O segundo dia do Vodafone Mexefest Lisboa 2013
Se o primeiro dia do Vodafone Mexefest começou a passo lento, o segundo foi aproveitado e vivido de forma mais acelerada e intensa. A falta de calor humano na Avenida da Liberdade deveu-se exclusivamente à alteração da logística das salas de actuações. Com o Tivoli posto de parte, a grande concentração de pessoas era notória à porta do Cinema São Jorge e na rua do Coliseu dos Recreios. Só assim se justifica a lotação quase esgotada em todas as salas e o enorme frenesim que se viveu ao longo das duas noites nos Vodafone Bus, sempre cheios, sempre animados.
O segundo dia do festival começou cedo. Uma entrevista com a dupla Los Waves, na esplanada do Cinema São Jorge, e outra com os peixe:avião no Ateneu serviram de aquecimento para uma noite que prometia ser fria.
Mas pouco antes das 19h00 já estávamos de volta à sala Manoel de Oliveira, no São Jorge, para assistir a uma actuação exclusiva de The Legendary Tigerman que, em conjunto com a organização, ofereceu aos primeiros 150 fãs uma pequena sessão de oito curtas-metragens acompanhadas por arranjos musicais de suster a respiração. O Paulo Furtado é provavelmente o entusiasta do Super 8 que mais se destaca, porque compara a imagem com a sua música. A sua relação com o formato começou com o seu primeiro álbum como Legendary Tigerman, Naked Blues, lançado em 2001 e foi o fotógrafo André Cepeda que realizou em Super 8 o videoclip da música que dá nome ao álbum. O artista mostrou-nos que havia no gesto criativo de Tigerman um desejo de subversão do seu lugar no universo blues e rock’n’roll.
21h30, Coliseu dos Recreios lotado, galerias ocupadas, as pessoas inquietas. Daughter eram um dos nomes mais aguardados do festival Vodafone Mexefest e os britânicos corresponderam às expectativas. If You Leave é um disco emocionante carregado de melodias sensíveis e minimalistas, tal como a voz da vocalista Elena Tonra, que à segunda música disse num tom muito agudo «Thank you so much», mostrando ao público como estava emocionada e talvez surpreendida. O guitarrista Igor Haefeli não lhe ficou atrás e foi dos que mais interagiu com os fãs ao longo do concerto. Singles como «Youth», «Human» e ainda «Smother» levaram o público a dançar, a bater palmas e a cantar freneticamente, mesmo quando mostraram grande conhecimento e entusiasmo com as músicas «Love» e «Candles» o que deixou a banda muito admirada mas feliz.
Na mesma rua, espreitámos a banda Ciclo Preparatório na Casa do Alentejo e Sensi no Palácio da Independência. Se os primeiros se apresentam num estilo beto e nos dão a conhecer, aos poucos, a sua ambição pop moderna com músicas leves e inspiradas nos clássicos da música rock-pop dos anos 80, Sensi confirma-nos que nasceu mesmo para a música e ofereceu-nos uma noite ao ritmo do hip hop, R&B e Soul. Mas foi na Estação Ferroviária do Rossio que parámos para assistir ao cantor e compositor Silva. Era um nome muito aguardado na segunda e última noite deste festival de Inverno que se estreou com o álbum Claridão. Acompanhado por um baterista e sentado ao teclado mostrou ao público como a sua voz é contagiante e como as baladas «Cansei» e «Moletom», inundadas de genuidade, electrónica e romantismo exigem um movimento de anca bem ao estilo brasileiro.
Filas intermináveis à porta do Cinema São Jorge para assistir ao tão aguardado concerto do norueguês Erlend Øye. O artista dispensa apresentações e todos os elogios serão insuficientes, não fosse ele uma das metades dos tão estimados Kings of Convenience. Dono de uma voz exuberante, subiu ao palco com uma guitarra acústica e contagiou o público com a sua música pop, aventurando-se na electrónica dançável. Erlend Øye é bom de se ver e de se ouvir, porque faz-nos dançar e sorrir.
Sem rimas, voámos de imediato para o concerto dos peixe:avião, na sala do Ateneu Comercial de Lisboa, local onde os entrevistámos. A sala compôs-se aos poucos e os bracarenses não nos desiludiram com o novo álbum homónimo. Em conversa com o André surgiu naturalmente curiosidade em relação à componente visual dos concertos. A vontade de evoluir e redescobrir da banca é mais do que evidente e houve uma grande mudança do disco Madrugada para este recente – e a nível visual não nos desiludiram. Tela a preto e branco com dezenas de lâmpadas de luzes brancas e muito fumo fizeram com que a cenografia acompanhasse todo um trabalho heterogéneo feito à imagem de cada um. «Pele e Osso», «Ecos» e «Avesso» levaram o público a reconfirmar que os peixe:avião são uma das bandas do momento e que criaram uma produção muito mais sólida e segura.
De volta ao Cinema São Jorge, a sala Manoel de Oliveira encheu. The Legendary Tigerman é já uma lenda do rock’n’roll e levou o público a saltar literalmente para cima do palco para dançar e vibrar com ele. Acto que terminou em pouco tempo por ordens da produção, mas ainda assim os fãs de Paulo Furtado não se deixaram vencer e dançaram em pé, aplaudindo constantemente o tão estimado artista. «Do Come Home To Me», parte integrante do próximo trabalho a ser lançado no início de 2014, True, foi o arranque de um dos melhores concertos do festival Vodafone Mexefest. Tigerman não desiludiu, nunca desilude. O Homem-Tigre, vestido de fato preto, camisa vermelha, sapatos brancos e os míticos óculos que faz questão de nunca tirar, subiu para o palco desenhado ao pormenor e fez história. Naked Blues foi relembrado e acompanhado por uma das curtas-metragens já apresentadas da sessão especial, «com alguma nudez» avisou o artista. Com uma capacidade de coordenação incrível e invejável, Paulo Furtado dividiu-se entre guitarras, bombo e kazoo, misturando o rock e a electrónica. Mas a Lenda não se deixou intimidar e procurando surpreender ainda mais o público, apresentou-nos dois duetos. O primeiro com Rita Red Shoes que deu voz à conhecida «Wild Beast» e o segundo dueto com Filipe Costa, músico dos Sean Riley and the Slowriders que deslumbrou o público com a sua maravilhosa actuação. O Paulo Furtado apresentou-o como sendo a pessoa com o melhor par de mãos que conhecera e nós acrescentamos ainda o melhor par de pés. Filipe Costa deixou-nos boquiabertos e agarrados ao coração com tamanha prestação assim que se entrega às teclas para nos mostrar a força e energia da música «Green Onions». Legendary Tigerman aproveitou este concerto para apresentar o baterista Paulo Segadães que o acompanhará a partir de agora e arrebatou-nos com a demência de «Big Black Boat» e a sofisticação de «And Then Came The Pain». Mas o Homem-Tigre não se deixou ficar pelo palco e num misto de fúria divina, como tanto mostrou no seu Femina, saltou para a plateia e acabou em grande aos nossos pés (no nosso caso foi literalmente) mostrando mais uma vez como o rock’n’roll é feito de partilhas e de descobertas.
E assim terminou mais uma edição do Vodafone Mexefest, com a certeza de que para o ano será ainda melhor.