Álbum novo – concerto novo para Salvador Sobral
O “Salvador da Pátria” iniciou na noite de sexta-feira, 10 de maio, no Coliseu dos Recreios em Lisboa, uma nova fase (a nacional) de apresentação do mais recente álbum Paris, Lisboa.
Sendo este um “regresso a casa” de Coliseu cheio, Salvador Sobral tinha a as emoções e os nervos à flor da pele, como nos confessou, depois de ter feito uma entrada dramática, na qual desceu do camarote presidencial até ao palco enquanto sofria em 180, 181 (Catarse), o tema com que também abre o álbum e torna públicos os terrores do internamento.
O palco, magnificamente partilhado entre o cantor e Júlio Resende (piano), André Rosinha (contrabaixo) e Bruno Pedroso (bateria), “que está tantas vezes aqui que até já tem um quarto ao lado do de Miguel Araújo”, diz-nos, vai sofrendo algumas alterações de figurino à medida que outros músicos (as convidadas de cordas, por exemplo) e outros amigos vão chegando. Com humor, Sobral pega, ele próprio, várias vezes em pautas para as retirar de palco numa ajudinha aos “roadies”, sendo, efetivamente, um “entertainer” que nunca deixa o seu concerto cair em momentos “mortos”. As luzes são simples mas eficazes e sem fumo conseguimos ver todos durante todo o concerto. O som foi sempre exemplar e cada nota do contrabaixo soou perfeitinha.
Após as longas filas para o Coliseu e ausência de estacionamento a que os muitos espetáculos nas redondezas levaram, os fãs deliciaram-se com a noite musical, aplaudindo de pé, e Salvador Sobral voltou, depois da glória obtida com a vitória no Festival Eurovisão da Canção 2018, a cativar os seus já existentes e novos seguidores.
Depois de Change e Cerca Del Mar, o artista começa uma simpática conversa connosco como se o registo de toda a noite fosse bem informal. Aliás, a empatia entre Salvador Sobral e o público é tão grande que até se sente à vontade para brincar com quem chega mais tarde, apesar de serem convidados dele próprio: “Eu convido e ainda chegam tarde”.
À “magia da música” acrescenta-se Presságio, de Fernando Pessoa, com arranjos do pianista Júlio Resende que só engrandecem ainda mais todo o momento, no qual o público é convidado a participar, entoando, primeiro a medo, depois com graça, o que Salvador Sobral vai pedindo: “P’ra saber que estão a amar”.
À sua voz e atitude profissional junta-se o tom quase confessional com que o cantor nos faz, com uma parte em solo “a capella”, uma viagem emocional com Ela Disse-me Assim.
Aliviando o peso, segue-se mais um momento de calor e familiaridade com Salvador Sobral a descrever a irmã, Luísa, como “uma Telepizza. Liguei-lhe a falar das saudades que tinha daquela que agora é a minha esposa [a atriz francesa Jenna Thiam] e pronto, 50 minutos depois ela tinha esta música”. Ouvimos os arranjos de Filipe Melo de Estrada Dividida e partilhamos dessa saudade tantas vezes por nós também sentida numa uma música inédita que também tem semelhanças com Paris, Tokyo II, que integra o álbum novo, apresentado quase na íntegra esta noite. “O meu pai está a chorar. Ou a minha mãe acabou com ele ou a música era bonita”, põe Salvador Sobral o Coliseu às gargalhadas enquanto começa com La Soufflouse. Nada de telemóveis, cumprindo com o pedido de Salvador Sobral logo no início do concerto, ao manifestar a vontade de que fosse um serão cheio de sentimento.
É, então, chegada a altura de Mano a Mano, em dueto com António Zambujo, aplaudido de pé e ovacionado mal aparece em palco. Sobral confessa-se fã de Zambujo e não raras vezes lhe notamos uma ou outra variação de voz bastante parecida. Ainda cantam juntos Só Um Beijo, fugindo à previsibilidade de ser a “mana” a ocupar o lugar de convidada.
E eis que o concerto termina como começa: com um bolero, Ay Amor, que volta a ganhar o estatuto de “momento alto” com o nosso artista a vir para o meio do público e cantar sem microfone. Pouco a pouco tenta chegar-se ao palco, regressa no tempo certo da música, e o mais incrível é que faz tudo isto como se fosse a coisa mais simples do mundo. Já dizia a minha mãezinha: “O grande artista faz com que a arte mais complexa pareça simples de conseguir”. Mas não é nada simples; Salvador Sobral só é espetacular.
Um “encore” curtinho depois – “não queria demorar muito porque tinha medo que começassem a ir embora e perdiam este momento tão bonito que se segue” -, brinca o nosso amigo, e com o regresso de Salvador Sobral a palco regressa também o quarteto de cordas, para o qual Sobral se inspirou em Silvia Pérez Cruz, que nos dá o “bombom” de Amar Pelos Dois no seu arranjo original. O cantor volta a descer para o meio público, chama todos lá “para a frente” faz-se a festa de despedida com Anda Estragar-me Os Planos, acompanhado do compositor Leonardo Aldrey, “com quem já trabalhei duas vezes mas agora já chega que já tenho pessoas novas a trabalhar comigo”, volta a gracejar Sobral – o Jamie Cullum português.
Texto: Daniela Azevedo
Fotos: José Manuel Teixeira