O pop feminino regressou, e vingou, no último dia do Rock In Rio Lisboa 2018
O dia em que chorámos com Jessie J e ficámos de boca aberta com o espetáculo de variedades de Katy Perry foi também o dia em que Portugal perdeu contra o Uruguai. De alguma forma os dois universos juntaram-se na Bela Vista e marcaram aquele que foi o último dia do Rock In Rio Lisboa 2018. Para nosso consolo, não faltou cerveja, música nem boa companhia.
Os portugueses são sofridos por natureza e o futebol é aquela doença coletiva que nos persegue e desespera. Em dia de jogo de Portugal para o Campeonato do Mundo, e para alívio da maioria, os horários dos concertos do dia 30 de Junho foram ajustados para que o público pudesse ver os jogos nos ecrãs gigantes do recinto sem perder nenhum concerto. Perdemos o jogo, mas valeu a ajuda Roberta.
Com o recinto a abrir às 12h anteciparam-se concertos e às 16h30 já tínhamos encontro marcado no Palco Mundo.
Tendo já sido responsável pelas primeiras partes de artistas como Niall Horan, Charlie Puth e mesmo da headliner do dia, Katy Perry, a cantora norte-americana Hailee Steinfeld foi a responsável por abrir o Palco Mundo sob o sol da Bela Vista naquele que foi o último concerto da sua digressão mundial.
Hailee Steinfeld foi o resultado de mais um caso de cantora-vira-atriz como tantas outras artistas da sua geração, com o pormenor de que Hailee já foi nomeada para um Oscar. Dona de temas como Love Myself, Let Me Go, Capital Letters ou Starving, Hailee é uma cara fresca no pop, querida, boa comunicadora e com uma mão cheia de músicas catchy que ainda renderam alguns sing-alongs do público. Com 21 anos lembra-nos o que Britney fazia com 14, pena faltar-lhe algum je ne sais quoi. Não foi um concerto marcante mas deu-nos um bom início de tarde.
Às 17h começava no Music Valley o primeiro concerto de Carlão em nome próprio no Rock In Rio Lisboa. O público que marcou presença no vale estava lá porque efetivamente conhecia o trabalho e a carreira de Carlão pelo que não foi difícil a conexão público-artista. Entre temas como Agulha no Palheiro, Viver para Sempre ou Os Tais, Carlão trouxe também temas que estarão incluídos no álbum Entretenimento?, a ser lançado em Setembro. Para ajudar a desvendar os novos temas, e para rejubilo geral, trouxe consigo Slow J.
Fez-se a festa, contaram-se histórias, falou-se de bola e até do beef entre Drake e Pusha T e tivemos direito a um cheirinho de Dialetos de Ternura dos Da Weasel. Entre amigos e família Carlão voltou a mostrar o que vale.
Enquanto Carlão se despedia, a mulher-furacão Ivete Sangalo já mexia no Palco Mundo. Invicta nas 8 edições do festival, com mais uma atuação que o número de edições, e a admitir que Portugal já lhe sabe a casa, Ivete voltou a encher o Palco Mundo como se fosse a sua estreia no festival. Com 46 anos e a pôr muitas de 20 de rastos (olhem aqui eu sofrida) é verdadeiramente mulher para fazer a festa, lançar os foguetes e ainda apanhar as canas. Ela canta, tira o pé do chão, corre, ensina a cantar, ensina a dançar, literalmente não consegue parar. Houve, surpreendam-se Sorte Grande, Abalou e Eva que por muito que nos tentemos conter injetam sempre em nós o bichinho dançante de Ivete. Na manga guardou aquela que chamou de inspiração e modelo para a sua carreira, a cantora brasileira Daniela Mercury para juntas cantarem O Canto da Cidade.
Já com todos de cabeça no jogo, e já a pedir que Ivete saísse do palco porque era hora de ouvir o hino (porque sim, gostamos mesmo de futebol), foi tempo de sofrer em conjunto com a Seleção Nacional. Saltemos golos e relatos à frente, assumida a derrota era tempo de decidir quem preferíamos para nos dar um boost no ânimo.
Perante uma plateia bem jovem (que fincou pé para ouvir Faz Gostoso) Blaya assumiu o palco do Music Valley. Estamos habituados a não ficar quietos com ela em palco desde os tempos áureos enquanto membro dos Buraka Som Sistema, e desta vez não foi diferente. Verdade seja dita, o ritmo de Blaya puxa por isso.
Na ponta oposta do recinto tínhamos o melhor analgésico para a derrota sofrida no futebol, Jessie J.
Imaginem um Gustavo Santos, mas um Gustavo que nos faz sentido e de quem até gostamos por muito que se perca em conversas. Jessie foi a oradora motivacional que precisávamos para levantar o nosso ânimo coletivo e mexer com o interior de cada um. Como ela própria disse, sabia que tínhamos acabado de perder um jogo muito importante, mas era tempo de “celebrar o quão fantástico Portugal é” e, acrescentamos nós, celebrar o quão cativante Jesse consegue ser.
Com o álbum R.O.S.E. lançado em Maio, Jessie trouxe claro novos temas como Queen mas foram temas de álbum anteriores que aqueceram o coração de quem estava na Bela Vista. Domino e Nobody’s Perfect já tinham mostrado que o público ainda tinha as letras na ponta da língua, mas em Flashlight Jessie admitiu nunca ter ouvido uma plateia cantar tão alto, “querem vir em tour connosco?”. Depois de deixar muitos lavados em lágrimas em Who You Are, deu a vez a Luke James, por sinal seu ex-namorado, para que este cantasse These Arms. Para a última secção do concerto, já de outfit trocado, guardou Bang Bang e aquele que foi o single que lhe deu o boom, Price Tag.
Depois da simplicidade e eficácia de Jessie J era tempo de embarcarmos no concerto de Katy Perry. Ou no espetáculo galáctico de Perry, ainda não definimos muito bem.
Imaginem os elementos habituais do pop, confettis, bailarinos, mudanças de roupa, leds, luzes, fumo… Tudo normal até aqui. Agora acrescentem tubarões em palco, flamingos, bailarinos de andas, televisões andantes, bolas de basquetebol. Querem mais? É porque de facto Katy não se deixou ficar por aqui, e talvez por isso se tenha perdido um pouco o fio-guia da sua atuação.
Com o último álbum lançado em 2017, Witness, de onde saíram singles como Swish Swish, Chained to the Rhythm ou Bon Appétit, foram os temas dos primeiros álbuns que conseguiram mexer realmente com o público. Num só ato Teenage Dream, Hot n Cold, California Gurls e I Kissed A Girl (com celebração pride à altura) foram-nos oferecidos de rajada.
O momento mais sentimental ficou guardado para Wide Awake, com Perry na guitarra, mas arrisco dizer que o público tinha acabado de esgotar as emoções com Jessie J.O grande final ficou para Firework em jeito de antevisão ao último fogo de artificio na Bela Vista.
Não negamos o nível de detalhe e produção do concerto de Katy Perry, mas entre falhas de som, a quantidade de informação em palco associado ao sentido de mecanização e repetição do espetáculo, e mesmo algum afastamento do público, pedia-se mais da headliner da noite. Às vezes menos é mesmo mais.
É tempo de deixar a relva do Parque da Bela Vista voltar a crescer, se tudo correr bem, daqui a 2 anos teremos mais Rock In Rio Lisboa.