A marcha de Dino Dino D’Santiago no Campo Pequeno
Dia 6 de Junho foi um dia diferente no meio do cenário pandémico que vivemos. Dia 6 marchou-se pelas ruas por uma causa que, apesar de parecer tão elementar, continua lamentavelmente a precisar de ser defendida, a defesa pela igualdade racial. O dia, simbólico por si só, veio a culminar numa noite de celebração no Campo Pequeno, com Dino D’Santiago.
Não estávamos de todo preparados para o cenário que se instalou nas nossas vidas face a uma pandemia. Poucos de nós terão sequer imaginado uma hipotética reação por parte do setor da cultura. Pouco a pouco têm-se feito decisões, avanços, recuos, ajustes e vivemos agora a fase em que nos é permitido um retorno gradual às salas de espetáculo.
Não, ainda não é normal que estejamos de máscara durante espetáculos, vermos cadeiras propositadamente vazias para tornar possível o distanciamento social ou que não possamos usar a nossa liberdade para dançar, abraçar e sentir a música à nossa maneira. Mas sim, estivemos presentes. Estivemos presentes como amantes de música, como apoiantes da cultura, e numa tentativa de aproximação à normalidade, ainda que condicionada. Estivemos presentes pelo Dino D’Santiago e por tudo o que representa.
Pouco antes das 22h00 Dino surge em palco perante uma ovação de pé, imediatamente seguida de um pedido para que todos se sentassem. Vivemos circunstâncias especiais e Dino D’Santiago fez questão de o lembrar. Por muito que a sua música nos exalte a dançar, a saltar, a tocar, é responsabilidade de cada um de nós permitir que os espetáculos possam decorrer respeitando a segurança de todos.
Quem conhece minimamente o trabalho de Dino, quem teve oportunidade de o ouvir ao vivo ou mesmo de conversar com ele, sabe bem o papel que assume nesta defesa de valores como o respeito, a liberdade e a interculturalidade. É quase que um promotor da ligação entre Portugal e o continente africano, unindo-os como poucos. Lisboa é kriola mas a mensagem de Dino vai bem além dos limites da cidade, já chega além-fronteiras.
Perante o dia especial, e o importante momento de discussão social que se vive, pediu-se um minuto de silêncio “por uma cultura que há muito sofre”. De punhos em riste, Dino fez questão de lembrar o movimento Black Lives Matter, acompanhado pelo público.
Lembrando a presença da língua de Cesária Évora pela linha de Sintra, assim começou Morabeza (nananana), do último álbum de Dino D’Santiago. Kriola, lançado precisamente quando a maioria de nós se isolava socialmente em casa, em pleno mês de Abril, foi o carro-chefe do concerto da passada noite de 6 de Junho, juntamente com temas do EP SOTAVENTO e do álbum Mundo Nôbu.
Assim se começou a viagem no Campo Pequeno. Da linha de Sintra para a nossa Nova Lisboa voámos mais uma vez para Santiago, à boleia da cachupa, do funaná, dos sons do batuque e do ferrinho, com temas como Santiago (Jorge e Andresa), Fidju Poilon, BRAVA (Carta Pa Tareza), ou Sofia.
Lembraram-se os Buraka Som Sistema e consequentemente Branko, e a influência que teve na carreira de Dino, com temas como Tudo Certo. Celebrou-se o amor da Margarida e do Miguel com Roda e tivemos um cheirinho das noites de Na Surra. Sentados, mas tivemos.
À luz da discussão do racismo atual o momento que juntou Kem Ki Flau e Mundo Nôbu tornou-se de um poderio enorme. Como dizia Dino “um dia ainda vai valer muito a pena sermos quem somos”.
O encerramento surgiu com a explosiva Kriolu, o mais recente single de Dino com Julinho Ksd, que imortaliza a junção do branco com o preto como “gerason di oru”. Dino D’Santiago voltou a palco para o encore com os temas Ilhéus (Nu Bai) e Nôs Funaná.