Escolhas, escolhas e mais escolhas – O segundo e último dia do Vodafone Mexefest 2016
Chegou ao fim o Vodafone Mexefest que entre 25 e 26 de Novembro arrastou 15 mil pessoas avenida acima e avenida abaixo. Tivemos o comprovar de dois ditados populares. Confirma-se que quem anda à chuva molha-se, mas que de facto quem corre por gosto não cansa.
Recordam-se de referirmos os cálculos intensivos a que o Mexefest sempre nos habitou? Pois bem, a chuva chegou no sábado como elemento arrebatador da equação para nos desafiar de forma desleal na nossa resolução interna de dilemas musicais. Nem as luzes natalinas de Lisboa ajudaram ao desalento.
Pela altura que chegámos aos bastidores do Capitólio para espreitarmos Zanibar Aliens já tínhamos como dado garantido que a chuva nos iria acompanhar pelo resto da noite pelo que deixámos a festa de garagem, que já ali estava bem estabelecida, mais cedo do que desejávamos, e saltámos para o palco mais próximo. Sábado foi aliás o dia oficial de procurar resguardo junto aos palcos, movimentações cá fora só as estritamente necessárias.
Já no abrigo quentinho e intimista que é a Sala Montepio do São Jorge as Señoritas tentavam-nos cantando “Ao fim de semana enfio-me na cama” verso retirado do tema “7 Pragas”. Era de facto a nossa vontade sempre que olhávamos para a rua. Ainda mais quando tínhamos de atravessar a Avenida em pleno dilúvio para ver Gallant.
Graças a um shuttle Toyota vindo dos céus rumámos ao Coliseu enquanto o norte-americano Christopher Gallant já brilhava em palco com “Open Up”. Deixando a transmissão em direto da Vodafone.FM, e o quentinho abençoado do carro, chegámos a um Coliseu já (muito) bem composto para ver aquele que é uma das maiores revelações do R&B atual. Não há como não ficar impressionado com a capacidade vocal e a linguagem corporal de Gallant e não nos deixarmos levar por todo o soul que emana com os seus 24 anos. Gallant cantou e encantou no Coliseu dos Recreios e o público respondeu com aplausos extensivos, e muito merecidos.
Notou-se um crescer de movimentação com o aproximar do início de vários concertos, em palcos mais ou menos distantes, mas a grande maioria não descolou do Coliseu até ter o prazer de ouvir um dos carros-chefes do álbum “Ology”, “Weight In Gold”. Gallant desceu do palco, sentiu o calor e o amor do público e deixou-nos com vontade de continuar a ouvi-lo por muitas mais horas. Talentos como o de Gallant são raros e não o queremos perder de vista.
No palco Estação Vodafone.FM o texano Kevin Morby mostrou que já tem uma base de fãs considerável em Portugal, prova disso mesmo foi ver a estação do Rossio já muito bem composta quando em simultâneo atuavam Mallu Magalhães e La Dame Blanche. Culpemos mais uma vez a chuva por termos abdicado do corre-corre e termos optado por ver mais uma vez este ano Kevin Morby. Aconchegou-nos voltar a ouvir “I Have Been to the Mountain”.
Às 22:10h em ponto as luzes do Coliseu apagavam-se e com elas chegava o anúncio da chegada da “Mulher do Fim do Mundo”, Elza Soares.
Teve a receção mais calorosa das duas noites do Vodafone Mexefest e merece-o. Pela mulher que é, pelo que passou e por aos 79 anos continuar a fazer aquilo que mais gosta, cantar. “Eu quero cantar, me deixem cantar, eu quero cantar até ao fim” e temos a certeza de que o fará.
Com a sua cabeleira farta púrpura, com um longo vestido preto, pode já não ter a dinâmica e a mobilidade de há décadas atrás, mas vê-la sentada no alto daquela escadaria negra sentada num trono à sua medida foi igualmente recompensador.
“Quero ouvir barulho para xuxu”, como Elza pediu, “Ninguém parado, ninguém calado”.
Saiu-se do Coliseu sabendo que acabámos de presenciar uma lenda viva e gratos por termos tido o prazer de a ver, mas sobretudo de a ouvir.
Do Brasil saltámos até Cabo Verde para recebermos a doce Mayra Andrade. Em crioulo, em português, em francês, Mayra consegue sempre hipnotizar-nos e sem que nos apercebamos damos por nós a escutá-la de sorriso nos lábios e com um leve movimento de anca enquanto imaginamos a Ilha de Santiago.
Mayra confessou que veio para o Mexefest com medo mas a verdade é que o cineteatro estava cheio para a ouvir e toda esta genuinidade, beleza, entrega e doçura certamente renderam-lhe muitos mais apreciadores da sua música.
Às 23:00h começavam os norte-americanos Whitney no palco do Teatro Tivoli BBVA. Os Whitney são um fenómeno, nem todos o entendem, mas é um facto perfeitamente espelhado através das opiniões díspares que se geram acerca deles.
Desta vez não os vimos no seu formato completo, contámos apenas com Max Kakacek e Julien Ehrlich, em formato acústico. Começando com “Golden Days”, bem abastecidos com uma garrafinha de vinho, intercalavam as suas músicas com histórias da sua estadia por Lisboa (onde aproveitaram para compor na última semana e fintaram as ofertas de substâncias dúbias), com declarações de amor ao público, com desabafos. Recordou-se Paredes de Coura e o público respondia efusivamente às perguntas de Julien. Aquele ritmo, a boa conversa, a música leve tornava fácil esquecer o tempo lá fora. Ficamos à espera do tweet para ouvirmos os frutos da inspiração lisboeta.
Em simultâneo já os também norte-americanos Digable Planets enchiam a Sala Manoel de Oliveira no Cinema São Jorge, acumulando-se cada vez mais pessoas junto dos seguranças para conseguirem confirmar a intemporalidade do jazz-rap em que são mestres. Cá fora os Kumpania Algazarra traziam a sua festa ambulante e acompanharam-nos até às portas do Coliseu dos Recreios. Se o Mexefest é para mexer então é para mexer mesmo.
00:30h foi a hora marcada para Branko dar início a mais uma volta ao mundo com o seu álbum já reeditado, Atlas Expanded. O Coliseu encheu para acolher João Barbosa, nome que já não é novidade, mas que continua a dar provas.
Para terminar em beleza, e como mimo especial para o público, Branko chamou ao palco Mayra Andrade e pela primeira vez cantou-se ao vivo o tema “Reserva Pra Dois”.
Como uma pequena aldeia global o Vodafone Mexefest terminou exatamente como se quer, com uma fusão de géneros e de culturas, mas essencialmente a mexer. Conclui-se assim mais uma edição, sempre com a sensação de que não vimos tudo o que queríamos ver, mas com a convicção de que aquilo que vimos foi bom.