Da Giesta ao Coliseu – Miguel Araújo viaja até às suas raízes musicais

Da Giesta ao Coliseu - Miguel Araújo viaja até às suas raízes musicais

O cantor atuou no Coliseu dos Recreios, em Lisboa, a 11 de Novembro, num concerto para o qual chamou alguns amigos e influências.

Nasceu na Maia, cresceu em Águas Santas, no lugar da Giesta, ali na “faixa de Gaza” com o lugar de Sangemil. Canta neste último disco memórias de infância, de quando a música lhe entrou pela vida adentro, por culpa da banda dos tios que tocavam versões de eternos clássicos do rock and roll e não só. Hoje, faz da música a sua vida e já se habituou a encher Coliseus. Pela 36.ª vez num dos seus palcos, mas pela primeira vez em nome próprio no de Lisboa – dias 10 e 11 de Novembro – Miguel Araújo apresentou o seu último disco, “Giesta”, e aproveitou para fazer a devida homenagem aos tais clássicos.

O disco que veio apresentar é intimista e pouco espalhafatoso, por isso não nos surpreendemos quando, no início do concerto, a cortina revelou um septeto em palco. Piano, violoncelo, clarinete, baixo, guitarra e bateria (e uma espécie de guarda-chuvas iluminados suspensos) acompanham o portuense em Lurdes, história deliciosa que estreou no seu primeiro concerto a solo num Coliseu (o do Porto, em 2014). O início é algo exigente: são maioritariamente temas do novo disco, pouco “cantaroláveis” – à excepção de Romaria das Festas de Santa Eufémia, que tem direito a coro tímido mas afinado – que o público sabe receber em silêncio. Ouvem-se só as histórias que Araújo canta.

O Meio Conto de Natal lisboeta do menino que vem da estação do Oriente até Belém, com passagem pela Estrela; a lotaria que dita ir-se parar ao lado da piscina da estalagem ou ao da beira dos camionistas, na Via Norte; o momento exacto do primeiro amor, das canções de Liverpool e Nashville a tornarem-se o centro das atenções ali na cave de Sangemil. É um dos maiores momentos do concerto, a canção e o discurso que lhe antecede, de agradecimento aos tais tios que tinham uma banda e apresentaram ao jovem Miguel todos aqueles clássicos. E são aqueles clássicos que ele hoje em dia recicla, por assim dizer. A raiz musical de Miguel Araújo é a anglo-saxónica e são os Beatles, o Dylan, os Stones, o Elvis, os Animals e os demais heróis de outros tempos que lhe moldam as melodias e os solos de guitarra (há vários durante a noite, e ainda bem). Só que o então miúdo da Maia juntou às melodias americanadas as letras em bom português. Lembra alguém? Então segue-se uma versão de Terra de Ninguém e homenageie-se também Carlos Tê e Rui Veloso, como tem de ser.

Mas olhe-se também para o futuro: ponha-se Joana Almeirante (voz e guitarra) no centro do palco e tire-se de lá o resto sem que ninguém dê por isso. Cale-se o Coliseu dos Recreios para ouvir atenciosamente o Quarto da Glória, tema meio bossa nova partilhado a meias com a jovem de Escapães que ganha a primeira ovação da noite. “Lembrem-se deste nome: Joana Almeirante – não Almirante – Almeirante!”, repetia um visivelmente orgulhoso Araújo. Dito e feito. Não será a mais bela canção do ex-Azeitonas mas Será Amor? teve atenção radiofónica suficiente para ser acompanhada por todos na plateia. O tema a que César Mourão (aqui Miguel Araújo) e Luana Martau (aqui Joana Almeirante) deram voz na mais recente adaptação do filme Canção de Lisboa marcou o final do primeiro acto.

É que a meio da canção entraram os sopros, e a bateria, e a guitarra eléctrica. Pouco depois subiu-se o pano et voilà, o segundo acto: cenário pomposo (uma coluna tipo poste de electricidade ao centro, com fios iluminados de várias cores a saírem para cada lado do palco) que lembra a capa do último disco e envolve a banda completa de Miguel Araújo, que se pode agora revelar em todo o seu esplendor. Com o rock and roll de guitarra ao alto de Axl Rose, o quase swing da nova Cinco Minutos de Whiskey, o ritmo contagiante de Fado Dançado – que teve direito ao abanar de ombro da própria Ana Moura, dona e senhora da canção escrita por Araújo para o último disco da ribatejana, Moura – são bons exemplos da versatilidade dos instrumentistas presentes.

Mas é em Reader’s Digest que tudo culmina, num estrondoso arranjo e com solos impressionantes de Bruno Ribeiro (vibrafone), Paulo Perfeito (sousafone), João Martins (saxofone), Pedro Santos (piano), Mário Costa (bateria), da já mencionada Joana Almeirante e do próprio Miguel Araújo, à guitarra. Se tivéssemos de escolher um tema para resumir todo o espectáculo, seria este. Tempo ainda houve para duas visitas em palco: primeiro o “companheiro de longa data”, João Só, em Vai Por Mim, do EP editado em conjunto pelos dois nos idos tempos de 2010, e depois a “caríssima amiga”, Ana Bacalhau, em Ciúme, single de apresentação do álbum a solo da cantora, também ele escrito por Miguel Araújo, claro está.

Já se tinham passado quase duas horas de concerto mas ainda ninguém tinha dado por isso. E ainda estava para acontecer o momento mais alto da noite. Tinha chegado a hora dos Kappas (“escondam as vossas mães!”, avisou Araújo), a tal banda dos tais tios que ensaiavam na tal cave da tal casa de Sangemil. Com a ajuda de dois primos (Sérgio e Pedro, ambos na guitarra), o tio Sérgio encarregou-se da guitarra e da harmónica, o tio Luís das percussões e o tio Pedro do microfone. Reunião de família, portanto, em pleno palco do Coliseu dos Recreios, sala que cedo caiu em delírio controlado, mal se ouviram os primeiros acordes de The House Of The Rising Sun (o eterno tema dos The Animals). Aí está a ovação em pé mais que merecida: pela postura e incrível performance dos Kappas e dos primos, mas acima de tudo pela humilde e sentida homenagem de um sobrinho claramente orgulhoso das suas origens musicais e não só. Sala rendida e noite ganha, claramente. Venham então as festivas Dona Laura e Os Maridos das Outras (com direito a um belo arranjo e uma troca de “galhardetes” maravilhosa entre a guitarra de Miguel Araújo e o piano de Diogo Santos).

Podia ser o final do concerto, mas o público não se convencia e lá voltou Araújo ao palco só de guitarra na mão. Contou que ao jantar tinha havido um infiltrado e que ele tinha avisado que só jantava quem cantasse: “Zambujo, ainda aí andas?”. Virou-se um coliseu inteiro para um camarote e António Zambujo lá se levantou do seu lugar e cedo se juntou em palco ao “melhor amigo” e lá o partilhou mais uma vez (a 29.ª vez. Sim, 29.ª. Isso mesmo). Juntos, os Újos mais conhecidos do país – ou, pelo menos, dos Coliseus – cantam Anda Comigo Ver os Aviões, Lambreta e Pica do Sete.

A certa altura estão em amena cavaqueira e lembrámo-nos dos concertos do ano passado, olhámos para o relógio e tememos não chegar a casa tão cedo. Mas não, não havia mesmo tempo para mais, só mesmo para juntar todos os convidados em palco e fazer a devida despedida, ao som de Balada Astral. “Não tenho palavras para vos agradecer estarem aqui”, disse o anfitrião a certa altura. Bom, da nossa parte, diríamos que não são precisas palavras quando se dá um concerto destes.

 

Edição: Daniela Azevedo
Fotos: Paulo Bico, facebook.com/miguelaraujojorge

Teresa Colaço  

Tem pouco mais de metro e meio e especial queda para a nova música portuguesa. Não gostava de cogumelos mas agora até os tolera. Continua sem gostar de feijão verde.


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