Eddie Vedder, a boa onda que inundou Lisboa
Por volta das 20 horas do dia 20 de junho muitos eram os fãs que serpenteavam a entrada da Altice Arena em direção ao acesso certo para o reencontro de Lisboa com Eddie Vedder na sua 11ª visita musical ao país. Com a sala oficialmente esgotada há muito (no último dia lá foram libertados alguns bilhetes) e os ecos da digressão que nos foram chegando, esperava-se um concerto grande e contava-se com um grande concerto. Qual filho pródigo regressado a casa, o homem da frente dos Pearl Jam não desiludiu. Para subir ao palco antes de si convidou Glen Hansard a fazer uma primeira parte inevitavelmente curta mas muito bem sucedida e o Red Limo String Quartet, que, com Alive, criaria a atmosfera certa para a entrada de Eddie Vedder.
Exatamente no minuto marcado para o início do espetáculo (20:30h) Glen Hansard estava em palco, interpretando, a capella, Grace Beneath The Pines. À exceção da iluminação de segurança, apenas dois focos vermelhos e algumas luzes de palco permitiam vislumbrar o convidado e amigo de Vedder que nos brindaria com mais sete temas. A noite artificialmente criada obrigou muitos dos retardatários a recorrer à lanterna dos telefones, prejudicando um pouco o momento intimista que se procurou criar, ao mesmo tempo que a vastidão da Arena fez com que muitos lamentassem não conseguir sequer ver o rosto do cantor. Contudo, talvez um pouco por isso, mas principalmente pelo talento e segurança do músico, compositor e ator irlandês, a sua voz rapidamente conquistou a sala.
Como habitualmente, muitos tentavam registar em vídeo aquele pouco mais que ponto de luz que com guitarras e voz depressa estabeleceu uma relação de empatia. Houve lugar para uma pequena conversa com o público e referência aos emigrantes económicos a quem dedicou um dos temas. A atuação foi aplaudida com vivacidade, sendo o regresso ao palco (já durante a atuação de Eddie Vedder) naturalmente festejado.
O que se seguiu ao intervalo foi uma viagem de duas horas e alguns minutos pelo património musical anglo-saxónico, com preponderância dada naturalmente a temas da discografia dos Pearl Jam. O primeiro single extraído de Ten que, como já referido, foi interpretado pelo quarteto de cordas, antecedeu a entrada triunfal de Eddie Vedder ao som do seu tema Far Behind. Antes de interpretar Just Breathe, o músico vasculhou por entre papéis denunciando um possível esquecimento do alinhamento. Este seria um erro crasso num músico tão experiente mas o estatuto do grande sobrevivente do grunge tudo permite. Sobretudo, depois de um sonoro “Boa noite!” com a sua voz de barítono. Verificou-se, porém, que apenas procurava a cábula do discurso com que, no seu português arrevesado, divertiu e simultaneamente comoveu todos os que foram a este reencontro.
Vedder não é já uma visita, nem o convidado bem comportado que, com a sua boa disposição, se propõe ser quando promete que, se ficar, lava a loiça e os lençóis! É ponto assente, desde logo através de um determinado e oportuno “Wellcome home!” gritado da plateia, que também ele é um pouco de Portugal.
A forma como se dirige ao público, desfiando memórias e falando do seu afeto pelo país não soa a lisonja e é inevitável ouvir-se uma gargalhada generalizada quando se desculpa pelo mau português: “onze vezes e eu falo muito mal português. …Perdonem… perdoem mas muito difícil … e vocês são espertos”.
A Just Breathe seguem-se uns emocionantes Elderly Woman Behind the Counter in a Small Town, I Am Mine e Immortality, altura em que finalmente é projetado um ecrã que permitirá ver claramente o que se passa no palco. O primeiro grande momento de comunhão de vozes acontece com Wishlist, (entoada, naturalmente, por toda a casa), antecedida pelo primeiro empréstimo do serão: Trouble, de Cat Stevens.
Vimos já que o cantor natural do Illinois não veio apresentar um novo álbum, ou fazer um concerto com temas exclusivamente da sua discografia a solo nem tão pouco da sua autoria. Embora o alinhamento desta noite lisboeta tenha menos covers do que os concertos que a precederam há, ainda assim, uma boa mão cheia de temas de outros autores e intérpretes que contribuíram decisivamente para a grandiosidade do espetáculo, nomeadamente a pequena tirada de People Have the Power, a sublinhar o lado mais político do concerto e antecedendo o ‘momento fofinho’ da noite – com tudo o que de bom, ternurento e envolvente o termo possa encerrar – com Imagine, de John Lennon cantado a plenos pulmões por um público que na sua esmagadora maioria terá preocupações e angústias semelhantes às partilhadas pelo Eddie, como carinhosamente foi aclamado ao longo da noite.
Refira-se que esta foi a única altura em que foi permitido o uso de telemóveis. Um aviso projetado durante o intervalo convidava todos a esquecerem por umas horas os dispositivos móveis e a apreciar verdadeiramente o momento.
Bem antes de Imagine tivemos (com Long Nights) o regresso ao palco de Glen Hansard, desde logo encarregue do baixo e no tema seguinte da guitarra acústica. Com boa parte das “despesas” da música entregue ao companheiro, Eddie Vedder gozou então da liberdade de movimentos que lhe permitiu fazer quase tudo, desde servir(-se) vinho a oferecer a sua harmónica a uma menina que fazia anos e para quem esta noite será, se é que tal é possível, ainda mais inesquecível do que para os restantes milhares de fãs que, com Eddie Vedder lhe cantaram os parabéns. Teve sobretudo a liberdade para se deslocar em palco e fora dele, na plateia, para outro dos inevitáveis temas fortes e momento-chave da noite com Black, cuja serenidade, seguida de Parting Ways, faria contraponto com o momento de maior intensidade eufórica da noite na verdadeira explosão de emoções que foi Better Man.
Este quarto espetáculo a solo em Portugal fez-se de música, com música e para além da música. Foi um paradoxal encontro íntimo de um homem com milhares de amigos, que ouviram a sua música mas com igual interesse o ouviram também falar das memórias dos concertos em Portugal: o primeiro em Cascais, num sítio muito pequeno ‘mas o sentimento hoje é o mesmo’… ou do medo que no Meco teve de aquela ser uma onda demasiado alta para ele… Um amigo que, até ver, tem mostrado ser tão confiável como a verdadeira heroína de Satellite (a mulher de um homem erradamente condenado à morte, em cuja causa os Pearl Jam se envolveram, contribuindo para a sua libertação). Um amigo que não hesita em falar do lado mais humano da vida artística: refere as saudades, fala da sua família e das dos músicos: conta que é o dia de aniversário do filho de um dos músicos, enquanto pede para mostrarem e felicíssima violinista (muito) grávida. É ainda o amigo que nos fala dos tempos difíceis que vivemos, partilhando imagens alusivas à crise ambiental ou à loucura das medidas do presidente dos Estados Unidos – que muitos artistas, como ele próprio ou JR1 procuram deter.
O desfile de quase três dezenas de temas deste encontro que ninguém parecia querer que acabasse, foi dado por encerrado com mais um tema emprestado, desta feita Rockin in a Free World, de Neil Young que, muito para além do tom festivo, é um manifesto pelos valores defendidos pelo músico e uma coerente declaração de intenções.
1. pudemos ver projetada a imagem da instalação do artista de street art JR, que retrata uma criança mexicana a espreitar sobre o muro erguido na fronteira dos Estados Unidos com o México.