Melanie Martinez: Um renascimento etéreo e demasiado estridente
No passado dia 30 de novembro, Melanie Martinez regressou a Lisboa para apresentar o seu mais recente álbum, “Portals”, no Sagres Campo Pequeno. O concerto, que ficou a escassos bilhetes de esgotar, foi uma experiência sensorial completa que encantou, talvez demasiado, o seu público-alvo.
Melanie Martinez subiu ao palco acompanhada por uma banda de músicos e dançarinos experientes, sendo recebida com a ovação mais entusiástica e estridente que testemunhamos este ano. Esta nova-iorquina de 28 anos dispensa grandes apresentações. Afinal, todos sabem do seu começo de carreira no The Voice (USA) em 2012, e que fez as delícias das gerações mais novas com álbuns pop definidores da década como Cry Baby (2015) e K-12 (2019).
Agora, com Portals (2023), rompe com toda a imagem e estética associadas à mesma. Lançado no dia 31 de março, o disco conceptual explora os temas da morte, do renascimento e da espiritualidade. É dividido em duas partes: a primeira parte, “A Morte”, trata da morte da personagem Cry Baby, introduzida nos álbuns anteriores da cantora. A segunda parte, “O Renascimento”, segue a jornada de Cry Baby após a morte, enquanto ela busca um novo propósito na vida. Dessa parte, surge Ethereal, o alter-ego parecido com um sedutor Gollum rosa que agora aparece em palco, e em toda a comunicação deste último trabalho. Segundo palavras da própria:
Portals é sobre a morte, o renascimento e a busca por um novo propósito na vida. É sobre a morte da minha infância e a transição para a idade adulta. É sobre o crescimento e a maturidade que experimentei ao longo da minha vida. Os portais do título representam a possibilidade de novas oportunidades e novos começos. Eu acredito que todos têm a capacidade de se reinventar e de encontrar um novo propósito na vida. É uma mensagem de esperança e de resiliência. Eu quero que meus fãs saibam que, mesmo quando as coisas parecem difíceis, sempre há esperança de um novo começo.
Já a sua “nova” estética deambula entre um psicadélico inspirado na Björk, jogos de consola, festas de trance e contos de fadas da floresta. Surpreendeu os fãs quando surgiu com Ethereal no videoclipe “Death“, lançado uma semana antes de Portals. O nome significa “etéreo”, ou seja, “que tem uma natureza ou qualidade sobrenatural; que é sublime ou espiritual”. Esta personagem é uma representação da nova fase de Melanie, uma fase de crescimento e maturidade. Ela é uma mulher forte e independente que não tem medo de expressar a sua sexualidade. Ela também é uma artista criativa e visionária que está sempre a explorar novos conceitos e ideias. A máscara rosa que Ethereal usa é uma referência ao tema da dualidade, e representa a parte oculta da personalidade que não mostrou ao público até agora.
O concerto foi uma viagem pelos temas e sonoridades do novo álbum, que exploram, como acima referido, a morte, o renascimento e a busca por um novo propósito na vida. Martinez interpretou temas como “EVIL”, “VOID” e “WOMB”, que foram cantados em uníssono pelo público. Aliás, cantados não, foram mesmo gritados. É verdade que os concertos de Melanie Martinez são conhecidos pela energia da plateia, mas neste caso, o exagero chegou a ser irritante. Chegou a um ponto em que era impossível ouvir as músicas, e a única coisa que se ouvia era o barulho ensurdecedor dos gritos.
A única parte negativa do concerto foi mesmo esse público. Tudo bem que a maioria são da Geração Z e Alphas de tenra idade, mas estiveram literalmente aos guinchos do início ao fim. Não só berraram a pulmões abertos TODAS as canções, como entre elas guinchavam de contentamento, tornando a experiência para quem está mais habituado a concertos completamente ensurdecedora e desagradável. Há uns anos para cá, a pop tem sido abalroada por este comportamento pouco contido; tudo começou com os The Beatles e os famosos concertos que eram impossíveis de ouvir devido aos histerismos das fãs. Agora, estende-se a demasiados artistas pop, que não passam indiferentes a este comportamento virginal, como já foi o caso de Billie Eilish, Ed Sheeran, Taylor Swift, etc..
Apesar da parte negativa, o concerto teve muitos aspetos positivos. As letras das músicas de Martinez são poéticas e bastante metafóricas. Falam de temas complexos como a dor, o amor, a perda e o renascimento. Esta artista não tem medo de explorar as suas emoções mais profundas, e consegue fazer isso de forma honesta e genuína. Enquanto que os visuais do concerto foram mais simples do que em projetos anteriores, mas igualmente bonitos e eficazes. Os cenários estavam cheios de simbolismo para cada canção, e os efeitos especiais eram de última geração. Conseguiu criar-se uma atmosfera que era ao mesmo tempo hipnótica e perturbadora, transportando o público para o mundo fantástico da sua obra.
No final, a cantora e os seus dançarinos ergueram a bandeira da Palestina, uma LGBTQI+ e ainda a bandeira de Portugal. Foi um gesto simbólico muito aplaudido pelo público. E aqui, tiramos-lhe o chapéu; com tantas repercussões negativas que os norte-americanos têm tido pelo seu apoio público contra um genocídio, é de valor ver alguém tão jovem a bater o pé e a inspirar gerações com um pequeno gesto.
Este foi o último concerto desta etapa da tour, em 2024 completará um novo ciclo de apresentações, para depois fazer novamente um hiato de 4 anos. Esperamos que os seus fãs mais jovens tirem esse tempo para amadurecerem um bocadinho e aprenderem a saber estar em concertos sem terem de ir a decibéis que nos enrijassem os tímpanos durante uma hora 1 e 17 minutos…