O Bob Dylan de hoje não é o mesmo de ontem mas continua magistral
A Altice Arena recebeu o Nobel da Literatura na passada quinta-feira, 22 de março, para um concerto memorável. Não cumprimentou o público, não imitou quem já foi em tempos: foi fiel a quem é hoje, sempre diferente de quem foi ontem.
Não disse olá, nem boa noite, nem adeus até à próxima. Claro que não, é o Bob Dylan. E sim, o Dylan de hoje está muito longe do Dylan que grande parte dos membros do público terão passado muito tempo a ouvir e cantarolar na sua juventude, mas continua (ou voltou a ser) um belíssimo escritor de canções. A voz nunca foi o seu ponto forte mas a verdade é que é inconfundível e a forma como entrega cada palavra torna-o um performer sem par. A palavra é, de resto, a marca mais característica da música de Dylan. Afinal, valeu-lhe um Prémio Nobel, e no concerto que apresentou na passada quinta-feira perante uma Altice Arena esgotada a palavra foi muitas vezes o único ponto de ligação com o passado.
Dylan alterou quase totalmente os seus temas, toca-os debruçado no piano à direita do palco (só por uma vez se levanta – para dar voz à sua veia mais crooner na versão de Why Try To Change Me Now) e só mesmo nas letras reconhecemos as canções de outros tempos. It Ain’t Me, Babe, Highway 61 Revisited, Don’t Think Twice It’s Alright, Tangled Up In Blue e Desolation Row foram algumas das que precisámos de algumas estrofes para identificar. A música que agora acompanha as palavras de Dylan é muito mais blues, com raiz forte na tradicional canção americana (há pedal steel e violino, aqui e ali).
Apesar de os seus últimos lançamentos serem conjuntos de versões de temas na sua maioria de Frank Sinatra, o alinhamento que ecoou (mas é que ecoou demais mesmo, uma pena a maior sala do país continuar a apresentar um som tão pobre) na Altice Arena passou também pelos discos de originais mais recentes. Destaque para a o riff orelhudo de Early Roman Kings (de Tempest, 2012), o country gingão de Thunder On The Mountain (de Modern Times, 2006), a bem humorada Summer Days (de Love And Theft, 2001) e a desoladora Love Sick (do brilhante Time Out Of Mind, 1997).
Com um cenário quase inexistente – apenas uns holofotes antigos e uma cortina negra – e um jogo de luz simples mas eficaz, Dylan não precisou de ecrãs gigantes nem grandes discursos para entregar um excelente concerto. Bastaram as canções e a sua entrega irrepreensível por parte da banda que o acompanha, com a qual cria um ambiente quase de jam session em palco. As luzes iluminavam o palco quando uma canção começava e assim que terminava tudo se apagava. Sem rodeios, viemos para ouvir “Bob Dylan and his band” (é o que diz no bilhete), eles vieram tocar para nós, mais nada.
Mesmo no final, em Ballad Of a Thin Man, é impossível ficar indiferente ao que nos diz o mestre: “something is happening here/ but you don’t know what it is”. Será ironia, depois de uma Blowin’ In The Wind quase irreconhecível, um recado a quem veio pela nostalgia e deu de caras com algo completamente diferente? Talvez. Já quem foi à Altice Arena à espera de um grande concerto não saiu desiludido, com certeza.
Texto: Teresa Colaço
Edição: Daniela Azevedo
N.R.: O artista não autorizou a captação de imagens