“This is all we’ve got, we are all we’ve got” – os últimos dois dias de Primavera Sound Porto 2023

“This is all we’ve got, we are all we’ve got” - os últimos dois dias de Primavera Sound Porto 2023

As palavras de St. Vincent no final do seu concerto espelham a sensação com que ficámos na recta final de Primavera Sound: a música falará sempre mais alto que tudo o resto e por muita que seja a lama e a desorganização, o público do Parque da Cidade faz valer a pena cada concerto. Já sem a tão problemática chuva, os dois últimos dias de festival ficaram marcados pelo regresso em força das guitarras ao centro das atenções.

Na sexta-feira, o dia aqueceu com o veterano Pusha T a fazer as delícias de uma larga plateia repleta de devotos e com o hip hop, funk e soul de Nx Worries, projecto que junta Anderson .Paak e o produtor Knxwledge. Pelo meio, o regresso feliz de uns My Morning Jacket amadurecidos e um pôr-do-sol abençoado pelo incrível power trio que dá pelo nome de Built To Spill. E se no papel eram os Pet Shop Boys os cabeças de cartaz da noite, foi claro que quem roubou todas as atenções e conquistou todos os corações do Parque da Cidade foi na verdade St. Vicent. Não terá sido inteiramente justo o tratamento que o público deu à icónica dupla britânica, afinal, Neil Tennant e Chris Lowe já não tocavam em Portugal há largos anos e trouxeram um set em modo grandes êxitos. Mas quando arrancam a sua versão de ‘Where The Streets Have No Name’ – que colam a ‘I Can’t Take My Eyes Off You’ – e ouvimos alguém à nossa volta exclamar “não sabia que isto era dos Pet Shop Boys!” percebemos que, de facto, este não será o público mais adequado para os veteranos ingleses.

Mas foi St. Vincent, no palco Vodafone, que se fez estrela maior na noite de sexta-feira. Colina cheia e público com altas expectativas para receber Anne Clark e companhia fizeram que desde logo o concerto se tornasse especial, apesar do alinhamento não ter variado muito daquele que apresentaram no Verão passado no Passeio Marítimo de Algés. Há muita guitarra na música de St. Vincent mas a delicadeza pop nunca deixa de estar presente, num espectáculo de rock and roll sem espinhas mas com muita sensibilidade pelo meio. A certa altura, a texana desceu à plateia e deu as mãos ao público num acto de comunhão absoluta que resulta no melhor cartão de visita deste concertaço.

Ao mesmo tempo, a britânica Self Esteem trazia ao palco Plenitude o seu show pop sem ser vulgar. As letras de Rebecca Lucy Taylor ora são autênticas histórias ou refrães que merecem ser berrados com todo o pulmão. “Prioritise Pleasure” é a mensagem principal, e o povo presente – maioritariamente inglês, infelizmente – agradeceu o lembrete. Para fechar a noite, o rapper Central Cee bem tentou concentrar as atenções em si no palco principal mas foi Le Tigre, no palco Super Bock, que atraiu uma bela enchente. Tem tanto pop como punk e tanta felicidade como raiva, a música deste trio que não se cansa de fazer a festa enquanto relembra lutas necessárias, como o direito ao aborto e à autodeterminação. Quem já conhecia ficou satisfeito, os muitos que descobriram pela primeira vez saíram visivelmente surpreendidos. Já de madrugada, o reggaeton de Tokischa fez abanar tudo e todos no palco Plenitude e foram muitos os resistentes que ficaram colados ao palco Vodafone para duas horas de viagem com os Darkside.

No sábado, dia 10, foi o punk dos Pup e o pós-punk dos Yard Act a dar os primeiros sinais de vida ao público no Parque da Cidade. Mas foram os veteraníssimos Sparks que deram a maior lição quiçá de toda esta edição de Primavera Sound Porto 2023. Os irmãos Mael já não tocavam em nome próprio no nosso país há demasiados anos e se muitos dos que ocupavam o espaço do palco Porto àquela hora estavam apenas a marcar lugar para ver de perto outros artistas, todos os que se acabaram por juntar na plateia saíram rendidos aos dois séniores. Dos novos temas retirados de “The Girl Is Crying In Her Latte” (corrigido, por Russel, para The Girl Is Crying In Her Pingo, em homenagem ao seu novo café favorito – que descobriu no Porto) a clássicos como ‘This Town Ain’t Big Enough For The Both Of Us’ ou ‘When Do I Get To Sing My Way’, a dupla de LA provou porque é uma das mais icónicas e inconfudíveis bandas de sempre. Pena que Portugal não o reconheça o suficiente – a final da Champions era pelos vistos mais importante para muitos…

Enquanto os irmãos Sparks partilhavam quase cinquenta anos de canções no palco Porto, os nova iorquinos Nation of Language provavam ser a verdadeira revelação do festival. Na colina do palco Super Bock foram muitos os que se foram juntando para se maravilharem com o trio que navega algures entre o pós-punk e o techno-pop com perícia. Esperemos que voltem cedo. Já na outra colina, a do palco Plenitude, era um nome mais familiar que fazia as delícias dos presentes: Julia Holter é presença assídua em palcos portugueses e o público não faltou à sessão de melancolia meticulosamente orquestrada. Quem também vem sendo presença regular em palcos nacionais é Yves Tumor, que voltou a não desapontar com um dos concertos mais catárticos que o Parque da Cidade já terá vivido. Ao mesmo tempo, no entanto, a estreia da americana Halsey no palco principal do certame causava tanta indiferença como histeria.

Era muita a juventude que esperou lá na frente do palco Porto todo o dia para ver bem de perto Halsey mas era também muito o público que circulava desinteressado cá atrás, na zona da restauração. Halsey – e seus fãs – terá sido traída pelo alinhamento do dia que lhe calhou na rifa, a ter de lutar por atenção de um público ansioso por nomes como New Order ou Blur. Nada contra a curadoria, até porque a descoberta de novos nomes e a diversidade de géneros musicais é uma marca deste festival, mas pareceu-nos que o espectáculo que Halsey oferece merecia melhor.

Por falar em merecer melhor, os New Order (e nós) mereciam um sistema de som que se aguentasse um espectáculo inteiro. Bernard Sumner e companhia eram claramente um dos nomes mais aguardados da noite, com a colina do palco Vodafone a ficar repleta como ainda não a tínhamos visto em toda esta edição. Até parecia o palco principal. O Machester City acabara de vencer o seu primeiro troféu europeu e a banda de Manchester mostrou-se disposta a levar a festa ao palco, com um alinhamento rigorosamente igual ao que apresentara em Barcelona mas com uma entrega e qualidade que não sentimos em Paredes de Coura, em 2019, quando regressaram a Portugal pela primeira vez em 15 anos. Talvez menos pressão histórica e um público muito mais receptivo tenham ajudado a isso, mas a verdade é que até chegar ‘True Faith’ os New Order vinham num crescendo viciante – ‘Regret’ abriu caminho e temas como ‘Your Silent Face’, ‘Bizarre Love Triangule’ e ‘Plastic’ foram aumentando a fasquia. Até que o PA rebentou no segundo refrão de ‘True Faith’ e a noite já não foi a mesma. Quando o som regressou às colunas do palco Vodafone já eram muitos os que faziam o caminho até ao palco Porto, onde os Blur iriam fechar a noite. Mas o sistema de som voltou a não aguentar o poder da reiniciada ‘True Faith’ e a banda saiu mesmo de palco por um quarto de hora, regressando só para finalizar um concerto que se foi abaixo mas não quebrou: ‘Blue Monday’ e ‘Temptation’ fizeram esquecer o desastre.

Os Blur tiveram de fazer compasso de espera até que os seus conterrâneos pudessem acabar o concerto no palco Vodafone, e já passavam da uma da manhã quando Damon Albarn, Graham Coxon, David Rowntree e Alex James subiram ao palco Porto. De regresso depois de oito anos sem concertos ou novos temas, os londrinos percorreram todos os êxitos – ‘Country House’, ‘Song 2’, ‘Parklife’ ou ‘Tender’ os mais celebrados – e trouxeram ainda algumas preciosidades como ‘Sing’ ou ‘Advert’. Ignorando por completo ‘The Magic Whip’, o belo disco que a banda lançou em 2015 depois do seu primeiro regresso aos palcos há uma década, Damon e companhia continua exímios na arte de fazer de simples canções autênticos hinos, mesmo que alguma da química em palco se pareça algo esmorecida. Albarn até parece sentir necessidade de puxar pelo público, por vezes, mas quando chega a altura de entregar as cordas vocais à causa, ninguém pode acusar o Parque da Cidade de não estar à altura: ‘The Universal’, como sempre, a fechar, é o momento maior e mais bonito desta visita dos Blur a solo nacional.

Da décima edição do Primavera Sound no Parque da Cidade ficam muitas dúvidas sobre a reorganização dos palcos e falta de comunicação de uma organização que nos habituou a muito melhor. De resto, os patrocínios de petrolíferas mascaradas de empresas verdes, a banca do idealista em plena crise habitacional na cidade e no país e o copo reutilizável que não pode ser devolvido e nem de facto reutilizado na próxima edição são sinais de um Primavera cada vez menos distinto e conhecedor do seu público e cada vez mais focado nos números. É importante realçar que sim, as filas foram largamente mitigadas e a distribuição pelo recinto de casas-de-banho e bares foi a aposta certa. O problema é que poderá ter sido a única. Esperemos pelas correcções que 2024 trará para perceber se o Primavera Sound Porto quer continuar a ser um festival especial ou passar a ser só mais um festival.

O Primavera Sound Porto regressa ao Parque da Cidade nos dias 7, 8 e 9 de Junho de 2024.

Nota: Nx Worries, Sparks e Halsey não se deixaram fotografar pela imprensa.

Teresa Colaço  

Tem pouco mais de metro e meio e especial queda para a nova música portuguesa. Não gostava de cogumelos mas agora até os tolera. Continua sem gostar de feijão verde.


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Mais sobre: Blur, Julia Holter, New Order, Self Esteem, St. Vincent

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