FMM: Já passou e já estamos com tantas saudades!
E pronto. O FMM deste ano já lá vai, e ainda nos estamos a recompor do baque. Não é fácil. Foram nove noites de festival, de maravilhosas descobertas, de momentos emocionantes, de grandes empatias entre artistas e público e, mesmo com o corpo a pedir descanso, estamos desconsolados e com vontade de mais.
Foram intensos, os dois últimos dias do festival, com as ruas de Sines subitamente a encher-se muito mais do que nos dias anteriores. E de repente as muralhas do Castelo tornavam-se apertadas para tanta gente, como se tivesse havido um chamamento universal, uma qualquer energia cósmica a funcionar nestas noites.
A noite de quinta começou com os sons do cavaquinho de Júlio Pereira, instrumentista que dispensa apresentações e que deu o mote para o ambiente bonito que se viveria depois, até de madrugada. A estrela da noite foi, sem dúvida alguma, Gisela João, a fadista da nova geração que mais parece uma miúda de 16 anos a quem, por acaso, deram um vozeirão infindável. Gisela subiu ao palco com um vestido branco esvoaçante, mas acabaria por ir trocá-lo, para não ofuscar o público com as suas esbeltas pernas. Houve momentos de cortar a respiração, como uma inesperada versão de “Quero é Viver” de António Variações, e o assombroso “O Meu Amigo Está Longe”, que colocou muito homem feito a chorar. Sempre uma uma postura muito informal e carinhosa para como público, Gisela mostrou como o fado pode ser descomplexado e próximo dos corações de cada um de nós.
Seguir-se-ia o arménio Tigran, que há já um par de anos nos havia deixado embasbacados pelo seu virtuosismo ao piano. Desta vez acompanhado por banda, o concerto teve momentos intensos, mas o público repetente ficou com alguma sensação de querer ainda mais. É que as pessoas tornam-se exigentes e elevam sempre mais a fasquia, mas foi ainda assim um belíssimo concerto, viajando entre as sonoridades da música clássica, do jazz e do rock. Destaque ainda para o poeta e músico Anthony Joseph, oriundo de Trinidad. Um excelente performer que usa a palavra, o ritmo da fala e o jazz para criar atmosfera de grande envolvimento e energia. Outro dos grandes concertos da noite, sem dúvida.
Mas quando daqui a uns anos voltarmos a falar do FMM 2014, vai ser de Angélique Kidjo que nos iremos recordar. A diva do Bebim roubou as atenções todas na noite de sexta, mas já lá iremos. Antes, destaque também para o bonito pôr-do-sol ao som dos portugueses Soaked Lamb, que mergulham nos blues e no swing à moda antiga. E também para a sempre bela maliana Fatoumata Diawara, já repentente neste festival, mas que desta vez se fez acompanhar pelos ritmos cubanos de Roberto Fonseca. Um casamento sonoro bastante feliz, que fez dançar os corpos e as almas no recinto, e que serviu de acepipe na perfeição para o banquete que ai vinha.
Angélique Kidjo, natural do Benim e a viver em Nova Iorque há algumas décadas, incendiou o festival. Dona de uma voz possante, e de umas pernas ainda mais poderosas, dançou e cantou como se não houvesse amanhã, fez-nos dançar e abrir a boca de espanto, e ainda teve o atrevimento de levar para o palco um bando de dançarinos do público. Esta mulher é um portento de energia e humanidade, e cativou os festivaleiros com as suas palavras de irmandade e de solidariedade – recordemos que Angélique está bastante envolvida em causa humanitárias, tendo criado a sua própria fundação para ajudar as raparigas africanas no seu desenvolvimento e independência.
No Castelo entrariam depois os Balkan Beat Box, também eles repetentes no FMM, mas que foram a deixa perfeita para atiçar o fogo-de-artifício costumeiro que marca a última noite do festival. Aqui começámos a sentir uma lágrima no canto do olho, mas ainda houve vontade de dançar, e como! Os Balkan Beat Box cumpriram o seu papel de acendalhas musicais, e dada a sua origem israelita, fizeram questão de passar mensagens de apelo à paz, a proposito do conflito entre Israel e Palestina.
A noite terminou na Avenida da Praia com os ritmos acelerados de Jagwa Music, os demónios da Tanzânia cujos rabos se movem mais depressa que o próprio som – por aqui tentou-se, mas corria-se o risco de lesões permanentes – e ainda com a electrónica dos Acid Arab, até ao romper do dia.
E depois caminhou-se lentamente até à casa onde se dormiriam umas parcas horas antes de regressar. Com um aperto no peito, porque o FMM é mais do que um festival de música: é união e magia. Sim, somos lamechas. Mas para o ano regressaremos com mais sorrisos!
Fotos: Mário Pires / C. M. Sines