29 Ago 2024 a 31 Ago 2024

Apontamentos Meo Kalorama & Gossip: hinos que ecoam na alma até hoje!

Apontamentos Meo Kalorama & Gossip: hinos que ecoam na alma até hoje!

Os Gossip, estão de volta aos palcos após uma longa pausa! No primeiro dia do Meo Kalorama, presentearam-nos com um concerto que foi muito mais do que uma mera reunião. Foi uma celebração da vida, do amor, da luta e da resiliência, tudo embalado por um rock visceral e pulsante. Contudo, temos algumas anotações a fazer antes de te contarmos como foi…

Em apenas três edições, o MEO Kalorama, sediado no Parque da Bela Vista, consolidou-se como a terceira força comercial de grandes festivais em Portugal, reunindo multidões que só são superadas pelos gigantes NOS Alive e Rock in Rio (este último, que durante anos também fez história neste preciso parque). Além de proporcionar momentos de lazer e entretenimento para o público, este novo festival contribui significativamente para a economia local, gerando empregos e movimentando milhares de euros.

Por outro lado, vem saturar um mercado musical português que já está bastante capitalizado. Reciclando bandas e artistas internacionais, que na sua maioria pisaram terras lusas nas últimas temporadas festivaleiras. O que, do ponto de vista económico, acaba por ser uma jogada de génio da parte da sua promotora Last Tour. Assim, consegue reunir várias camadas diferentes de público, que é difícil catalogar como um só. O problema, é que esse preciso público acaba por não lhe ser completamente fiel e incendeia as suas redes sociais de duras críticas devido a cancelamentos como The Smile e à falta de clareza comunicacional do festival. Afinal, garantiram que estavam a trabalhar numa substituição à medida, mas depois foram incapazes de comunicar de forma clara que não o conseguiram fazer. E isto seria perfeitamente mais percetível e melhor recebido por todos, se fosse explicado de forma cuidada que à última da hora conseguir bookings que são feitos com mais de um ano de antecedência às vezes, nem sempre é possível.

Sob a ótica de utilizador, é também crucial corrigir alguns pontos organizacionais e estruturais. O sistema de pulseira cashless é uma excelente ideia, exceto quando cria uma fila de 3km para a troca do bilhete diário pelas mesmas. E embora existissem pontos antecipados de troca, nem todo o seu público é de Lisboa e pode fazer isto antecipadamente. Mas o ponto fulcral continua a ser a falta de qualidade sonora dos 3 grandes palcos. Não são falhas que podem ser chutadas para os técnicos de som como de costume, são mesmo estruturais. A geometria simples e plana dos palcos prejudica significativamente a qualidade do som. A ausência de elementos curvos e difusores, como os presentes em palcos com design mais elaborado e abobadados, compromete a dispersão homogénea do som, gerando áreas de sobreposição e zonas de sombra acústica. Isso afeta a clareza da música e da fala, diminuindo a experiência do público. É necessário adotar soluções mais sofisticadas, como o uso de materiais absorventes e difusores não só nos palcos mas até à volta dos mesmos (pois temos de considerar que o vento e as suas diversas direções, também são um fator de influência), e até mesmo criar uma melhor simulação computacional do ambiente, para tal. Ao investir em projetos acústicos mais elaborados, é possível garantir um som de maior qualidade e uma imersão mais completa do público na performance musical. – Num festival destas dimensões, isto é fundamental. Embora tenhamos de reconhecer que os custos associados a estas mudanças serão elevados e nem sempre viáveis.

Mas vamos lá ao que interessa: a música.

Diante da impossibilidade de compartilharmos uma galeria de fotos que fizesse jus à energia do festival, optamos por destacar uma atuação por dia, em vez de fazermos uma review geral como de costume. Mesmo assim, é de enfatizar que artistas como Ana Lua Caiano, Loyle Carner, Peggy Gou, Filipe Sambado, entre outros, apresentaram-se de forma bastante concisa, provando que a música é mesmo a linguagem universal da emoção. Já Vagabon foi uma artista que, infelizmente, tivemos de deixar pelo caminho, devido à sobreposição de horário com o nosso grande destaque deste artigo.

Todavia, as joias da coroa para melhores concertos ficaram a cargo de Massive Attack e Sam Smith. Massive Attack foram mais do que um espetáculo, mas sim uma completa performance de arte em todos os seus níveis. Já Sam Smith é um apontamento positivo sem grandes surpresas, visto que ainda há um ano (também num festival lisboeta) nos brindou com um sagrado concerto de que ainda retemos memória.

Mas Gossip leva-nos o coração. Não só pelo tremendo alcance vocal da sua vocalista, mas por toda a sua história musical. Para muitos de nós, queer teens na primeira década do século XXI, foi uma lufada de ar fresco: não só ter uma mulher no indie rock e dance punk que não cedia aos padrões uniformes de beleza, como também era assumidamente queer. A representação naquela altura era mais preciosa e necessária de destacar do que agora. E usando uma expressão muito portuguesa: Beth Ditto “caminhou”, para que muitas artistas neste momento consigam “correr”.

Ainda o sol raiava no Palco San Miguel, e Beth entrou em cena relembrando o cancelamento de Fever Ray:

I was fucking destroyed when I found out Kevin was sick. He’s the reason I’m here. Now, it’s you!”

OUCH! Contudo, se nos relembrarmos dos apontamentos da nossa Teresa Colaço na última passagem da banda pelo país, percebemos a pertinência do comentário.

A setlist, cuidadosamente escolhida e sem fugir ao que tem sido nesta tour, foi uma verdadeira jornada pela história da banda. Começamos com o explosivo Listen Up!, um chamado à atenção que nos preparou para a catarse que viria. Seguindo-se de Four Letter Word e Act of God, reafirmando o poder da música para expressar o inexprimível. A partir daí, a banda conduziu-nos por uma montanha-russa emocional, com momentos de pura euforia e outros de profunda melancolia.

Love Long Distance toca sempre bem no fundo da alma, revelando a vulnerabilidade por trás da persona rock n roll de Beth Ditto. E o hino gay de Yr Mangled Heart foi primeiramente dedicado a toda a sua audiência LGBTQI+. De seguida, a intensidade aumentou com Men in Love e Move in the Right Direction, que ecoaram por todo o Parque da Bela Vista, apesar de estarem confinados a um palco secundário.

A segunda metade do concerto foi marcada por uma crescente tensão. Turn the Card Slowly e claro, a icónica Heavy Cross levaram-nos a um ápice pungente, culminando com a épica Crazy Again. A canção Real Power, um dos singles do novo álbum, mostrou que Gossip continuam relevantes e capazes de nos surpreender. E tem um poderio e alcance ao vivo, até bastante superior ao de streaming.

Para finalizar, não faltou Standing in the Way of Control. O grande hit, que os projetou para o mainstream em 2006, soou ainda mais poderoso ao vivo, servindo como um lembrete do legado deixado por este grupo norte-americano.

A voz inconfundível de Ditto, com toda a sua potência e emoção, foi a alma do concerto (nada que não fosse de prever). Mas também a sua presença no palco era magnética, cativando a todos com uma excelente energia e carisma. Entre canções, entretém-nos com tentativas de piada, mudanças de roupa e até um icónico arrancar de todas as extensões de cabelo, violentamente atiradas aos chão. Por sua vez, a banda, completa, coesa e com novos elementos, acompanhou-a com maestria, criando um som denso e envolvente, apesar da falta de potência sonora dos equipamentos difusores que acima já referimos.

Este concerto foi muito mais do que uma simples reunião. Foi um momento de ressignificação, onde as canções ganharam novos significados à luz da trajetória pessoal e artística de cada um de nós (dos que estavam atentos pelo menos). Foi uma celebração da vida, da diversidade e do poder transformador da música. No entanto, já se sabe que os grandes festivais nem sempre têm o público mais atento e adequado para atuações que não são cabeças-de-cartaz. Mesmo assim, grande parte da plateia mostrou-se entusiasmada (aqui, tentamos ignorar o típico falatório que tem sido uma queixa recorrente) e deixaram que os Gossip provassem que ainda têm muito a dizer e que o seu lugar na história do rock está mais do que garantido.

 

 

Ana Duarte  

Consultora Musical na Fonograna e fundadora da webzine CONTRABANDA. Estudou Music Business na Arda Academy e Línguas, Literaturas e Culturas na Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Tinha uns pais melómanos que a introduziram a concertos/festivais, ainda tinha ela dentes de leite. 3 décadas depois, aproveita para escrever umas coisas no ponto de vista de espetador melómano (quando a vida de consultora musical lhe permite).


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Mais sobre: Ana Lua Caiano, Filipe Sambado, Gossip, Loyle Carner, Massive Attack, Peggy Gou, Sam Smith


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