Bombos, suor e lágrimas – Diabo na Cruz no Coliseu de Lisboa

Bombos, suor e lágrimas - Diabo na Cruz no Coliseu de Lisboa

Dois anos depois do último concerto e um mês depois do lançamento do último disco, Lebre, o Diabo na Cruz fez a festa no Coliseu de Lisboa. A noite de quinta-feira foi de absoluta comunhão com um público que há muito esperava o reencontro.

Muito se poderia dizer para contextualizar este concerto. O facto de os Diabo na Cruz já não tocarem ao vivo há mais de dois anos seria o primeiro a realçar, mas há também a questão do último disco (Lebre) ter sido lançado há coisa de um mês e nunca nos podemos esquecer de lembrar: esta banda foi ganhando uma legião de seguidores considerável nos últimos anos de estrada, sendo que foi crescendo muito pelo passa-a-palavra e de palco em palco, por romarias, festas e auditórios país fora. Mas sim, há dois anos que isso não acontece, o disco é bastante recente e essa legião, será que ainda aí anda? A resposta foi clara – ensurdecedora, até – e apareceu logo no início do concerto. “Forte”, primeira canção de Lebre, abriu a noite e puxou desde logo das gargantas dos presentes. Coliseu bem composto a deixar bem claro que sim, ninguém tinha abandonado o diabo e estavam ali todos para o provar. Foi aliás esse o tom de todo o concerto – uma banda em palco ávida de mostrar que estes dois anos não foram em vão (só faltaram dois temas para Lebre ter sido tocado na íntegra) e um público ansioso por recebê-los de braços abertos.

A letra das também novas “Procissão” e “Roque da Casa” esteve mais uma vez na ponta da língua de grande parte dos presentes mas foi em “Tão Lindo” que se bateram recordes de decibéis. Um dos temas que apresentou o Diabo na Cruz ao mundo já há quase dez anos continua a incorporar na perfeição a matriz do grupo: guitarras ao alto, melodia popular na garganta e uma capacidade incomum de nos fazer berrar refrães e dançar ao mesmo tempo. Diz Jorge Cruz que de repente parecia que afinal já só não tocavam ao vivo há dois ou três dias, entendemos o sentimento mas sim, como depois advertiu, para alguns a espera pareceu durar “Duzentas Mil Horas”. “Parece milagre / Vou voltar / Ao lugar onde pertenço” – e não é que voltámos mesmo? Por esta altura já nada podia parar a locomotiva, restava-nos apenas apreciar a festa bonita que se desenrolava à nossa frente. Uma sala repleta de saudade transformada em felicidade, coros perfeitos, palmas incessantes e uma banda em palco que mostrava merecer cada pingo de dedicação vindo da plateia.

Apesar de trazerem um disco para apresentar, foi impossível escapar aos temas de Virou!, o disco de estreia. Para além dos obrigatórios “Os Loucos Estão Certos”, “Tão Lindo” ou “Dona Ligeirinha”, houve também um regresso às velhinhas “Corridinho de Verão” e à versão de “Lenga Lenga” (original dos Gaiteiros de Lisboa, lançada no EP Combate). Mais gingões e directos ao assunto, os temas da estreia dos Diabo na Cruz foram alguns dos mais celebrados da noite, a par da bela “Luzia” (numa versão voz e piano) e “Chegaram Os Santos” e o seu clássico comboinho – que não teve espaço para tantos passageiros na plateia do Coliseu -, ambos do mais robusto segundo álbum, Roque Popular. Do homónimo e terceiro trabalho que ajudou a catapultar o estatuto da banda nos últimos anos foram “Ganhar o Dia”, “Vida de Estrada” e “Saias” as grandes festejadas. Mais radiofónicas e menos arrojadas cumpriram na principal função para que de resto todos fomos ali chamados: fazer a festa. Ainda assim, acabou por ser a Lebre a grande estrela da noite.

Para além do trio inicial, “Terra Natal” colou na perfeição com “Siga a Rusga” (de Roque Popular) mas foi com “Terra Ardida” e “Montanha Mãe / Contramão” que as coisas começaram a aquecer. São temas mais intensos e menos festivos, que divagam musicalmente para áreas pouco exploradas, num “prog rock da Serra da Estrela” exigente que a plateia do Coliseu abraçou com o mesmo fulgor quanto os outros temas. Mas se há canção que ganha este disco é aquele que pôs um Coliseu em erupção ainda mal tinha começado: Malhão 3.0. Não sei quantas bandas já fizeram canções sobre a experiência de ir a um concerto seu, deve até soar meio pretensioso para quem não perceber do que se trata, mas esta canção, que fala em esquecer o jantar e ir a correr, bailar até cair para o lado que hoje a festa é do diabo deu para arrepios e lágrimas. É que este povo esperou muito tempo para poder voltar a ter uma noite destas, e ali estava ele, a cantar sobre a alegria que são estas noites, em uníssono e com uma energia aparentemente inesgotável. “Meio gás não serve / Só calor e entrega em noite ávidas / Rebelião de febre / Bombos, suor e lágrimas” – eis um concerto de Diabo na Cruz.

Fecha-se o primeiro encore como se fecham habitualmente todos os concertos de Diabo na Cruz: com Fecha a Loja e aquela melodia cantada que parece que está cá dentro desde sempre e se solta ali e só ali. Entra-se então na derradeira despedida com Balada, o tema mais calmo de Lebre que é entoado por todos em mais um momento comovente da noite: “Faz o teu melhor / Acredita, isso basta” – aqui já nem sabemos quem está a cantar para quem, a barreira que separa a banda do seu público já mal se distingue, como se Diabo na Cruz já não fosse só a banda em palco mas sim uma espécie de energia intocável que encheu o Coliseu.

Depois da agridoce “Fronteira” (vale a pena referir que também foi cantada por todos?), a despedida foi ao som de “Regresso da Lebre”. O tema de abertura do primeiro disco de Diabo na Cruz, originalmente cantado por Vitorino, serve de lembrança para este final da noite: “Voltou, Voltou / A Lebre Voltou”. O regresso dos Diabo na Cruz aos concertos foi estrondoso, e ainda agora começou. Imagine-se o que aí vem.

Teresa Colaço  

Tem pouco mais de metro e meio e especial queda para a nova música portuguesa. Não gostava de cogumelos mas agora até os tolera. Continua sem gostar de feijão verde.


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