Muse no Passeio Marítimo de Algés: uma teoria brilhantemente exposta
Os britânicos Muse voltaram a Portugal para o concerto da digressão mundial de Simulation Theory, iniciada em fevereiro em Houston e que terá uma paragem de pouco mais de um mês após o espetáculo de Madrid a 26 de julho.
A anteceder a banda da noite, os convidados Mini Mansions e Miles Kane tiveram a oportunidade de mostrar um pouco do que valem ao público deste cantinho da Europa. Embora grande parte das atenções estivesse, entre as 19:30 e as 21:00 horas, mais voltada para aspetos práticos como as compras de produtos de merchandise e necessidades básicas, os dois projetos aproveitaram a pouco mais de meia hora colocada à sua disposição para cativar público por terras lusas.
Pelas 21:35, sob um céu nublado e sem estrelas, a constelação Muse subiu ao palco acompanhada de um aviso gigantesco projetado no fundo do mesmo: WE ARE CAGED IN A SIMULATION THEORY.
Estabelecidos os pressupostos conceptuais, a discussão da teoria tem início com Algorithm, que desde logo arrebata os muitos milhares de fãs reunidos no passeio marítimo de Algés. Inicia-se uma viagem por um ambiente próximo de uma realidade paralela que, de forma contraditória ou não, levanta questões sobre a verdade e o que queremos construir.
Com Pressure, Psycho e Break It to Me tornou-se clara a deia de um espetáculo grandioso a nível visual, com um aparato gigantesco em termos de luminotecnia e multimédia. Se é verdade que em recintos como este a esmagadora maioria dos espectadores fica refém de ecrãs, não é menos verdade que produções como esta quase nos fazem esquecer a distância e relegá-la para segundo plano.
Parte do público, sobretudo os imigrantes digitais, poderá ter-se inclinado a pensar se a música não estará um pouco subalternizada face a tantos recursos tecnológicos, mas eis que surge Uprising e todos a uma só voz afirmam convictamente que não se deixarão controlar They will not control us / We will be victorious. Este tema que é cartão-de-visita mas também hino e manifesto consegue mais uma vez aquilo que só a melhor arte consegue. Sabemos que a revolução não passa sequer por perto mas por alguns minutos, e sem que seja preciso grande esforço ou reflexão paira uma quase certeza de que a vitória é possível como é possível desmontar a teoria da simulação. Por outro lado…
Reflexões à parte, acreditamos que quem a meio da tarde iniciou a romagem em busca de um espetáculo inesquecível viu as suas expectativas largamente preenchidas. O trio composto por Matthew Bellamy, Christopher Wolstenholme e Dominic Howard fez desfilar quase três dezenas de canções numa superestrutura que, entre o aparato tecnológico, envolveu a presença de figuras evocativas de mundos imaginários como exosqueletos robóticos, soldados lançadores de fumo e um gigantesco robô insuflável que pairou sobre o palco quase no encerramento do concerto.
Contudo, o peso quase esmagador da tecnologia e da distância, sentida por quase todos e de sobremaneira pelos fotógrafos, forçados a permanecer numa régie localizada a dezenas de metros do palco foi contrabalançado pela música e, naturalmente, pelos músicos.
Nestas “duas horinhas a rasgar!”, como ouvimos dizer a um fã, aconteceram naturalmente algumas falhas técnicas e também apontamentos de boa disposição propiciados sobretudo por Bellamy com destaque para o momento em que iniciando Plug in promove um diálogo entre a guitarra e as vozes do público num jogo de pergunta-resposta. Houve muito espaço para a exibição do talento e experiência dos três executantes, com baixista/teclista e percussionista a terem a merecida visibilidade.
Para além do medley composto por Stockholm Syndrome / Assassin / Reapers / The Handler / New Born, o alinhamento contou com temas de todos os álbuns de estúdio (à exceção de Showbizz) e natural destaque para Simulation Theory, de que ouvimos oito temas.
Numa noite de reencontro entre a banda britânica e o seu público de longa data, seria difícil destacar pontos altos. Para além do já referido Uprising, que de alguma forma define a essência de Muse, o serão fez-se de momentos de comunhão.
As linhas finais desta intrincada teoria falam-nos de um deus que dorme em serviço; da urgência de recuperar o tempo perdido; de um tempo em que tudo é (finalmente) recuperável. Na proposta claramente política que os três músicos nos endereçam, somos convidados a libertarmo-nos da teoria da simulação, talvez seguindo as muitas dezenas de balões soltos ao som de Knights of Sydonia, talvez rumo a Marte, talvez rumo à vitória, com uma única certeza: a de que vivos não nos apanharão.