O sonho americano acabou – felizmente, os LCD Soundsystem ainda não
A banda de James Murphy terminou a digressão de American Dream com três noites no Coliseu de Lisboa. Para a última delas, a 21 de Junho, ficaram reservados todos os brindes necessários para uma festa inesquecível.
Estávamos longe de imaginar que alguma vez iríamos ter uma noite assim quando, em 2011, os LCD Soundsytem anunciaram o fim. Sempre disseram que poderia não ser eterno, é certo – James Murphy dizia-se apenas saturado com a indústria musical – mas a verdade é que a emotiva despedida dos palcos no Madison Square Garden, em Nova Iorque, registada em The Long Goodbye, dava ideia de que nunca mais haveria uma festa com aquela. Enganámo-nos, e ainda bem. Se aquando o anúncio do regresso, em 2016, podemos ter tido algumas reticências (afinal, só se tinham passado cinco anos desde o suposto fim), a chegada de American Dream, no ano seguinte, dissipou todas as dúvidas. Os LCD Soundsytem voltavam e com toda a relevância de sempre. Não foi só porque sim, não foi só para se aproveitarem do negócio, foi porque tinham ainda muito por dizer, e muita anca para fazer mexer. E sempre foi assim: a música um delírio electrónico-punk que tanto se faz de sintetizadores, riffs de guitarra ou ritmos em cowbell; as palavras um despejo emocional tocante e emotivo. Tudo o que os tornou numa referência maior na música do início dos anos 2000 continuava lá, e continuava a fazer todo o sentido. Ao vivo, o sentimento amplia-se: a plateia é uma pista de dança, claro (a bola de espelhos não falta), mas há uma emoção muito particular que vai muito mais fundo do que seria esperar num concerto de música que é, essencialmente, aquilo a que se chama música de dança.
Um ano depois de terem passado pelo festival Vodafone Paredes de Coura, e depois de já duas noites praticamente esgotadas no Coliseu dos Recreios, em Lisboa, os LCD Soundsystem despediram-se da tour que os trouxe de volta aos palcos depois de cinco anos de ausência. E já que era a última noite, trouxeram todos os presentes e mais alguns. Tivemos direito a quase três horas de música, perdão, de festa. Losing My Edge a marcar o ritmo logo de início, as passagens por American Dream com a faixa-título, call the police, i used to, tonite, how do you sleep? e Emotional Haircut, os clássicos You Wanted a Hit, Daft Punk Is Playing At My House ou New York, I Love You But You’re Bringing Me Down, o momento de Nancy Whang na versão da maravilhosa I Want Your Love dos Chic, a loucura que é a sequência Movement e Yeah, o coração apertado de Someone Great, e, claro, a apoteose final de Dance Yourself Clean e All My Friends. Não faltou nada à orquestra/laboratório que James Murphy conduz à sua volta: Nancy Whang, Pat Mahoney, Al Doyle, Gavin Rayna, Tyler Pope, Matt Thornley e Korey Richeu formam uma máquina muito bem oleada, trocam entre si, ajustam entradas e finais ou novos desvios com a maior das naturalidades. A festa é, portanto, feita em comunhão. Eles no palco, (houve família e amigos em palco, longos agradecimentos à equipa e uma notável comoção entre o grupo por se tratar da última noite de tournée), e nós do outro lado, entre amigos e desconhecidos, a partilhar aquela sensação de que tudo ali está certo, e o quão precioso isso é. Da América chegam-nos imagens e notícias do fim da inclusão, da partilha, da abertura. Mas chegam-nos também estes raios de luz, reflectidos numa bola de espelhos que nos faz a todos dançar sob o mesmo tecto. Querem matar o sonho americano mas ele está aqui, na música dos LCD Soundsystem.
Texto: Teresa Colaço
Edição: Daniela Azevedo
Fotos: Francisco Morais