rock do ano passado, de uma passagem pelo Theatro Circo, de Braga, e da atuação no Centro Cultural Olga Cadaval, em Sintra, pelo que seria natural que ambos se cansassem de algumas cantigas. Perante a assunção desta “fraqueza”, os dois decidiram, no momento “vamos fazer uma versão”, recuperar Bob Dylan no seu ‘It’s All Over Now, Baby Blue’, dos anos 60.

‘O Elixir da Eterna Juventude’ é bebido de um gole, que nos fez saltar logo para ‘Frágil’, de Jorge Palma. ‘Dancemos no Mundo’ é dedicado por Godinho «aos migrantes e refugiados» sob forte aplauso.

Refira-se que nem só de recordações vive o espetáculo para o qual, de propósito, Sérgio Godinho compôs o tema ‘Caso For Esse Caso’, também bem recebido pelos fãs.

A interpretação de ‘Acesso Bloqueado’ ficou marcada por vários problemas técnicos que nos deixaram, em vários momentos, apenas com som de palco. Não houve manifestações sobre o assunto porque, afinal, tudo vale a pena nesta noite de quinta-feira. ‘Deixa-me Rir’ e ‘Portugal Portugal’, fecham a primeira parte da noite musical.

Os dois cantores estiveram sempre em dueto nos temas quer de um quer de outro, proporcionando um serão cheio de boas canções que jamais vão passar de moda. Mas eis que não 1, não 2, mas sim 3 encores põem o Coliseu de pé. ‘Espalhem a Notícia’ e ‘Primeiro Dia’ ficam guardados para esta altura. E quando o pano se fecha ficam só os dois ‘No Bairro do Amor’ que abre caminho para o apelo de ‘Encosta-te a Mim’, abraço esse que faz toda a gente sair do Coliseu ‘Com um Brilhozinho nos Olhos’.

Nuno Rafael, Sérgio Nascimento, João Cardoso, Pedro Vidal, Nuno Lucas e João Correia são a trupe que os acompanha nesta mixórdia de cantigas e que dá um inequívoco contributo à sonoridade contemporânea que o trabalho destes dois poetas de canções está a conseguir transmitir.

Daniela Azevedo  

Jornalista, curiosa sobre os media sociais, viciada em música, gosta da adrenalina do desporto motorizado. Amiga dos animais e apreciadora de dias de sol. Acha que a vida é melhor quando há discos de vinil e carros refrigerados a ar por perto.


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