Maria Gadú e Portugal alimentam paixão mútua – A reportagem no concerto do CCB
A compositora, cantora e autora brasileira Maria Gadú encheu o Centro Cultural de Belém, em Lisboa, na noite desta sexta-feira, 4 de março, para o muito esperado concerto de apresentação de “Guelã”.
O regresso de Maria Gadú a Portugal era muito desejado na medida em que, depois de ter sido adiado, o concerto no CCB estava envolto em muita expectativa. E justificava-se.
Ao terceiro álbum e com a chegada dos 30 anos, Maria Gadú parece estar a fazer uma viragem na sua orientação musical para se dedicar às sonoridades que, aparentemente, sempre gostou e que estão a fazer dela um dos nomes de referência da música brasileira da atualidade. Com menos violão e mais guitarra elétrica e bateria, a artista continua a fazer as delícias dos fãs portugueses com as letras que, em certos momentos, se aproximam mais da poesia dita do que propriamente da canção melodiosa. Não é por acaso que o mais recente disco tem influências tão variadas que vão de Caetano Veloso a Björk. Mas o cenário mental que nos cria, esse, assegura que o seu nome está definitivamente implantado entre nós.
‘Suspiro’, ‘O Bloco’ e ‘Ela’ foram as três primeiras da noite, a ilustrarem bem a essência de que “Guelã” se compõe. Além de vermos a cantora a tocar guitarra elétrica, no início do espetáculo são-nos logo apresentados os músicos que a acompanham na bateria, baixo e no violoncelo onde o jovem Federico Puppi mostra o quão na moda está este instrumento pela entrega que demonstra e que salta imediatamente à vista.
Muito aplaudida, Maria Gadú fez várias intervenções ao longo do concerto, sempre muito simpáticas e humildes, num crescendo que terminou de forma bem intimista e informal. ‘Bela Flor’ e ‘Escudos’ fazem o recuo até 2009, como exemplos tirados do álbum de estreia de Gadú, homónimo. Mas é com a lindíssima e profunda ‘Trovoa’ que o espetáculo quase se torna num confessionário: «Esta é a única canção do meu “velho novo álbum” que não é da minha autoria. É de Maurício Pereira, um nome da vanguarda paulistana, e foi a primeira canção que eu decidi gravar para este álbum. Mesmo que não conseguisse compor mais nenhuma, só esta já valia a pena um álbum inteiro».
Para aliviar a emoção, o concerto anima bastante daqui para a frente com ‘Altar Particular’ e ‘Lounge’ antes de assistirmos a mais um momento muito emocionante (sim, este teve direito a lágrimas e tudo), quando a brasileira chama ao palco a «imensa, maravilhosa e linda» Mayra Andrade para consigo cantar ‘Tenpu Ki Bai’. Muito amigas, as duas demonstraram publicamente o carinho que as une enquanto trocaram beijos e abraços no final da canção, a primeira a ter direito a subida do pano do palco, de forma a torná-lo mais leve. «Voltar aqui faz-me perceber que o nosso amor por alguns lugares se vai acumulando com tempo», diz Maria Gadú. Como se já não estivessem todos rendidos à sua atuação, há uma fã que ainda lhe grita: «És linda!» ao que ela responde, meio encabulada: «Sou legal, divertida, tenho uma camisa bonita mas, ‘pera aí, linda é outro assunto». Pelo meio dos risos continua o concerto.
O bem conhecido ‘Tudo Diferente’ é cantarolado pelo público e mistura-se com o mais recente ‘Tecnopapiro’ e ‘Ne Me Quitte Pas’, de Jacques Brel, novamente a mostrar uma exibição espetacular de Puppi num violoncelo pesado, duro, num som quase medieval, e volta a deixar Maria Gadú com os olhos brilhantes em nova confissão: «Naquele tempo em que estive doente, em que quase perdi a voz e deixei de fumar, cantava esta canção só para a Lua (n.r.: esposa de Maria Gadú). É uma alegria muito grande ter conseguido executá-la bem aqui».
‘Laranja’ ouve-se mais para o final e cria todo um imaginário de doce pôr-do-sol à beira de um mar calmo em tarde de verão.
“Guelã” significa gaivota e talvez tenha sido por isso que sentimos que o tempo do concerto passou a voar. O encore traz-nos ‘Dona Cila’, ‘Semi Voz’ e, apesar de ter advertido que não a ia cantar, Maria Gadú lá cedeu ao “bis” e acabou por interpretar o tema que a catapultou para o sucesso, embora se queira desmarcar dessa canção que compôs aos dez anos de idade: ‘Shimbalaiê’, já com o Centro Cultural de Belém todo em pé e um grupo de fãs a correrem para junto do palco para tocarem e abraçarem a sua artista de eleição que não se escusa a retribuir as atenções.
Terminou bem, correu bem e é assim que queremos acreditar que Maria Gadú se vai continuar a portar entre nós.