Nasceu um novo festival – reportagem no 1.º dia do MEO Kalorama
Lisboa assistiu esta quinta feira ao nascimento daquele que se apresenta como o último grande festival de verão europeu.
Propondo-se implementar um modelo que visa promover a transformação de mentalidades, num projeto sustentável, inclusivo e com reduzido impacto ambiental, os promotores do Meo Kalorama partiram da tese que que a capital portuguesa seria, também pelas suas características e experiência, o local ideal para tal. O público parece concordar.
A chegada à Bela Vista fez-se sem grandes sobressaltos, com o público a encontrar com facilidade os diferentes pontos de acesso.
O festival conta com três palcos: Colina, Futura e Meo (o dito palco principal), deve o seu nome à localização – Kalorama significa Bela Vista em grego- e algumas comodidades de alguma forma inovadoras, como sejam os bengaleiros e os WC não binários. A este propósito, acreditamos que o que os festivaleiros querem é não perder muito tempo em filas, mas esta é também uma forma de acolher e agradar a Gregos e Lusitanos 😉
Pondo em prática a premissa de contribuir para o desenvolvimento local, a programação dos três dias inicia-se sempre com a Curadoria Chelas É O Sítio (associação que esteve já presente no Rock in Rio) a decorrer no palco Colina a partir das 16h00.
E por falar em Rock in Rio e as inevitáveis comparações dado ambos os festivais decorrerem no mesmo território, refira-se que o Meo Kalorama é um evento com menores dimensões físicas, menos merchandising, menos barracas de ‘comes e bebes’ mas não forçosamente com menos qualidade.
Este primeiro dia parece prová-lo. Com música capaz de agradar a diferentes sensibilidades e tendências houve espaço para algum intimismo emotivo, com Rodrigo Leão e James Blake mas também para o extravasar de energia potenciado ao longo da noite e de que são exemplos o clubbing de Xinobi, ou a música eletrónica com Kraftwerk e The Chemical Brothers a ocuparem o prime time, respetivamente, do palcos Colina e Meo.
Ao fechar da noite pareceu-nos que as expectativas de 40 mil espectadores avançadas pela organização serão bastante realistas, mas, melhor que isso, vimos alguns milhares de pessoas agradadas com o que viram e expectantes com o que se segue!
O primeiro dia
Após alguns minutos para nos ambientarmos à organização do espaço – e diga-se que a imprensa tem aqui a vida bastante facilitada, quer pela gentileza na revista e ajuda aos mais ‘desorientados quer pelas instalações na simpática Casa de Pedra – foi tempo de começar a usufruir da oferta musical.
Pelas 17h00 assistimos à abertura do palco Meo com Rodrigo Leão Cinema Project. A decisão de incluir este espetáculo no Meo Kalorama será certamente criticada por uns, por pouco festivaleiro, e aplaudida por outros. A verdade é que foi em termos de grande palco (o palco Colina recebera a Curadoria Chelas é o Sítio desde as 16h00) um arranque tranquilo, com um espetáculo que possibilitou o corte com o bulício da cidade e alterar a ajudar a orientar os ânimos no sentido da fruição dos três dias que se iniciavam.
Rodrigo Leão e os músicos e cantores que o acompanharam interpretaram temas dos três discos editados em 2020 e 2021 (O Método, Avis 2020 e A Estranha Beleza da Vida), bem como outros mais antigos, como é o caso de Cinema. Com a sobriedade e elegância que o caracterizam, o co-fundador de Sétima Legião e Madredeus, deu o devido destaque a todos os músicos, técnicos e demais profissionais que colaboraram na feitura deste concerto, sem esquecer naturalmente os convidados Bruno Silva e o Coro Infanto-juvenil da Universidade de Lisboa, dirigido pela maestrina Erica Mandillo.
Enquanto Fred inaugurava o palco Futura subimos a colina, onde o clubbing de Xinobi animava uma pequena multidão. 18h00 de uma quinta feira num dia tipicamente marcado pelo regresso ao trabalho terá certamente limitado o número de espectadores. Pudemos, contudo, testemunhar o entusiasmo de muitos fãs, maioritariamente bastante jovens, para quem Bruno Cardoso / Xinobi foi um dos mais fortes motivos para a deslocação ao Parque da Bela Vista.
As expectativas não saíram defraudadas. A atuação do DJ, produtor e corresponsável pela editora Discotexas ajudou a aquecer um pouco a tarde, abrindo portas para a dança num ambiente que só podia ser de festa, até porque Bruno Cardoso dedicou o espetáculo ao público e alguém muito especial: o seu filho, nascido na véspera, e a quem, confidenciou emocionado, tentará educar para ajudar a fazer um mundo melhor.
E embora fossem apenas 19h00 parece nunca ser cedo demais para o reencontro do público português com James Blake, um caso de amor aparentemente sem limites.
Embora estivesse ainda longe de uma grande enchente, o aproximar do final da tarde ajudou a que o espetáculo do músico inglês contasse já com uma quantidade apreciável de espectadores. Visivelmente emocionado, Blake interpretou os primeiros três temas, dirigindo-se um pouco mais demoradamente ao público depois de The Limit to your love – imensamente aplaudido como seria de esperar.
Falou de saudades (dois anos de interregno), agradeceu todo o apoio e pediu ajuda para o tema que se seguiu (o único do álbum Friends That Break Your Heart, de 2021): “Say what you will, é tudo o que têm de cantar”. O momento de cumplicidade resultou naturalmente em forte ovação
Estava tudo alinhado para um espetáculo emotivo, porém alegre com temas melancólicos a alternar com faixa que puxaram os pés para a dança, caso de CMYK e Voyeur. Trocaram-se vozes e aplausos. Após o imprescindível Retrograde, James Blake fez as calorosas apresentações dos músicos e veio à boca do palco oferecer a setlist a uma fã. A despedida fez-se com Godspeed, um enorme sorrido e uma certeza: “It’s shaping up to be a great festival”. Assim seja!
20h00, aproximadamente a hora de jantar dos lisboetas, levou muitos a enfrentar filas para as barracas de comida e a diagnosticar um dos problemas desta primeira edição do Meo Kalorama:
Soaram muitas queixas quanto ao reduzido número de locais de venda de comida. Pelo que pudemos constatar, o que aconteceu foi uma grande concentração de comensais na zona situada à esquerda, se nos posicionarmos de frente para o palco Meo. A organização reconheceu ser um dos problemas a resolver, não sabendo ainda como. Enquanto meros espectadores parece-nos que há que criar motivos de atração de público para a zona superior do lado direito e, simultaneamente localizar as barracas de comida em local um pouco mais visível para quem está nas zonas mais junto dos palcos. A verdade é que quem não explore um pouco o recinto não se apercebe da existência das infraestruturas localizadas na área superior à direita. Jantares aparte, aproveitamos para tentar verificar a acessibilidade do festival para pessoas com mobilidade reduzida (de que falaremos à frente) constatando também que, por essa hora, os festivaleiros se dividiam mais ou menos equitativamente entre abastecimento de comida, e os dois palcos ‘secundários’: com os colombianos Bomba Estéreo, a explorar ritmos de dança no palco Colina e D’Alva, o projeto de Alex D’Alva Teixeira, Ben Monteiro e Gonçalo de Almeida, no palco Futura.
Aqui e ali faziam-se se ouvir algumas queixas sobre a qualidade do som, com falhas mais ou menos persistentes, que acabaram por prolongar-se pelos três dias do evento, mas o ambiente fazia já adivinhar que a aposta dos promotores estava ganha e este viria a ser um ótimo Festival.
Years and Years, o projeto liderado por Olly Alexander chamou ao palco Meo um público bastante jovem, com vontade de dançar e desfrutar da pop melodiosa, mas sem grande densidade que foi servida entre as 21h00 e as 22h00. O espetáculo, com inúmeras influências do universo queer, valeu sobretudo pela voz de Alexander e pela riqueza visual, com vídeo luzes e coreografias adaptadas a cada tema não teve, contudo, muitos momentos altos, exceção feita a versão de It’s a Sin, dos Pet Shop Boys, que por si só já praticamente garantiria bons resultados mas que, reconhecemos, foi bastante bem tratada pela voz de Olly que, de resto, definiu os Pet Shop Boys como a mais icónica banda de sempre.
E num ritmado desce e sobe colina, o público acorreu ao reencontro com Kraftwerk para um espetáculo integrado na digressão 3D – Concert. Sobejamente conhecidos no mundo musical pelo seu trabalho que toca áreas como o Hip Hop, a Tecno ou o SynthPop, o quarteto alemão terá sempre a sua legião de fãs a aguardá-lo, independentemente das vezes que regresse a Portugal. Fazendo jus, à sua crença na complementaridade homem / máquina, os quatro magos dos sintetizadores fizeram distribuir previamente óculos para a visualização das magníficas imagens em 3D projetadas no palco. E se é verdade que por vezes o facto de não haver novidades é, por si só, uma boa notícia, este 3D Concert é, em termos de reportório prova disso, dado que a generalidade dos temas tem já bastantes anos.
Foi, pois, um espetáculo com alguma inovação, ainda que sem grandes surpresas, que agarrou sobretudo os fãs incondicionais, mas não afastou ninguém, quer fosse pelo lado visual quer, simplesmente, porque a música dos Kraftwerk pode também ser um excelente pano de fundo para dois dedos de converso ou um momento de mera descontração entre momentos mais agitados.
2MANYDJS + TIGA – Atuação interrompida
Enquanto nos preparávamos para descer do palco Colina apercebemo-nos que o palco Meo ficara vazio bem antes do esperado. A atuação de 2MANYDJS + TIGA durou apenas escassos minutos, tendo sido interrompida devido a conflitos de som entre palcos. É facto que a proximidade entre palcos terá prejudicado algumas atuações, em particular algumas no palco Futura. A ocorrência em simultâneo de espetáculos nos palcos Meo e Futura limita em muito a audição neste último. Assim, os cantores / bandas que atuaram nestas condições viram reduzido à partida o número de espectadores.
No caso dos palcos Meo e Colina, a programação foi de forma a evitar coincidências de atuações. No caso particular de 2MANYDJS+TIGA e Kraftwerk tal não foi acautelado, obrigando assim à interrupção do concerto no Palco Meo. A organização já garantiu a presença dos referidos artistas numa próxima edição, que, viria a saber-se no domingo acontecerá nos dias 31 de agosto, 1 e 2 de setembro de 2023, em local ainda não determinado.
Às 23h30 teve início no palco Meo a atuação mais vibrante da noite, com os The Chemical Brothers. Diríamos que se houvesse tecnologia capaz de reverter para eletricidade aquilo que se gerou neste espetáculo, boa parte da crise energética estaria resolvida.
Durante cerca de uma hora Ed Simons e Tom Rowlands fizeram desfilar, ininterruptamente, temas bem conhecidos como Song to the Siren / C-H-E-M-I-C-A-L, MAH ou Hey Boy Hey Girl a par de alguns ainda não editados. Juntando ao som as luzes, imagens sincronizadas, fumo e outros recursos de um espólio impressionante, os “Irmãos” puseram todo o Parque da Bela Vista a dançar.
Caso alguém não estivesse já satisfeito com a dinâmica e interação criada ao longo do concerto a que não faltaram os já conhecidos robots gigantes, tivemos a surpresa de ver soltaram-se algumas dezenas de balões gigantes ao som de Escape Velocity, criando-se mais um momento visualmente harmonioso e que fez vibrar ainda mais o público, que aproveitou ao máximo até ao último som de Galvanize.
E, porque não é todos os dias que se estreia um festival de verão, foram muitos os que ainda tiveram fôlego, repartindo-se entre o palco Futura e o Colina onde, respetivamente, a brasileira Marina Sena e os alemães Moderat faziam continuar a festa dançável deste Meo Kalorama.