A velha glória e a mais recente promessa, no Bons Sons celebrou-se tudo
O derradeiro dia de Bons Sons resumiu bem o ideal desta aldeia. A lenda que é Lena D’Água juntou-se à jovem promessa Primeira Dama para oferecer um dos concertos mais felizes de todo o festival, enquanto Dead Combo e Linda Martini provaram que o culto ainda tem muito por onde crescer. Luís Severo merecia um palco maior.
A despedida da aldeia é sempre triste. Durante quatro dias, vivemos imersos num espaço e num ideal único. O carinho pela música portuguesa, a sensibilidade ecológica, o respeito pelo outro (que em Cem Soldos são senhoras à janela, crianças que brincam em todo o lado, cães que furam a plateia durante os concertos). É difícil voltar a pensar na azáfama do dia-a-dia quando ali tudo parece demorar mais tempo – menos os concertos, esses parecem voar. O último dia de Bons Sons já carrega em si uma certa nostalgia, mas também a responsabilidade de acabar em grande e aproveitar tudo até ao fim. O cartaz para este domingo prometia uma despedida em grande e foi mesmo isso a que tivemos direito.
Todos os anos a programação do festival procura oferecer a maior variedade possível em termos de géneros musicais. Desde a música tradicional à experimental, do hip hop à electrónica, do rock mais exigente ao pop mais orelhudo, tudo tem espaço no Bons Sons. Mas para além da apresentação de novos projectos e de outros mais consolidados, tem havido sempre o resgatar de alguns nomes mais históricos que acabam por integrar o cartaz ao lado de novos nomes da música nacional. A presença de Zeca Medeiros este ano é exemplo disso, mas exemplo maior foi o espectáculo de encerramento do palco Lopes-Graça este domingo. Lena D’Água conheceu Manuel Lourenço (que em palco responde por Primeira Dama) há uns anos, quando este lhe pediu um autógrafo e sugeriu um dia trabalharem juntos. Na altura, o autor de Histórias Por Contar tinha 18 anos. Em Cem Soldos tocaram pela terceira vez juntos. Uma história curiosa que juntou uma lenda da música pop portuguesa a uma das mais promissoras vozes da cena lisboeta. Primeira Dama integra a editora Xita Records (cuja banda acompanhou o concerto deste domingo) e apresentou temas como Rita ou Mariana intercalados com os velhos êxitos da eterna voz de Sempre Que o Amor Me Quiser. Êxito maior que não fez parte do alinhamento, ao contrário de Jardim Zoológico, Carrossel, Dou-te Um Doce e Perto de Ti. Na plateia, cada tema de Lena D’Água era recebido com entusiasmo principalmente pelos membros de gerações bem mais recentes, provavelmente da mesma idade daqueles que a acompanhavam em palco. Um encontro muito feliz entre músicos e público, que ovacionou a diva de voz doce como tinha de ser.
Antes desse encontro houve outro bem feliz também. Os Dead Combo regressaram a Cem Soldos 8 anos depois para apresentarem o mais recente Odeon Hotel. Com a já habitual banda de apoio (sopros, contrabaixo e bateria), o duo trouxe maioritariamente temas novos mas não deixou de passar por clássicos como Esse Olhar Que Era Só Teu, Lusitânia Playboys ou a incontornável Lisboa Mulata. A presença de Pedro Gonçalves em palco foi muito celebrada (o guitarrista tem sido forçado a falhar alguns concertos devido a doença) num concerto marcado pela simbiose entre os músicos em palco e o público presente. Nada de novo para uma banda que já se tornou um marco histórico da música nacional. Mais tarde, outro grupo de culto provou o estatuto merecido. Quando os Linda Martini subiram ao palco Zeca Afonso já a plateia ocupava quase todo o espaço disponível – sem surpresa, já que eram muitas as t-shirts da banda avistadas pela aldeia durante o dia. Sim, têm álbum novo, e foram principalmente os temas do último e homónimo disco a soarem pelo olival (Boca de Sal e Gravidade as mais festejadas), mas são temas como Cem Metros Sereia ou Amor Combate que realmente puxam o arrepio e continuam, ainda hoje, a fazer dos Linda Martini um caso muito sério. Souberam crescer e experimentar sem perderem a identidade, e se entre os fãs as opiniões sobre os últimos três trabalhos são díspares, a verdade é que há coisas indiscutíveis: o facto desta banda ser dos nossos maiores tesouros é uma delas.
Por falar em tesouros, não podemos deixar de falar da pequena raridade que passou pelo palco Giacometti ao final da tarde de domingo. Onde quer que vá (e este ano já o vimos esgotar um Musicbox, calar um Coliseu e espantar a chuva no NOS Primavera Sound) tem uma plateia imensa a acompanhar cada tema sem falhar uma letra, e ainda assim parece sempre surpreendido por isso. Luís Severo trouxe banda para testar vozes na plateia (Ainda É Cedo, Escola, Boa Companhia, Olho de Lince) e aconchegar corações (Amor e Verdade, Meu Amor, Lábios de Vinho). Uma promessa que é cada vez mais certeza e da qual só podemos esperar coisas boas. Tendo em conta o quão a abarrotar estava o largo S. Pedro durante o seu concerto, diríamos que merecia um palco mais proporcional ao seu talento. Antes, no mesmo espaço, Monday (a Catarina Falcão, das Golden Slumbers, ver fotos) apresentou o seu disco de estreia repleto de folk introspectiva e belos refrões. Gone, Learn e Change foram as canções mais bem recebidas.
202 artistas, 38.500 visitantes, os copos descartáveis
Chegou assim ao fim mais uma edição do festival Bons Sons, que este ano bateu o recorde de visitantes (estabelecido em 2014 com 38.000). Ao longo dos quatro dias, passaram 38.500 pessoas pela aldeia de Cem Soldos, que também recebeu 202 artistas que se espalharam por 57 espectáculos entre 8 palcos. Como sempre, o festival tem especial atenção à sua pegada ecológica e ao seu crescimento sustentável, tendo implementado este ano o uso de pratos de origem biológica, por exemplo. Ainda não há datas para a próxima edição do Bons Sons, mas certamente não faltarão razões para voltar a viver a aldeia em 2019.