Bons Sons 2014: soube-me a pouco. E a tanto! – A reportagem no último dia.
No dia 17 de Agosto, em Cem Soldos, foi domingo no mundo – como diz uma das músicas do Sérgio Godinho, que atraiu festivaleiros de todas as idades a um dos concertos mais marcantes da sexta edição do Festival Bons Sons.
Talvez tenha sido o dia mais quente dos quatro – de tal forma que à noite nem foi preciso recolher ao agasalho. Talvez tenha sido o dia do qual irei trazer mais memórias, como aquela frase trocada entre um casal de namorados “vai-te borrifar, amor”.
Começo por destacar a experiência do Concerto para Olhos Vendados, com Luis Antero, no interior da Igreja de São Sebastião. O desafio é parar para ouvir, sem ver. Luis regista e grava momentos no campo e (re)constrói essa paisagem num ambiente onde, desligados do quotidiano, somos desafiados a ouvir, a escutar, a atender ao som, por si. Uma experiência desafiante, uma espécie de exercício meditativo. E o facto de ter acontecido no seio de uma igreja atribuiu-lhe um carácter ainda mais especial e único.
À saída da igreja o público esperava pelo colectivo Sopa de Pedra. Nas sombras possíveis do recinto, pais, filhos e avós aplaudiram e acompanharam com palmas este grupo vocal feminino, oriundo do Porto, que interpreta e (re)cria temas da música tradicional portuguesa. A descoberta deste grupo constituiu um dos momentos mais refrescantes deste Festival e teve como momento alto a partilha do palco com Amélia Muge, para interpretar o tema Pastorinho. Este momento de partilha repetiu-se à noite, quando Amélia subiu ao palco Giacometti para o seu concerto. A felicidade era visível em palco, e todas elas apresentavam aquilo que Sérgio Godinho chama de “brilhozinho nos olhos”.
O jantar da equipa dos Horários dos Festivais – entenda-se, eu própria e eu mesma – teve lugar no Le Moustache Sir, onde foi possível provar verdadeiras especialidades no caco, bem como crepes verdadeiramente gulosos. Foi também neste espaço que encontrei uma voluntária do Festival que me agraciou com o Bolo dos Santos, uma especialidade regional que é normalmente confeccionada por altura do 1 de Novembro. Tudo começou com uma pergunta: “A senhora sabe dizer-me onde é que eu posso encontrar o Bolo dos Santos?” – e a resposta foi: “Sei sim” – e ao mesmo tempo, abre o saco e oferece-me um bolo, que ainda estava morno e que serviu de reforço alimentar pela noite dentro.
No final da tarde, António Chaínho subiu ao palco Giacometti para partilhar com o público a sua arte e o seu saber no que à guitarra portuguesa diz respeito. O palco foi partilhado com excelentes músicos e contou ainda com a presença de Filipa Pais e Ana Vieira, que deram voz a músicas que encheram a alma daqueles que ali estavam. Ao contrário do que aconteceu nalguns concertos, o público estava efectivamente em silêncio para ouvir e apreciar. No final, o Mestre tocou um tema inédito, que fará parte do próximo trabalho, a editar no próximo ano, a propósito dos seus 50 anos de carreira.
Um dos concertos mais aguardados do dia era o de Sérgio Godinho. Autor, compositor e cantor, falar do autor de A noite passada é falar de liberdade, de ideais, de poemas, de encontros de gerações, de palavras que se cruzam e se encontram – sem nunca se atropelar. Sérgio Godinho foi o protagonista de uma queda do palco, da qual rapidamente recuperou, tendo regressado ao palco para nos brindar – com vinho e com músicas que fazem parte do imaginário colectivo dos apreciadores de música portuguesa.
No palco Lopes Graça, em letras gigantes, podia ler-se LIBERDADE. No recinto, bem no centro da aldeia de Cem Soldos, podia sentir-se a liberdade de poder cantar, beber, sorrir e celebrar a música portuguesa, nas suas mais variadas expressões. É este o espírito do Bons Sons.
Viver esta experiência de Festival é verdadeiramente única: senti-me em casa, na minha própria aldeia. Encontrei pessoas que aparentavam ter idade de serem meus avós, malta da minha idade e festivaleiros de fralda – com as devidas protecções auriculares. Sentia-se no ar um ambiente super descontraído, onde todos partilhavamo mesmo sentimento: estamos aqui para nos divertir e para celebrar a música portuguesa. Independentemente dos nossos gostos, da roupa que vestimos, da nossa profissão – todos nós podemos ser quem somos, tal como no Bairro do Amor, do Jorge Palma, sem que ninguém nos leve a mal.
Escrevo este artigo a partir daquele que foi o meu “posto de comando” para a redacção dos artigos: o Café Santa Íria, um espaço emblemático da cidade de Tomar, onde fui acolhida com muita simpatia. Entre o atum no caco, os crepes, a cerveja fresca na caneca e as saladas do Santa Íria, é com gosto que planeio o regresso a casa , certa de que trago alguns quilos (de bons sons) a mais. Quilos daqueles que não engordam, que não acusam na balança – apenas no coração e na alma.
Até 2016, Cem Soldos.