FMM: A primeira noite em Sines teve sons de tempestade e demónios
Após uma primeira parte em Porto Covo, a noite de ontem marcou o início do FMM nas ruas de Sines. Devemos confessar que chegar ao Pátio do Centro de Artes, onde decorreram os primeiros concertos da noite, foi um desafio deveras complicado: não só por causa das boas amizades e conversas que por aqui se cultivam e que nos demoram o passo, mas porque houve uma cachupa a atravessar-se no nosso caminho. Não, não foi uma cachopa, foi mesmo uma cachupa num pequenino restaurante cabo-verdiano ali paredes meias com o centro de Artes.
Um prato de cachupa e um copo de tinto depois (ok, foram dois…), dedicámos a nossa atenção aos concertos da noite. No Pátio das Artes, onde o acesso foi público e gratuito, atuou o projeto Ai!, que através de César Prata e de Suzete Marques revisitam a tradição musical e oral portuguesa, bem como a música medieval.
Logo de seguida, tempo para escutar Astrakan Project, oriundo da Bretanha, mas que acolhe no seu repertório sonoridades de influência oriental, mas sempre com uma raiz na tradição oral bretã.
O grande destaque da noite – no cardápio dos concertos, pelo menos, mas já lá iremos… – vai para Colin Stetson. O concerto deste norte-americano que vive atualmente no Canadá decorreu à porta fechada, mas se há coisa que a organização do FMM pensa é em tratar da melhor forma todo o público. Por isso, a rua que atravessa o Centro de Artes é, ano após ano, equipada com monitores e colunas, para que quem está de fora possa sentar-se tranquilamente no chão e absorver as sonoridades que acontecem no interior.
E, senhores, que sonoridades! Colin Stetson – que já colaborou com músicos como Arcade Fire, Tom Waits e Bom Iver – toca saxofone e outros metais, enchendo o peito de ar e a alma de todos nós. Fazendo uso da técnica da respiração circular, a riqueza polifónica da sua música causa tal assombro sonoro que se sente cada nota a bombar-nos nas artérias. Imaginem as ondas do mar, o vento num dia de tempestade, uma frota de barcos, o apito de uma fábrica, tudo isto reunido poeticamente no sopro hipnótico de um homem e no seu saxofone. Se não estiveram, tivessem estado.
O outro destaque da noite vai, não para um concerto, mas para a performance de dança e teatro ritual de Mudiyett, grupo proveniente da Índia e que envolveu mais de uma dezena de participantes com espantosas máscaras, tão belas quanto sinistras. O espetáculo, que estava inicialmente previsto decorrer na Avenida da Praia, foi mudado para o Castelo e inaugurou, assim, o chão sagrado do local onde nos próximos dias veremos muitos mais concertos. Os Mudiyett trouxeram ao público uma interpretação bastante interessante, não necessariamente pelos sons, mas pelo lado visual e interpretativo da mitologia hindu, representando a vitória do bem sobre o mal, a morte do demónio Darika às mãos da deusa Kali. Agora que o chão do castelo foi devidamente exorcizado, siga a festa!
Fotos: Mário Pires / C. M. Sines