?? A Música Portuguesa a encher Coliseus – os portugueses no Vodafone Mexefest 2017
Vodafone Mexefest esgotado é sinal de salas cheias. E a beleza disso é que não importa quem toca, ou melhor, não importa de onde é quem toca. Iraniano-holandesas, norte-americanos, luso-angolanas de Manchester, britânicos, brasileiros, espanholas, minhotos, tondelenses, portuenses, lisboetas. Todos enchem salas, todos são recebidos com atenção e entusiasmo. Nem sempre é assim nos grandes festivais nacionais, onde por vezes o português é secundário (ou nem o é). Nesta edição do Mexefest, para além dos internacionais, fizemos também um roteiro só com nomes da casa. E mesmo só com portugueses ficou muita coisa de fora. Aqui fica o relato do possível.
Ao descer a Avenida da Liberdade ao final da primeira noite, vindos de um enorme concerto de Samuel Úria (não em duração – infelizmente-, mas sim em qualidade), era difícil apressar o passo, tal era o cansaço do sobe e desce constante da primeira noite de Vodafone Mexefest. Quando chegámos à Rua das Portas de Santo Antão já os Orelha Negra davam música ao Coliseu dos Recreios e o povo era tanto que não encontrámos onde ver o concerto. Subimos e subimos, em busca de um qualquer espaço livre. Encontrámo-los num dos últimos camarotes, quase em cima do palco, perdemos as imagens projetadas do quinteto mas ganhámos a vista. A vista de um Coliseu – sala nobre da capital – a abarrotar ao som do corte-e-costura minucioso de Sam The Kid, Cruzfader, Fred Ferreira, Francisco Rebelo e João Gomes. O hip hop instrumental, que não precisa de se dirigir ao público (os samples chegam), fazia cada cabecinha na plateia mexer-se de traz para a frente, em sintonia, enquanto as luzes que refletiam nas bolas de espelho nos deixavam observar as mini festas de cada camarote e o bate pé na galeria. De sala cheia e ovação merecida, assim acabava a noite que há muito tinha começado.
Na Casa do Alentejo, o Cante Alentejano recebeu festivaleiros e turistas no átrio. Sustemos a respiração e vimos nos rostos dos homens – e do menino, na frente, também vestido a rigor e conhecedor de cada palavra – o peso de uma tradição que há três anos ganhou novo ânimo, sendo reconhecida como Património Imaterial da Humanidade. Na sala de cima, e logo depois, subiu ao palco uma outra tradição que, por nós, também já merecia o estatuto da UNESCO. Os Fogo Fogo incendiaram mesmo a sala, cheia, que bailou e suou ao som daquele funaná irrequieto. Estão a ver o emoji da chama? Cinco desses e está descrito o concerto. ?????
No Palácio Foz, a melancolia de Tomara, que é rapaz de voz suave e melodia delicada, tinha crescido e tomado como casa aquela bonita sala. O cenário era perfeito, o público aderiu e assim se deu a feliz estreia do autor de Favourite Ghost. Disse que não tinha muito jeito para falar e que estava algo nervoso por ser o primeiro concerto “a sério”. Dizemos que não precisava de falar, a música tratou de aconchegar toda a gente, e o nervoso não se notou, que entre amigos (Márcia e Samuel Úria deram uma perninha) está-se sempre à vontade.
No São Jorge, primeiro ouvimos MoMo num breve encontro com Camané. Foram só duas as canções que partilharam e só apanhámos o final da última, mas ficámos bem com o abanar de ombro ao ritmo tropical das canções do autor de Voá. Depois ouvimos Surma, a leiriense rodeada de maquinaria (guitarra, baixo, teclados, samplers, campainhas…) que tem sido feliz com o seu disco de estreia, Antwerpen, e faz questão de o mostrar. Constrói cada camada com cuidado e é um fascínio ver nascer as canções doces mas frenéticas (inevitável lembrar-nos de Björk) da rapariga mais simpática do festival.
No Tivoli, vimos a figura já quase lendária que é Manel Cruz a apresentar os temas do próximo disco (diz que sai no próximo ano, aguardemos) e a ser aquilo que sempre foi: um exímio letrista, um escritor de canções de ouvido afinado. Disse que já tinha saudades de tocar em Lisboa, julgando pela sala cheia diríamos que Lisboa também já tinha saudades de o ver também. Foi um casamento feliz.
Ainda voltámos a atravessar a Avenida para nos rendermos ao melhor abanar de ancas da música nacional. Perdão, a Samuel Úria. Contratação de última hora para colmatar o facto de Jessie Ware ter cancelado a sua presença, o tondelense foi surpreendido com uma sala completamente preenchida (“É mesmo aqui que querem estar?”) e ofereceu em troca uma hora do que melhor sabe fazer. Houve canções do último Carga de Ombro, velhos clássicos como Teimoso e Não Arrastes o Meu Caixão e ainda duetos com Gisela João (uma versão de Elvis – o Samuel Úria americano – e Lenço Enxuto) e Ana Bacalhau (Só Querer Buscar, canção escrita por Úria para o disco a solo da cantora e Não Ouviste Nada, dos Deolinda). Com coro, banda e convidados (Tomara ainda retribuiu a perninha num par de temas), Úria ganhou a primeira noite de Mexefest e deixou a fasquia bem alta para o dia seguinte.
A noite de Sábado voltou a acabar num Coliseu a abarrotar e a dançar sem parar. Era o “family affair” de Moullinex que o embalava num electro-pop-disco-funk-qualquer-coisa. “Nós só fazemos música para dançar”, então chamemos-lhe isso mesmo. Música para dançar e celebrar, que o mundo não está fácil para ninguém e há que apostar mais no amor. Foi hora e meia de amor dançável e energia a destilar por todos os lados. Energia essa que não sabíamos como ainda a tínhamos depois de mais uma noite a saltitar de sala em sala.
Começámos novamente na Casa do Alentejo, e novamente com a tradição. As vozes bonitas das Sopa de Pedra dão nova vida a temas do cancioneiro popular português e até galego. Entraram de surpresa na ponta oposta do palco, fizeram caminho até lá a cantar e terminaram a bater nos tambores. Encantaram com certeza, como o seu disco de estreia Ao Longo Já Se Ouvia ainda não parou de nos encantar.
Saltámos depois para o Teatro Tivoli, com uma preciosa boleia da Toyota (a marca patrocinadora do festival ajudou os mais ambiciosos a subirem e descerem a Avenida sem terem de perder o folgo). Era hora de Luís Severo se apresentar só, ao piano, como tem feito um pouco por todo o país a apresentar o seu segundo álbum. Foi recebido por uma sala bem composta e gostámos de ouvir as melodias que reconhecemos da sua guitarra transformadas para o piano. O ex-Cão da Morte não perdeu o seu jeito tosco – mas adorável – e mesmo sem dirigir a palavra à sala bem composta que o recebeu, deu um belo e íntimo concerto.
Descemos a passo acelerado a Avenida logo de seguida. Não queríamos perder Vaiapraia e as Rainhas do Baile e sabíamos que o espaço na garagem da EPAL seria pequeno para todos os que quereriam estar presentes. Caras pintadas, cachecóis de penas, véus sobre a cara e outfits provocadores, a atitude punk, os refrões pop e as letras de humor certeiro não deixaram ninguém indiferente. 1755 foi lançado há já um ano mas ainda vão todos a tempo de o descobrir. Não se vão arrepender.
Tentámos depois fazer uma visita ao Capitólio para prestar a devida reverência a Allen Halloween, mestre da palavra do hip hop nacional. Não conseguimos apanhá-lo mas quem conseguiu falou de uma sala cheia a debitar os temas de uma ponta à outra. Parece que o rap profundo das ruas de Odivelas já chegou ao mainstream, e ainda bem.
Voltámos à garagem da EPAL – sala com a melhor password de Wi-fi de todo o festival, já agora – e provámos que 1986 é um grande disco também em palco. Benjamim e Barnaby Keen fizeram a festa, do pop ao psicadélico com refrões cantados por uma garagem cheia e um tema que faz toda a gente puxar dos pulmões. Terra Firme é uma das canções do ano, só é pena que a letra ainda seja tão atual.
Acabámos no Coliseu, todos. Os indies, os hipsters (ainda os há?), os alternos, os do hip hop, os do gin e os da imperial, os da guest list VIP e os que contam os trocos, os estrangeiros (parte pequena mas significativa do público deste edição do festival) e os portugueses. Acabámos todos a dançar com o Hypersex de Moullinex, a seguir todas as dicas da Da Chick, a soltar “wows” aos passos de dança do nosso novo anfitrião favorito (Ghetthoven até teve direito a green screen na lateral do Coliseu, para que a performance filmada integrasse as imagens projetadas no ecrã ao fundo do palco), a dar forças ao nosso novo baterista favorito (Diogo Sousa temeu não conseguir acabar o concerto, mas o amor venceu a cãibra), a deixar-nos seduzir pela preciosa contribuição dos Best Youth e da sua Catarina Salinas, a acompanhar coreografias, a querer ser punk e disco ao mesmo tempo, como o Xinobi. Acabámos todos a celebrar o amor, como tem de ser: em festa.
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