Meco, Chuva e Rock & Roll – O 2º dia do SBSR
Caso tivessem inventado o provérbio «Festival molhado, Festival abençoado» teriam de alterá-lo para «A organização tem de estar preparada para todos e quaisquer imprevistos, minimizando os danos aos seus maiores críticos: o público». Bem sei que não rima, mas alterarem o concerto das 22h30 para as 03h00 não é de todo uma obra-prima. Nem chegou a ser obra.
O segundo dia do Super Bock Super Rock começou um pouco tímido. O sol do primeiro dia deu lugar a muito vento, do pó restou terra molhada, as nuvens voltaram e as temperaturas baixaram, mas os portugueses For Pete Sake conseguiram iluminar a tarde com a sua contagiante alegria e simpatia. Este sexteto alternativo apresenta-nos uma grande diversidade de géneros musicais que vão desde o folk, passando pelo rock, pelo indie e acabando na pop e na surf-pop. São uma banda com uma sonoridade e musicalidade algo invulgar, nas quais encontramos uma mistura da voz do Sting com os ritmos, batidas e sons dos Tame Impala ou dos Best Coast. Pedro Sacchetti (voz e guitarra), Concha Sacchetti (voz), Vasco Magalhães (bateria), Vitor Almeida (piano e teclas), Nuno Henriques (baixo) e Daniel Canete (guitarra) são de Lisboa e foram o primeiro grupo de novas bandas a actuar nos três principais Festivais. Primeiros a actuar no Palco EDP, conseguiram fazer música num formato tentacular, numa mistura que é a receita para os ritmos contagiantes e harmonias de voz bem trabalhadas. Têm ainda poucas músicas, mas cada uma é única, como se embarcássemos numa viagem inesquecível em canções como «Stains», «Got Soul», «Morning», «House» ou «Shooting Edge». Os irmãos Sacchetti são quem comanda o barco, mas a vocalista Concha desmarca-se dos restante elementos masculinos e assume-se com o seu estilo original e genuíno. As roupas descontraídas de cores vivas, o cabelo com aspecto juba enrolado num lenço que se solta na explosão de cada música, os movimentos livres e desprendidos que nos obrigam a dançar descomedidos.
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Pouco tempo depois, sobe ao mesmo palco o histórico guitarrista Joe Satriani. O público aglomera-se depressa para ouvir o seu rock dos anos 80, mas a mim não me surpreendeu. O norte-americano fez-se acompanhar por uma banda mais vistosa do que lustrosa.
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Do hard rock saltamos para o indie pop. Estreantes em Portugal, Cults foram a primeira banda a actuar no Palco Super Bock ao fim da tarde, para uma plateia que marcava lugar para o concerto de Eddie Vedder. A dupla nova-iorquina formou-se em 2010 e apesar de não serem uma banda de culto, como o próprio nome indica, vieram para ficar. Brian Oblivion e Madeline Follin usam e abusam dos sintetizadores e fazem um som pop ao estilo dos anos 60, com arranjos retro e românticos. As temáticas abordadas nas canções estão ligadas à juventude sónica que a banda tem e transmite. Ainda assim, o tema central é a individualidade e a forma como nos relacionamos com ela, passando por temas sobre o amor e as relações humanas como ouvimos nas canções «Oh My God», «Never Heal Myself» ou «Abducted», do primeiro álbum, Cults, do qual faz parte o single «Go Outside». Brian e Madeline apresentaram ontem o segundo álbum, Static, e mostrou que consegue fazer canções melodiosas com os vocais e com uma base sólida instrumental, sem que soem simplórias e passem despercebidas. Se anteriormente víamos um Cults mais energético, agora a receita é tida com uma bateria seca somada ao grave bastante presente para uma canção pop e o delicioso e encantador vocal de uma Madeline mais calma, mais doce, mais boneca. O segundo trabalho traz na medida certa, elementos para além do comum com inclusão de órgãos em «Keep Your Head Up», o vocal nos moldes de coral em «I know» e a carga mais densa de blues psicadélico em «Shine A Light» e «I Can Hardly Make You Mine», música que a vocalista dedicou aos Sleigh Bells. Deste modo, vemos uma banda a sair da sua zona de conforto e a animar uma plateia que se esforçou pouco.
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No início da noite fomos atirados aos leões para ouvir o lendário Tigre. The Legendary Tigerman subiu ao palco principal acompanhado por vários convidados e começou o concerto com «Love Ride», umas das suas melhores músicas com cordas sincronizadas. À primeira pinga de chuva surgiu um certo murmurinho no recinto e pensou-se mesmo que estaria tudo estragado, mas o público não arredou pé e preferiu ficar molhado. Já vi alguns concertos do Paulo Furtado e este esteve longe de ser dos melhores, mas a Lenda não se intimidou com a chuva e tocou diante de três microfones a «Walkin Downtown», do disco Masquerade, e a já clássica «Nacked Blues» que dá nome a um dos seus álbuns. Como já é habitual, tivemos direito a assistir ao dueto da noite, com o músico dos Sean Riley & Slowriders, Filipe Costa. Paulo Furtado apresenta-o sempre como sendo o melhor par de mãos que conhece e tocaram a «Green Onions», com o convidado nas teclas. O tempo não deu tréguas e a «Storm Over Paradise» foi tão intensa como a chuva, com Paulo Segadães a mostrar a sua força e entrega na bateria. «& Then Come The Pain», relembra-nos Femina, com a sua mais íntima sofisticação; «Do Come Home», o doce e delicado single do último álbum, True, cantado com dois microfones; e «Gone», o endiabrado segundo single, retrato de um disco sem filtro, ora festivo, ora sombrio. Paulo Furtado já é conhecido pela sua incrível e invejável capacidade de coordenação. Divide-se muitas vezes sozinho entre guitarras, bombo e kazoo, misturando o rock e a electrónica mas, com um quarteto de cordas, Tigerman dominou a chuva e o palco. Com a companhia de João Cabrita no saxofone, o performer Alex D’Alva e a cantora Ana Cláudia, A Lenda tocou «These Boots Are Made For» e «She Said», original de Hasil Hadkins, que compensou e completou a celebração do rock hedonista.
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O Palco EDP estava bastante composto à espera dos norte-americanos Sleigh Bells. Mas isso não aconteceu. Marcados para as 22h30, meia hora depois, Alexis Krauss sobe ao palco para explicar que o concerto foi adiado para as 03h00. O público, descontente e frustrado, não gostou e chegou mesmo a atirar com objectos em direcção à artista que se pronunciou com «It’s Crazy». Acontece que o Palco EDP é totalmente destapado e a organização, por questões de segurança, teve de arranjar maneira de o proteger e a adiar todas as actuações da noite, com Cat Power inicialmente marcados para a meia noite. Às 23h00 parte da zona da restauração foi vedada devido à queda de uma árvore, não provocando feridos. E a festa fez-se no palco principal, já sem chuva, já sem complicações.
Na Herdade do Cabeço de Flauta milhares de pessoas esperavam pelo tão aguardado cabeça de cartaz Eddie Vedder, mas foi Woodkid quem deu o melhor da concerto da noite. De volta a Portugal, depois de ter lotado o Coliseu dos Recreios em Novembro passado, no Vodafone Mexefest, o francês Yonnan Lemoine deslumbrou e conquistou com um concerto de neo-folk, misturada com pop sumptuosa, repleto de arranjos de cordas e metais. Woodkid une a sua voz com a estética cinematográfica e canta músicas como a apaixonada «I Love You», a grandiosa «Stabat Mater» e a instrumental «Volcano», do seu álbum de estreia The Golden Age. Todas as suas músicas são memórias e sentimentos de uma infância sentida e vivida, fixando com desenvoltura um capítulo da sua história pessoal, como ouvimos nos dois primeiros singles, «Iron» e «Run Boy Run», que finalizou o concerto. «Childwood», «The Golden Age» e «Ghost Lights» acabam por guiar-se pelas mesmas premissas – as canções majestosas, com muita teatralidade, algum melodrama e o tipo de empolgamento que caberia em qualquer produção cinematográfica contemporânea de cariz épico. São canções pop orquestrais imaculadas, com um toque tribalista que cabe bem no presente, com variações e oscilações entre o frenesim e climas mais tranquilos. Woodkid despediu-se com um dos melhores concertos do Festival Super Bock Super Rock, mas os milhares de fãs quase lotaram o recinto para ouvir o cabeça de cartaz Eddie Vedder.
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O norte-americano deveria ter começado a tocar à 01h00, mas os problemas técnicos sucessivos no palco secundário fizeram com que o concerto acabasse por começar uma hora atrasado. Coincidência ou não, o vocalista de uma das bandas pioneiras do movimento grunge, Pearl Jam, começou mesmo com o verso «The waiting drove me mad» da canção «Corduroy». Apesar de ter dois álbuns a solo – Ukulele Songs e Into The Wild – Eddie tocou dez músicas da banda de Seattle, destacando «Black», «Betterman» e «Immortality». Num concerto de duas horas e meia, entre 30 músicas, houve tempo para grandes e memoráveis duetos. The Legendary Tigerman foi o primeiro português a tocar com Vedder e, acompanhado pela sua guitarra eléctrica, tocam juntos «Masters Of War», de Bod Dylan. Muitos fãs com folhas levantadas nas quais aparecia a palavra Peace, Eddie tocou pela primeira vez em 20 anos de carreira a «Imagine» de John Lennon. Mais surpresas da noite estavam para acontecer. Cat Power, que havia tocado momentos antes apenas seis músicas no Palco EDP, sobe ao palco Super Bock para acompanhar Eddie Vedder na música «Tonight You Belong To Me», Ukulele Songs, voltando mais uma vez com a sua banda para cantar «Hard Sun». Com dois encores, o concerto terminou muito tarde com «Hard Sun». Foi bonito, mas não brilhante. A oportunidade de ver um bom espectáculo de Sleigh Bells em Portugal depois de seis anos de ausência não passou de pó para os nossos olhos.
Mafalda a tua reportagem espelha quase na íntegra o que se passou neste dia, ressalvando apenas um apontamento, os Sleigh Bells estiveram em Portugal em 2012 e apesar da desconsideração quase total por parte da organização desta vez, os 20/30 min que os deixaram tocar no palco EDP foram provavelmente um dos espectáculos com mais intensidade e entrega por parte da banda dos 3 dias de festival, na minha opinião.