Aerosmith no MEO Arena: E depois do adeus? A idade não lhes pesa e não queremos que acabem
Se 2016 foi um ano menos bom para o mundo da música, 2017 está a ser muito rico para os portugueses adeptos de rock n’ roll old school. Depois do regresso em grande dos gigantes Guns n’ Roses no início do mês, eis que na noite de 26 de junho foram os igualmente enormes Aerosmith que esgotaram o MEO Arena para um incrível concerto de despedida dos palcos.
Dezoito anos depois de terem atuado pela última vez em Portugal (em 1999 no Estádio Nacional para o festival T99), os rockeiros norte-americanos, que chegaram a ser conhecidos como os Bad Boys From Boston, voltaram a levar para casa a recordação de uma ovação estonteante por parte do público luso na digressão que assinala a sua despedida “Aero-Vederci Baby!”.
Poucos minutos antes das 22h00, e depois da atuação dos ingleses RavenEye, que vieram apresentar o seu hard rock cheio de estilo do álbum “Nova”, do ano passado, eis que o videowall começa a provocar arrepios aos fãs mais antigos que reconhecem com facilidade as capas dos muitos discos, de vinil e dos que já conhecemos em CD, que começaram a desfilar ao som daquela que é talvez a mais emblemática composição de Carl Orff – o Fortuna.
Muito bem humorada, a banda de Oli Brown, RavenEye, garantiu, por certo, novos fãs em Lisboa, já que, ainda com mais gente fora do recinto que dentro, muitas foram as cabeças a acompanhar a batida do grupo que admitiu ser fortemente adepto do estilo dos veteranos da noite.
Considerada uma das últimas grandes bandas de rock a tocar ao vivo com os membros originais, o quinteto de Steven Tyler não mostrou quaisquer sinais de cansaço e deu tudo e mais que houvesse de si mesmos num espetáculo memorável. Como se quer que sejam as despedidas: em altíssima. Tyler e Joe Perry foram as duas figuras que começaram por se destacar ao som de Let the Music do the Talking, o tema escolhido para abrir os concertos da digressão atual.
Desta feita, e apesar de tantas vezes haver queixas do som do MEO Arena, percebeu-se logo que o som estava “limpo” e perfeitamente ajustado ao que se esperava da noite de segunda-feira. Simpático, divertido com os trejeitos de meio louco que sempre o caracterizaram, o homem da boca grande mostrou ter uma simpatia do mesmo tamanho: “Olá Lisboa!” gritou, atirando para a plateia os óculos de sol com que subiu ao palco.
A idade, apesar de todos eles já terem passado a barreira dos 60, não se sentiu em momento nenhum e para quem ainda não tinha tido oportunidade de ver os Aerosmith por cá, esta foi, sem dúvida, a consagração de tudo o que de bom o grupo nos deu, principalmente nos muito ricos e frenéticos anos 80 e 90. Apesar das muitas colaborações, dos lamentáveis episódios envolvendo drogas, e, mais recentemente, de um álbum talvez excessivamente “fora da caixa” de Steven Tyler em modo country, tudo nesta noite estava no tom certo e os bad boys não guardaram na gaveta os temas que os popularizaram: Rag Doll, de “Permanent Vacation”, de 1987, deixa o público completamente eufórico, ainda que mal estejamos a fazer o “aquecimento”.
Em Livin’ on the Edge, de “Get a Grip”, de 1993, a surpresa vem também pelo que vemos no ecrã gigante onde uma moldura de fogo vai ardendo durante o tema, até se desvanecer em fumo.
Com Tyler a puxar pelas filas de frente, que têm direito a ver de perto o seu microfone a incitá-las a cantar, ainda se ouve a atrevida Love In An Elevator com a deliciosa e sorridente cumplicidade entre Tyler e Perry a fazer-se notar. Interessante verificar como essa amizade ou lá o que seja que une os grandes músicos é também ponto assente entre Mick Jagger e Keith Richards, dos Rolling Stones, e de Jon Bon Jovi com Richie Sambora (em tempos idos, é certo).
A seguir vem a canção de 1997 Falling In Love (Is Hard On The Kness) a provar que o cantor mantém inalterados os divertidos tiques que o tornaram famoso como as unhas pintadas (e a marca de um beijo com batom pintado no rosto), as roupas excêntricas em que nada bate certo com… nada, o tripé de microfone carregado de fitas coloridas e até os icónicos passos de dança. Faz-nos rir e recordar, que é tudo o que se pretende de uma banda desta envergadura e com esta história.
O MEO Arena “morre” um bocadinho quando chegam as versões, a começar pelos Fleetwood Mack em Stop Messin’ Around e Oh Well. Há quem os critique pelo número de versões que interpretam na digressão de despedida (além de Fleetwood Mack, mais à frente ainda há Beatles, Come Together, e James Brown, Mother Popcorn) mas, vá lá… todos sabemos que não é por falta de repertório e, além do mais, James Brown “assenta-lhes” a matar e a versão dos Aerosmith de Come Together passa toda a energia que a música sugere.
Sweet Emotion de “Toys in the Attic”, de 1975, e I Don’t Want To Miss a Thing, que se popularizou enquanto tema da banda sonora do filme “Armageddon”, de 1998, acalmam um pouco para deixar brilhar a harmónica de Tyler (o blues não foi esquecido), que pede a alguém na plateia um chapéu que lhe assenta mesmo bem, além de se poder contemplar todo o brilho dos solos de Joe Perry que troca mais vezes de guitarra que Jennifer Lopez de roupa (e são muitas!!!). Longe parecem estar os problemas de saúde que também afetaram o guitarrista.
O baterista Joey Kramer, discreto mas com uma presença muito agradável, completou todo este quadro de magnificência com Tom Hamilton também a ter direito ao seu momento de ribalta.
Cryin’, de “Get a Grip”, de 1993, traz a doce memória dos anos de ouro da MTV e provoca a reação generalizada de toda a power ballad que se preze: telemóveis a substituírem os isqueiros, beijos e risinhos apaixonados entre os casais de todas as idades e muita e irritante selfie a dois. Bom, tudo é perdoado quando se trata de uma “grande música”, como é o caso desta que, no final, para abruptamente à ordem de Tyler para… um arroto! Foi a deixa para mais um momento de explosão, de diversão e euforia entre os fãs com Dude Looks Like a Lady. E mais paródia a rodos entre todos os membros da banda que, à vez, vão procurando a grande ventoinha da frente de palco para se refrescarem e exibirem corpos e cabelos grandes.
Duas horas volvidas e apercebemo-nos que o espetáculo está a chegar ao fim com o encore. Palco escuro, roadies a trazerem para a frente um piano branco com as inevitáveis marcas do tempo (e alguns pontapés rockeiros, por certo). “Vocês são lindos”, diz o vocalista no seu regresso, agora com um casaco de franjas. “Disse bem?”, remata. Sai Dream On com Perry a fazer um último momento de “deixar tudo de queixo caído” enquanto faz um solo em cima do piano. Segue-se a Mother Popcorn, de James Brown, e, last but not the least: Walk This Way a garantir que estes mais de 40 anos de carreira dos Aerosmith ganham nota positiva. Sem segredos, sem subterfúgios. Podiam era renunciar às luzes da ribalta daqui por mais uns anos…
Fotos: Everything is New / Alexandre Antunes