Aula Magna rendida ao lado lunar de Peter Murphy

Aula Magna rendida ao lado lunar de Peter Murphy

A fila que “dava a volta” à Aula Magna, em Lisboa, fazia antecipar um concerto muito procurado no passado dia 16. Enquanto nas portas já se lia “esgotado”, lá dentro o calor característico da Aula Magna acompanhava quem começava a instalar-se para ouvir essa personagem híbrida de morcego e pin-up que Peter Murphy nos foi criando ao longo de quase quatro décadas de carreira.

Divorciado da atual cena musical rotulada de rock, punk ou até rock alternativo, Peter Murphy tinha anunciado que viria percorrer em formato acústico uma parte da sua carreira, a solo e com os Bauhaus, mas mesmo assim ficou alguma saudade de temas emblemáticos como ‘Huuvola’ e a até o hit que foi a ‘Hit Song’, de 1992.

Ainda assim, e apesar do fim dos Bauhaus em 1983, tivemos direito a uma certa magia vinda dessa época que ajudou a dar outro envolvimento às canções mais recentes. Aliás, conta quem viu que a reunião do grupo há 16 anos em Coachella foi algo memorável.

Apesar de, há cerca de três anos, Peter Murphy se ter despedido do preto, na capital portuguesa foi assim que a noite arrancou, tanto em palco, quanto na sua indumentária, só interrompida por uma rosa vermelha no braço. Problemas no som, infelizmente, fizeram com que alguns momentos em que nos preparávamos para o confortável anichar na cadeira, passassem ao desconforto de “onde estão os meus tampões de ouvido”. Lá mais para a frente, foram superados.

Peter Murphy

‘Cascade’, o tema que dá nome ao álbum de 1995, abriu a noite e a devoção dos fãs não saiu em nada defraudada com os seguintes deliciosos momentos: ‘Secret’, ‘Indigo Eyes’, numa versão talvez mais teatral mas ainda mais intimista, ‘All Night Long’, a trazer o lado bom da saudade dos 80’s e, ainda em 1989, a ‘Marlene Dietrich’s Favourite Poem’. O som foi de lamentar, lá está, mas para quem conhece as canções valeu a entrega e respeito que temos pelo inglês. ‘Bewlay Brothers’ também lá esteve em jeito de homenagem a David Bowie.

“Obrigada”, “Obrigado por terem vindo” e “Boa noite” ouvem-se vezes sem conta mas o silêncio em vez do aplauso vem quando Murphy antecipa: «Esta acho que conhecem e vão gostar», para logo nos rendermos a ‘Strange Kind of Love’ do tão rico “Deep” de 1989. ‘King Volcano’ é outra das que deixou o público embasbacado com uma intro a remeter para sonoridades quase celtas, a sublinhar que Peter Murphy gosta de inventar e também vinha munido de instrumentos para isso. Aliás, o próprio toca guitarra e escaleta. A acompanhá-lo estão John Andrews na guitarra, Emilio China no baixo e no violino e Robbie na bateria. Peter Murphy chega a pedir desculpa por alguma desafinação mas depois todos se acertam.

Depois de tirar o casacão de entrada e substituí-lo por um colete decotado, ‘She’s in Parties’ dá um destaque à grande voz que o músico ainda tem e não se inibiu de mostrar, enquanto o fecho da primeira parte do concerto é interpretado numa quase total penumbra da Aula Magna, apenas com uma luz púrpura e fraca a incidir sobre ele próprio. Torna-se quase viciante esta figura e esta melodia.

O primeiro encore mostra ‘Lion’, tema-título do mais recente álbum, de 2014, e a seguir ouvimos o cantor numa das suas mais longas abordagens ao público português: «Nos tempos mais sombrios também se criaram bons temas, que não eram uma treta». Segue ‘The Three Shadows’.

Peter Murphy

Intenso, Peter Murphy faz questão de nos olhar nos olhos e aproximar-se tanto do público que chega a beijar uma fã que avançou umas filas só para lhe tocar. A sua proximidade contrasta com a escuridão que faz questão de privilegiar durante a sua atuação.

Um último arrepio sente-se (será de propósito?) em ‘Cool Cool Breeze’ onde Murphy dispensa, para algum alívio dos fãs, os músicos, e “ataca” sozinho, de forma nua, crua e impecável sem qualquer apoio sonoro. Os músicos ainda voltam, ninguém parece querer a despedida e, a avaliar pelos aplausos de pé, fica a vontade de o ver de volta, já sem atrapalhos sonoros.

Amar é não precisares de fazer nada para agradar; só seres tu próprio. Nessa medida, Peter Murphy agradou muito.

Fotos de Luís Flôres

Daniela Azevedo  

Jornalista, curiosa sobre os media sociais, viciada em música, gosta da adrenalina do desporto motorizado. Amiga dos animais e apreciadora de dias de sol. Acha que a vida é melhor quando há discos de vinil e carros refrigerados a ar por perto.


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