O Super Bock Super Rock acabou e saudades deixou
O terceiro e melhor dia da 20ª edição do Super Bock Super Rock chegou ao fim com The Kills a disparar, um bando de “bestas” (Foals) a surpreender e C2C a explodir. Subi aos céus e ressuscitei ao terceiro dia. Depois de ter entrado numa espécie de nostalgia que me bloqueou o corpo e a alma, consegui finalmente escrever umas coisas sobre o último dia do Festival. A verdade é que ninguém gosta de despedidas e eu, se tenho abraçado cada vez mais projectos, tenho-me despedido de tantos outros. Pessoas que vêm e vão, concertos, festivais e entrevistas que ficam. Desculpem-me a demora, mas vem tudo em boa hora.
O terceiro dia do SBSR começou com um concerto de homenagem ao músico norte-americano Lou Reed, falecido em Outubro do ano passado. O guitarrista dos Xutos e Pontapés, Zé Pedro, subiu ao Palco Super Bock acompanhado pela sua banda Ladrões do Tempo – nesta ocasião constituída por Tó Trips, Samuel Palitos, Paulo Franco e Doni Bettencourt – e recordaram ao final da tarde as canções mais célebres do reportório do fundador dos Velvet Underground. Para celebrar os 20 anos do festival Super Bock Super Rock, Zé Pedro convidou alguns amigos para se juntar a ele nesta grande festa que decorreu no final do dia, e que nunca mais se repetirá. O concerto começou com a voz de Franco a interpretar as canções «Rock’and’Roll» e «I’m Waiting For The Man», dos Veltvet Underground. O primeiro convidado a prestar homenagem ao artista icónico da música moderna foi João Pedro Pais que, acompanhado pela sua eterna guitarra ao peito, tocou uma versão de «I Love You, Suzanne». Seguiu-se Lena D’Água a dar corpo e alma a «Sunday Morning» e Legendary Tigerman subiu pela terceira vez ao palco, em dois dias, para prestar o seu contributo com «Femme Fatale». Conhecido por ter uma das melhores vozes da nova geração do rock português, Tomás Wallenstein – dos Capitão Fausto – entrou em cena de braço engessado e arrepiou com a sua interpretação de «Venus in Furs». Depois de Franco ter dado voz a «Vicious» e «Sweet Jane», Jorge Palma toca ao piano a fabulosa «Perfect Day». O último convidado a completar este leque de artistas foi Frankie Chavez – já havia actuado na noite anterior – que cantou e tocou a «White Light White Heat». No final todos os músicos juntaram-se no palco para cantar a marcante «Walk On the Wild Side», perante as centenas de pessoas que já se encontravam no recinto.
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O sol começou a pôr-se e o público dispersou-se. Albert Hammond Jr. tocou no palco Super Bock para uma plateia tão pequena que mais valia terem-lhe dado outro palco, outro dia. O guitarrista dos The Strokes já tinha tocado em 2007 no festival Meo Sudoeste, mas este regresso não surpreendeu. Albert ainda viajou pelos seus dois álbuns – Yours To Keep (2006) e ¿Cómo Te Llama? (2008) – mas só conseguiu captar a atenção das poucas dezenas de pessoas que assistiam, quando tocou uma versão do clássico «Ever Fallen in Love», dos Buzzcocks.
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No mesmo palco entraram a matar os The Kills com a música «URA Fever», num cenário decorado com o padrão de leopardo no pano de fundo. A dupla já havia estado em Portugal outras vezes, noutros festivais, mas o concerto que deu no Palco Super Bock foi um dos melhores da noite. Pelo menos compensou a desilusão provocada pelo cancelamento do concerto em Paredes de Coura, no ano passado. Basta recordar a imagem daquele chapéu de oficial na cabeça de Jamie e o casaco de cabedal preto de Alison para nos lembrarmos do estrondoso espectáculo de indie rock que proporcionaram. Admitamos, aquela mulher é um furacão em palco e os furacões provocam danos irreparáveis no público, visivelmente entusiasmado a cantar em uníssono a canção «Future Starts Slow». Hince também provoca as suas réplicas a cada acorde electrizante na guitarra, mas Mosshart é um verdadeiro vulcão em estado de erupção cada vez que abre a boca. Para cantar, claro. Depois existe toda uma tensão erótica em palco, uma provocação nas danças atraentes entre ambos como em «Heart is a Beating Drum» e jogos de sedução enquanto cantam «Kissy Kissy». Deparamo-nos com um homem determinado a marcar o seu território e uma mulher portadora de um físico invejável a mostrar que a natureza feminina é quem vence no reino dos deuses. «Não há melhor do que isto», diz Jamie Hince. Ai há, há. Aqueles longos cabelos louros e despenteados de Alison Mosshart deixam qualquer um fora de si mesmo, principalmente quando cantam «Satellite» e «DNA» e a mulher-assassina espalha atitude rock’n’roll cada vez mais perto da plateia. «Está uma noite linda», comenta Alison. Ela é que é linda, principalmente quando canta «Baby Says» agarrada à guitarra e se distingue com aquela voz maravilhosa em «Black Balloon». A discoteca Lux também costuma ter umas festas Black Ballon porreiras, mas nada que se compare àquela sua voz rouca a interpretar «No Wow» e aquele corpo esculpido e eléctrico a dançar ao som de «Monkey 23». Mas não tocaram sozinhos. Fizeram-se acompanhar por dois percussionistas e dois coristas e, apesar de se terem entregue de corpo e alma, não aqueceram mais do que as primeiras filas de fãs. A culpa não foi deles, foi do público. Arrebatadores, The Kills provocaram-nos muitas Blood Pressures (2011). Agora queremos mais discos e mais concertos.
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E se as mortes fizeram história, os Dead Combo contaram-nos muitas. Depois de terem passado pelo Palco EDP as bandas The Big Church of Fire e SKATERS, Pedro V. Gonçalves e Tó Trips – que tocou no início da tarde com os Ladrões do Tempo – subiram ao palco acompanhados pelo baterista Alexandre Frazão. Num cenário decorado tanto com instrumentos de alta categoria, como de objectos de requinte expostos numa espécie de altar de recordações, a dupla portuguesa embalou-nos um pouco pelos seus álbuns. «Waits» do mais recente disco A Bunch Of Meninos, «Rodada» em forma de dedicatória a todas as meninas que usam saia, «Pacheco» dedicada a um grande guitarrista que «já não vem a festivais» e «Sopas de Cavalo Cansado» para animar os potros.
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Por falar em potros, quem galopou durante uma hora foram os Foals no Palco Principal. E eu, que fui para as primeiras filas curtir umas das melhores bandas que passaram pelos três dias do Festival. A energia e dimensão de Foals é indescritível. O vocalista e guitarrista Yannis Philippakis tem uma presença em palco tão marcante que chegou mesmo a confiar no público e a fazer duas vezes crowdsurfing. O concerto começou com um instrumental arrebatador, uma sonoridade rock assente no jogo entre guitarras e na intensidade da interpretação de Yannis em canções como «Late Night» e «My Number», do último álbum Holy Fire. Em «Providence», o artista desce ao público para delírio de todos que entraram em jogos de moche ao som de «Inhaler», ao mesmo tempo que Philippakis gritava «sticks and stones may break my bones». Num concerto com um jogo de luzes tão psicadélico quanto mágico, lembrando um pouco a cenografia do espectáculo de Woodkid Foals tocaram «Spanish Sahara» e «Two Steps Twice», levando ao rubro os poucos milhares de fãs se encontravam no recinto. Poucos mas bons. O concerto, esse foi excelente mas soube a pouco.
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A última banda a actuar no Palco Principal foram os cabeça de cartaz Kasabian. Não há dúvida que as 24.000 pessoas presentes no último dia do Festival preferiram os britânicos, ainda assim foi de longe o melhor concerto a que assistimos. Na linha do rock inglês dos anos 90, o cantor Tom Meighan e o guitarrista (e também) vocalista Sergio Pizzorno têm um jeito muito britânico de incitar a plateia, mas não falamos de humor britânico ao estilo de Monty Python. O jogo de luzes equipara-se muito ao de Woodkid e Foals, mas a sonoridade fica um pouco por terra. Ou por ar. Apesar de algumas passagens por registos anteriores e por uma versão de «Praise You», de Fatboy Slim, os Kasabian centraram-se no álbum 48:13, e tocaram os maiores sucessos «Bumblebee», «Club Foot» e «Eez-eh». Mais de uma hora de concerto, tiveram ainda tempo para um encore que terminou com a única música que levou o público ao expoente máximo da emoção, «Fire». Já mesmo no final, houve ainda uma homenagem a Beattles, ao cantarem sem instrumentalização «All You Need Is Love». Pensando bem, e mesmo sem quererem, os Kasabian têm um pouco de humor britânico, visto terem tocado uma música que em Portugal faz parte de um anúncio da Optimus. Vai uma Super Bock?
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De volta ao palco EDP, assisti aos meus dois concertos de eleição. Oh Land por ser uma das minhas artistas preferidas, C2C por terem sido uma das maiores surpresas que me aconteceram na vida. Mas comecemos pelo início. Não consegui assisitir ao concerto da dinamarquesa Oh Land na sua última passagem por Portugal, em Novembro passado no Festival Vodafone Mexesfest, por isso foi maravilhoso vê-la no Super Bock Super Rock. Mas se estava habituada a uma Alison Mosshart morena e deparei-me com ela loura, estava mais do que habituada a uma Oh Land loura de cabelos longos e apareceu em palco com ele quase rapado e azul. Mas tudo nela fica bem. A pele bronzeada, a barriga trabalhada. As roupas feitas à medida, com pregas e rendas, as sapatilhas de miúda a quebrar o estilo de mulher sofisticada. Tudo no concerto de Oh Land foi mágico e gosto especial quando existem histórias para contar. Primeiro encontrámos uma rapariga com quem nos cruzámos várias vezes nos festivais a servir cervejas. Já me havia dito no Festival Alive que eu estava muito gira e chegámos mesmo a tirar uma selfie para mais tarde recordar. Naquela noite não trabalhou por ser fã incondicional de Oh land – tem um lobo tatuado na perna e tudo, por causa da música «Wolf and I». Foi curiosamente a primeira canção a ser tocada no concerto. Viajámos muito pelo último álbum da artista, Wish Bone, mas foram as músicas do disco homónimo que mais marcaram o espectáculo. «Sun Of A Gun», «White Nights» e «Rainbow» levaram mesmo a plateia a dançar e cantar cada verso de forma incessante.
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Para terminar a noite num estado quase psicadélico, os franceses C2C tocaram no mesmo palco, num ambiente tanto nostálgico, como mágico. O quarteto de DJs francês é formado pelos monstros 20Syl, DJ Greem (ambos do Hocus Pocus), DJ Pfel e DJ Atom. Com um EP lançado, «Down The Road», cinco faixas e um remix, apresentaram um trabalho autoral onde misturam o lado do turntablism e, constroem músicas em quatro gira-discos, unindo a produção de beats pesados, numa miscelânea entre o electrónico e o orgânico como matéria prima. O resultado é classe A! Estupendo. Quem nunca ouviu falar em C2C, a melhor introdução ao trabalho deles, são os quatro títulos mundiais seguidos conquistados no DMC World Championship (2003-2006). Quanto ao concerto, só quem assistiu consegue compreender a emoção, tensão e paixão que se sente ao vê-los e ouvi-los juntos, tão perto, numa front-row. Eu estive e trouxe para casa a recordação do melhor concerto da noite.
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Despedimo-nos de um Super Bock Super Rock muito cansados, mas realizados. Apesar das muitas falhas técnicas, um dia com chuva e algum pó, o Recinto, o Cartaz e a ideia do Festival em si estão cada mais consistentes e bem estruturados. Finalmente conseguiram captar a sua essência e assumi-la numa das zonas mais bonitas do país.
Até para o ano Meco, Sol e muito Rock & Roll.