A espera valeu a pena – aí está mais um NOS Primavera Sound
A espera que a chuva parasse, a espera pelo regresso de Father John Misty e Lorde, a espera pela estreia de Tyler, The Creator. O NOS Primavera Sound regressou ontem ao Parque da Cidade, no Porto, e fez valer a pena a espera.
Nada como criar chama para teimar contra a chuva. Chamem os Fogo-Fogo e o seu funaná incendiário e qualquer dilúvio parará. Dito e feito, que à hora do quinteto subir ao palco SEAT para o primeiro concerto desta edição de NOS Primavera Sound a chuva deu tréguas e nunca mais voltou. Macumba perfeita e anca aquecida para o resto da noite. Lá do outro lado, no palco NOS, o aquecimento era mais interior, com a voz e guitarra da amável Katie Crutchfield, aka Waxahatchee, a servir melodias indie rock que tanto lembram folk como grunge, e até passaram por uma breve versão de Lorde, que iria actuar mais tarde naquele mesmo palco.
De volta ao cimento do novo palco SEAT (mesmo à porta do festival, tem duas bancadas laterais onde é possível ver os concertos sentado), e já com muita gente a circular pelo recinto, os escoceses The Twilight Sad provocaram o primeiro arrepiar do dia. A voz (e o sotaque, confessamos) de James Graham é marcante por si, mas junte-se lhe a batida pós-punk e a guitarra meio shoegaze dos companheiros e dá-se algo de muito especial. Muito bem recebidos pelo público nortenho (recorde-se que os autores de There’s A Girl In The Corner vieram substituir Alex Lahey), a banda não deixou de homenagear o conterrâneo Scott Hutchison, desaparecido em Maio deste ano, ao som de Keep Yourself Warm, dos Frightned Rabbit. E as lágrimas que correram no rosto de Graham foram sendo limpas pelas palmas e incentivos de uma plateia emocionada. Primeiro momento bonito do NOS Primavera Sound? Check.
Oito horas em ponto e é tempo do R&B aconchegante de Rhye. O canadiano dispôs de uma vasta plateia dispersa pelo anfiteatro natural que acolhe o palco principal do festival e desfilou os temas dos seus dois trabalhos, com a voz ora calma ora desconcertante que já lhe reconhecemos. E por falar em desconcertante, com um atraso considerável e já na outra ponta do recinto, era a vez de Father John Misty debitar letras acutilantes, voz irrepreensível e gingar de anca hipnotizante. A expectativa era muita – e o tamanho da plateia que se juntou para o receber junto ao palco SEAT provava isso mesmo – e Josh Tillman, mais uma vez, não desiludiu. Com as novas canções do mui recente God’s Favourite Costumer já no alinhamento, o ex-Fleet Foxes esteve contido no movimento mas afiado na palavra. Houve sopros em crescendo em Chateau Lobby #4 (In C for Two Virgins) ou I Love You, Honeybear, balada bonita e sentida em Please Don’t Die ou Pure Comedy, mas acima de tudo uma ironia e sentidos de humor marcantes, como em Total Entertainment Forever ou Mr. Tillman. Para o final ficou a electrizante Ideal Husband e a certeza que temos aqui muito mais do que uma cara bonita. Que volte sempre.
Quase ao mesmo tempo – dado o atraso do Sr. Tillman -, no Palco Super Bock era o energético Ezra Furman que desfilava toda a sua irreverência. Dadas as reacções, a estreia do norte-americano em solo nacional foi positiva, pelo que não será muito pedir um regresso.
Ainda antes da hora marcada já se faziam ouvir os fãs da artista que se seguia. Às 22h, a neo-zelandesa Lorde entrou em cena no palco NOS para um concerto que teve pop ora explosiva ora instrospectiva, dançarinos em coreografias ora soltas e ousadas ora coordenadíssimas. A banda tem teclas, samples e percussão apenas: tudo o resto é feito por ela, Ella Marija Lani Yelich-O’Connor, 21 anos. Já a conhecíamos de Royals e Team, hinos adolescentes de Pure Heroine que escondiam os temas mais interessantes de uma jovem de voz rara, mas foi com Melodrama que a miúda virou mulher e trouxe ao mundo uma das mais belas colecções de temas pop que já vimos nos últimos anos. Por não ser a futilidade habitual, por experimentar e incutir uma maneira de ser que é só sua, Lorde conquistou um público fiel que acorreu em grande número ao NOS Primavera Sound para a ver. Temas como Supercut, Perfect Places ou Green Light fazem a festa mas é em Buzzcut Season, Ribs ou The Louvre que sentimos algo de especial. Sim, David Bowie disse que ela era o futuro da música e disso não se conseguirá livrar, mas não parece fazer grande caso da expectativa (talvez pela juventude, talvez por sabedoria, talvez um misto dos dois). Senta-se à beira do palco e dá um discurso que aperta o coração a quem já a ouve há anos e a quem a está a conhecer agora, oferece a belíssima Liabillity em coro sincronizado com a plateia que vira mar de luzes e vemos nela uma capacidade rara de ser uma espécie de anti-princesa pop. Quem sabe se não será mesmo quem a vai salvar.
De volta ao palco secundário do festival, a poeira só não pairava no ar porque estamos em piso cimentado. É que a energia que se seguia ia causar danos, e não poucos. Foram anos de espera e um fervilhar de emoções para quem sobrelotou o espaço do palco SEAT para receber esse fenómeno a que chamamos Tyler, The Creator. Sozinho em palco a maior parte do tempo, conta só com as projecções e uma plataforma para apresentar os temas de Flower Boy e não só. Também não precisa de mais, dado que Tyler parece expelir do seu corpo cada palavra que debita. Salta, deita-se no chão, dança e tem a plateia na mão sem ter de se dirigir a ela. Nem precisava do colete refletor ou do cabelo leopardo: tem os temas que fazem o público delirar por si só. Tem Who Dat Boy, tem Deathcamp, tem I Ain’t Got Time, tem Tamale. Tem direito a mosh e crowdsurf, apesar de a nós nos dar um “gracias” doloroso. E tem See You Again, para o público colar na voz de Kali Uchis e oferecer a despedida em grande desse pequeno que já vai virando monstro do hip hop norte-americano. Merecia um palco maior, ele e os fãs.
A fechar a noite, Jamie XX ofereceu um dj set que foi dos seus temas originais e remixes de terceiros a uma inesperada Pshyco Killer, dos Talking Heads e deu festa do início ao fim.
O NOS Primavera Sound continua hoje, com nomes como como A$AP Rocky, Unknown Mortal Orchestra, Thundercat, Superorganism, Grizzly Bear ou Ibyei, entre outros.